sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

das inquietações...

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"Quem não tem poesia caça com crônica."
Julio Carvalho
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diálogo
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berro_erro

as pessoas
têm falado muito baixo
sempre um nome
as pessoas reduzem-se a um nome
a linguagem agrava as coisas
a língua ficou manca diante de tanto erro e uso
tornou-se impossível falar o indizível
começarei a gritar segredos
quero respirar todo o céu que nos esconde um do outro
quero dessegredar
sua boca
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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

das criações...

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"Eu amo a rua.
Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim
se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor
assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós.
Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais;
nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos,
com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une,
nivela e agremia o amor da rua.
É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel,
o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas.
Tudo se transforma, tudo varia o amor, o ódio, o egoísmo.
Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia.
Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis.
Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua."

A Alma Encantadora das Ruas - João do Rio
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abasteça
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penúltimo dia

crio hipóteses para um amor de verdade
crio coragem pelo fruto da necessidade
crio desejo de repetir alguns erros
crio vontade de mudar sem medo
crio respostas para velhas perguntas
crio novas perguntas sem nenhuma resposta
crio um caminho para refazer a viagem
crio espaços para novas mensagens
crio versos que saúdam as mudanças
crio um espírito com mais esperança
crio um corpo com menos desgosto
e recomeço tudo
de novo
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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

das possibilidades...

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"Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
e o caminho o verdadeiro fim?

Não é hora de regressos
Não é hora

É certo que me perco em sombras
e que, isolado em minha ilha,
já não me atingem as notícias
dos jornais a falar de bolsas,

modas, cidades que soçobram,
crimes, imitações da vida
ou da morte televisiva,
quadrilhas, teias penelópicas

de horrores ou de maravilhas
que dia a dia se desfiam
e fiam sem princípio ou fim
novíssimas novas artísticas,
científicas, estatísticas...
e há na noite quente um jasmim.

É aqui, mais real que as notícias, na própria
matéria, na dobradura de uma folha
em que se refolha este meu coração
babilônico, na configuração
da mancha gráfica sobre a tessitura
do papel tensionado, ou onde se apura
o lusco-fusco produzido por linhas
e entrelinhas, entre o preto e o branco e o cinza,

onde cada ideia, cada ponto e vírgula
dos trabalhos e das noites se confunde
com miríades de pontos de retícula
e meios-tons de clichês, entre o passado
que jamais está passado e alguns volumes,
linhas e planos apenas esboçados,

que súbito os elementos mais dispersos
se articulam, claro-escuro filme negro,
entre a pura matemática, o acaso
e a arte (esta árvore já foi vestido
de mulher) onde meu delírio é mais preciso,
transparece o meu jornal imaginário.

Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
E o caminho o verdadeiro fim?"

Antônio Cícero
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senão
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os pre_textos possíveis

"a criação da poesia é um processo
parecido com o dos sonhos." Beatriz Bracher


quero escrever porque
dói muito é não conseguir escrever
meu refúgio são as coisas em branco
tudo é a fazer
e poder fazer
tudo é um problema de forma
que acaba sendo um problema de alma
toda criação é um acidente de percurso
e acontece dentro d'água assim:
o rio das coisas flui
invisível
aos desavisados
mas aos olhos do poeta
é riso
mesmo sabendo que as estantes de poesia
de todas as livrarias
são bastante solitárias
(como eu)
do rio da vida
rio
em tempo penso
que as pessoas são difíceis
eu queria ser mais fácil
eu queria impersonar
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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

das tecnologias...

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"Por quê os animais tem olhos no lado da cabeça?
São poucos os que tem olhos na frente como nós.
É porque o perigo real vem dos lados ou de trás.
A velocidade achata a visão, como uma tela."

Paul Virilio
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periphery
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acidentes causados pela velocidade

é criada a consulta diária da morte
desde a colisão das partículas até a colisão do homem
com o próprio homem
com a própria pele
com todos os seus apocalipses
com círculos vagando sobre o mesmo assunto
do fim

o mundo agora contêm
a sincronização das emoções coletivas
a formação de uma terceira bomba
o controle pela administração do medo
o corpo na periferia
de tudo

nada mais é menor
nenhuma alma é pequena
o mundo se tornou um lugar veloz
que qualquer pessoa por pessoa
pode descobrir
instantâneamente
o seu gatilho

agora aqui habitam
seres humanos menos orgânicos
seres estranhos
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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

das revelações...

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"Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada."

David Mourão-Ferreira
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poetic
visceral
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a violência do nosso desejo

aparei as mãos
só pude perceber salva as lágrimas
passadas
e um corpo úmido no meu colo
desastre tardio não abarcado pelo sentido
não deu tempo de perceber o acontecido
quando se viu já era um choro

mas tudo aquilo que me move
ainda não foi perdido
nem conto perder
todo prumo se perde de vez em quando
mas isso não conta quando muito é parte
vontade

como se espera um equilíbrio
a partir disso?

o corpo nunca obedece o desejo...
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sábado, 18 de dezembro de 2010

das estações...

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"o silêncio serve para esticar as palavras"
Pedro Calouste
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nowhere near here

*
meu
que
líquido
estou só
lido hoje

**
sou um mineiro
que chegou à superfície
com felicidade e pedras
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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

das citações...

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"Uma transformação recente de que quase ninguém fala é a extinção de algumas palavras.
Pode parecer uma bobagem vernacular, mas não é.
A linguagem (ainda) é a forma mais eficiente para a transmissão de ideias.
Um termo que desaparece ou tem seu significado esvaziado costuma indicar
que são poucos os que ainda pensam no assunto.
"Original", por exemplo, é uma palavra que perdeu importância e vem, aos poucos, perdendo o sentido.
À medida que produtos, serviços e relações são cada vez mais compostas
de ideias e cada vez menos de matéria, ter originalidade perde relevância.
Por mais criativas que sejam, ideias não têm substância.
É impossível encontrar sua semente original, seja para preservá-la ou para destruí-la.
Outra palavra que desapareceu foi o Futuro. Assim, em maiúsculas,
o grande Futuro substantivo, a Utopia para a qual seguiríamos de mãos dadas.
Mesmo sendo fundamental para a construção de praticamente todas as sociedades
e religiões ocidentais, ele vem desaparecendo.
Ainda se fala no amanhã, no porvir,em tempos futuros.
Mas eles são vários, individuais, pequenos.
Falar em um único e abrangente Futuro parece, ironicamente,
uma coisa velha e ultrapassada.
Não se sabe exatamente quando foi que pararam de falar nele.
Desde a metade do século passado, a migração e a urbanização misturaram culturas,
valores e ideais de uma forma sem precedentes, eliminando absolutos e certezas.
E, onde não há unanimidades, não se pode determinar com precisão o caminho a seguir.
.................................................................................
O Paraíso e o Armagedom caminham de mãos dadas.
Eles estão sempre próximos, mesmo que nunca se manifestem.
Em uma economia de ideias, símbolos são mais tangíveis do que originais."

Luli Radfahrer - O fim do futuro - folha@luli.com.br
Fonte: Caderno TEC da Folha de São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2010.

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my year in status
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das conclusões...

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"seus textos dão
a sensação que tudo está suspenso
como se levita
como se evita
e debitas no seu blog
a sensação de que tudo se edita
mas tudo se acredita
e fica o dito pela voz da sempre dita
cuja
poesia."

Roberto Laplagne - twitter @rlaplagne
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shoes
foto by Roberto Laplagne
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anuário
as histórias não precisam ter um final

0102 ao contrário
coisa lida
ano reverso
poção mágica
de letras
em trezentos e sessenta e cinco
dias escritos
uma porção de coisas lidas
servidas numa tela que se come
a frio

(as letras fazem o meu próprio elogio)

seguro o que escrevo contra o peito
a quente
um ano escrito é um ano revelado
e no final
2011 em diante...
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dos fragmentos...

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"encantar-te-ás com os poetas até conheceres um.
com calças de poeta, camisa de poeta e casaco
de poeta, os poetas dirigem-se ao supermercado.

as pessoas que estão sozinhas telefonam muitas vezes,
por isso, os poetas telefonam muitas vezes.
querem falar de artigos de jornal, de fotografias ou de postais.

nunca dês demasiado a um poeta, arrepender-te-ás.
são sempre os últimos a encontrar estacionamento
para o carro, mas quando chove não se molham,

passam entre as gotas de chuva.
não por serem mágicos, ou serem magros, mas por serem parvos.
a falta de sentido prático dos poetas não tem graça."

José Luís Peixoto, em A Gaveta de Papeis
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fragments

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quase inteiro

eu vivo
do pedaço de cada um
meu alimento é fato
de alguma coisa feita de afeto
tenho as casas e algumas causas ganhas
e mais do que isso
tenho continuado e
até onde eu posso
eu vivo
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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

das estratégias...


"Se chovesse (sempre) trezentos e sessenta e cinco dias por ano,
e as nuvens no céu se repetissem na cor,
na forma, na velocidade, e na lentidão;
e se o sol permanecesse robusto e alto, constante
como o último andar de um edifício (bem construído),
de calor assim assim mas repetindo assim assim
de calor da véspera;
se o mau e o bom tempo fossem uma linha única,
paralela aos dias; se o verão e o inverno
em vez de dois fossem um,
como uma pedra é um, e uma árvore é um,
se, enfim, quem amas permanecesse amado por ti,
hoje exactamente como ontem,
e daqui a trinta anos exactamente como hoje;
então não existiria o tempo,
e os relógios de pulso seriam pulseiras ruidosas,
mecânicas de mais para estarem tão próximas da mão
capaz de tocar com leveza.
E se não há tempo
.........................não podemos trair."

O Amor - Gonçalo M. Tavares - em "1"
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cards small
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blefe

mesmo sem dar as cartas
sem dar as caras
a poesia ainda é isso
(algo como o amor)
mesmo que outros escrevam
muitas coisas
com o mesmo nome
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

das metades...

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"todo amor é pouco
em alma inquieta
todo sonho é louco
num poeta
toda dor é breve
como uma fumaça
o poeta escreve uma canção
e a mágoa passa
todo coração
que se vê no fundo
anda n'outro chão
é outro o seu mundo
todo sonhador
tem olho de esplendor
é a estrela guia da poesia
dentro do compositor
nada é de um só ]eito
salve a diferença
tudo feito com paixão
compensa
o poder da mente
não se prende em cela
é deus recriando a criação
por ela
e ela é bela, é
porque não tem fim."

Recriando a criação - Chico Pinheiro/ Paulo César Pinheiro
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uma coisa menos sábia do que o silêncio

*
tenho olhos
que demoram tempo
em decifrar certas palavras
a fala tem o momento exato:
por isso
não procuro o amor entre os carros
porque corro o risco
de ser
atropelado
nos faróis

**
me deixa sozinho
quero entender
os meus parênteses

***
parti em dois:
foi um perdido
pra cada lado

****
amor não é abstrato nem grande. é prático e pequeno. amor é quer um pouco?
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das surpresas...

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"A experiência poética para mim é uma aventura existencial
que acontece num momento que me surpreende,
e quando me surpreende o poema nasce."

Julio Carvalho
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horários

vazios horizontais
vazios verticais
vazios de horas
vazios de dívidas e vidas
vazios de meio-dia
vazios de âncoras e cais
vazios de mágoa
vazios de marcas e água
vazios plenos
vazios planos e acenos
vazios anônimos
vazios crônicos
vazios adeus
vazios meus
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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

das belezas...

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"como se houvesse outro ângulo para o fôlego
como
se houvesse."

Bruno de Abreu
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pure utopia
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possessão

muita beleza causa medo
tanto da coisa acabar logo
quanto da coisa não acabar nunca
e não ser possuída
muita beleza causa certos
egoísmos
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domingo, 5 de dezembro de 2010

das cicatrizes...

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"mientras relamo
mi propio cuerpo herido
y cicatrizo."

Rosa Lesca
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significato

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mais do mesmo com cicatrizes

o significado do corpo
é não pertencer a nenhum outro
a não ser que tenha algum
significado

o significado é raro e depende de alguém
o olhar certo na alma de quem tem
amor
faz a diferença
entre estar aqui e se apaixonar
estar fora dos desvios e saber onde o caminho vai
mesmo arriscando
assim vive
quem só sabe
amar
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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

dos incendiários...

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"amor nunca é de um só
amor tem que ser de dois
senão ele fica menor, ai
amor que é de um só só dá dó
é dor que ninguém supôs
ponto que não tem nó
e que se desfaz depois
amor é de mais de um
de dois que se faz um amor
senão ele fica comum, ai
senão ele perde o valor
se é que já teve algum
se é que já teve ardor
se é que era amor de brasa
pois o amor
é feito flor de fogo em casa
é o que é
é um homem semeando
labareda na mulher."

Flor de Fogo - Chico Pinheiro/ Paulo César Pinheiro
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neo christmas 01
page

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acentuação

eu já não sei quem
é
essa outra pessoa
de
manias
tão grandes
e mãos tão vazias
sobrevivendo
de pequenas euforias

eu já nem sei quem
é
que faz da alegria
o pão de cada dia
e a outra história
mal contada da memória
apagada
mal escrita na palavra

a outra coisa que

eu já não sei quem
é
está longe de ser assim
alguma coisa sempre
guardada no coração
até o fim
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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

dos fantasmas...

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"aparições estão por aí, nas entrelinhas. latejam. vibram.
sabemos que existem porque se desdobram,
porque produzem ondas (ressoam) e se revertem em escrita.
porque os poetas, através da luva fina das palavras, as tocam.
é muito pequeno, eu sei, é muito pouco.
mas é tudo _ e é pegar ou largar."

José Castello
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by journeytoanewworld
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tragédia dos comuns

que nada
eu sei que tudo vai dar em água
e que águas pesadas não movem moinhos
cansado de pensar só para vento dentro
do corpo
esvaziada_mente
mandar vir outra de espírito mais forte
que aguente firme
ainda tenho uma vida por fabricar
não esperar muita coisa
não esperar coisa nenhuma
não olhar em volta
manter a rotina
única saída
impôr-se um silêncio durante os dias
civilizadamente
um tempo de espera
de ação suspensa
onde não existe idade
ainda tenho um corpo que pesa
e espero o próximo passo
lento

vêm aí dias difíceis
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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

das coragens...

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"estranhem o que não for estranho.
tomem por inexplicável o habitual.
sintam-se perplexos ante o cotidiano.
tratem de achar um remédio para o abuso
mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra."

Bertolt Brecht
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positive2
image from www.postsecret.com
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voraz
à todos que mantém a palavra calada sob alguma condição

sempre calei muito
sempre feito um bobo
olhava tudo sem malicia
sempre contei com o mundo e as coisas
aparentemente boas
mas certas coisas diziam sempre não
e não e não e não
e veio o grito
o grito de dizer ondes
porquês e desejos e expor medos feito
alguma coisa grudenta no corpo que
tinha que ser arrancada
junto com outras todas
que incomodavam
muito muito muito
antes dessa coragem de falar
aqui não tinha eu
eu não sabia do meu corpo
que estava coberto de outras vergonhas
das palavras dos outros
outros e outros e outros
o primeiro grito veio e depois outro
outro e outro e outro
agora entendo melhor
tudo o que foi feito
daqueles silêncios
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terça-feira, 30 de novembro de 2010

das crueldades...

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"o poema é isto: enquanto morremos,
a natureza não tem nada a ver conosco.
ela está na dela."

Ferreira Gullar sobre a morte de Clarice Lispector
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poemas difíceis

o poema tem algo de crueldade em si
todo poeta empurra uma parede
pesada
de espaços vazios entre palavras
o querer dizer que
e o que querer ser dito que
entre os dois
o que acaba sendo realmente dito
é o silêncio nas entrelinhas
que diz mais

o silêncio
e não a palavra
é ferramenta do poeta
poemas precisam de silêncio
ele é uma caixa de segredos da qual
em raros relâmpagos os poetas
arrancam
às dentadas
sua escrita
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dos endereços...

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"o homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade."

(Trecho de "Poema Sujo", Ferreira Gullar)
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THE MAP OF THE INTERIOR WORLD
ilustration by Eduardo Recife
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local aqui

queria escrever um poema com endereço
porque os poemas não tem endereço
e é difícil escrever um poema com endereço -
uma vez tomei um remédio
que era minha sobrevivência
plena e percebi:
fiquei muitos meses tomando um poema
isso nunca havia me acontecido antes
era o meu único remédio
era um poema com endereço
dentro
do reencontro com o meu corpo
a quase cura
o remédio-poema
a vida dura

a poesia é tomar ou largar
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das educações...

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"Escorre o mistério sobre
a cidade como um óleo.
Pegajoso, todos o sentem.
De onde ele vem?"

Jorge Amado
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hallowrey
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encontro de papel

no chão próximo da escola
perto de casa
encontro um texto de criança então amassado
com o tempo
e comemorações
comentadas
talvez redação escolar
sendo
sobre costumes americanos
adaptados
de fora para dentro
abrasileirados
o corpo de criança entende
pensa o que o outro
de fora
comemora
e pensa
que no Brasil é preciso
mais respeito
do que comemoração.

texto integral sem correções:

“HALLOWREY”

Numa noite fria uma bruxa malvada estava fazendo um feitiço ruim, quando ela viu uma sombra,
ela olhou para “traz” e viu um lobisomem e um homem com uma cabeça de abóbora a bruxa gritou:
- AEO, AEO,AEO, vocês “estam” malucos?
- Não. Falou o cabeça de abóbora. Nós estamos treinando para o “hallowrey”.
- Pois fazer doces ou travessuras “da” muito trabalho. Disse o lobisomem.
- Mas “agente” tem que bolar um plano para roubar os doces. Falou a velha bruxa.
- Auuuuuuuuuu. Disse o lobisomem. Nós não podemos roubar os doces porque isso é feio.
- “E” mesmo e também é falta de respeito. Falou o abóbora.
E então a bruxa, o lobisomem e o cabeça de abóbora viveram "respetosamente" felizes para sempre.
FIM

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

das tempestades...

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"Trazer uma criança para esse mundo super-populado e cheio de guerras,
desesperadamente tentando agarrar uma idéia patética de imortalidade?
Nas palavras sábias de Kim e Kelley Deal (do The Breeders, claro),
“Se você é tão especial, por que não está morto?”

Read the rest at Vice Magazine
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desvio próprio

tempestade em copo dágua
é chuva de verão
fora de hora
revira a hora e o dia se lava
em nuvem de vento
quente
um qualquer chão absorve tudo
não sobra tempestade
a vida é chão seco de sobra
depois de cada chuva sua
é só um cheiro
de terra de enxurrada de resto de rua
que passa
a vida descansa
depois da chuva
a guerra mansa
que fica dentro
acaba
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

dos dentes...

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"Havia um homem que escrevia em fragmentos até o próprio nome.
Assinava com metade da caneta, com metade da tinta
e escrevia metade das letras.
Mas havia outro homem, porque há sempre dois homens.
Era um homem que escrevia em fragmentos
que se multiplicavam como se entre eles
estivesse a operação multiplicação.
Há quem escreva como num testamento:
é uma linguagem que separa e deixa apenas parte a cada um.
E há depois quem escreva com mão de agricultor:
deixa mais do que acabou de deixar."

Gonçalo M. Tavares em Biblioteca
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31 dentes
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31 dentes

estou sem dentes
(menos um hj)
mastigando menos a vida
mas estou bem
os outros dentes vão dar conta do recado
da mesma forma que eu
a falta de algumas coisas
acaba sempre compensada por outros esforços
outros dentes
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terça-feira, 23 de novembro de 2010

dos saltos...

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"sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras."

fábrica do poema - Waly Salomão
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salt me
photo by Felipe Bittencourt
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contratempo

há uma demora na correria
no olhar e na distância
um preparo antes
dos olhos

e não tem outro meio outro jeito
pois agora é essa
urgência
dessas coisas que se não já
depois esquece passa
porque o medo toma conta
e não se faz mais nada

(o medo tem seus momentos)

hora agora de fronteira
de exílio
de limite
de sobreviver correr
mais que o vento
que a sombra
que a luz do outro lado na velocidade da luz do salto
do susto
um pulo

se foi
mais um muro
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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

das doenças...

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"o nome quer brilhar a língua
língua é lenda
a própria lenda é lenda
além da
lenda"

Augusto de Campos
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a lápis
photo by Felipe Bittencourt
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idioprático

cresci a lápis
tanto
que meu texto
vem do chão

assim
germinado
existo
com essa doença
de escrever
sem cura
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dos objetos...

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"sei o pulso das palavras, parecem fumaça
pétalas caídas sob o calcanhar da dança
mas o homem com lábios, alma, carcaça, alcança"

Vladimir Maiakóvski
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lições para pessoas e coisas

meus objetos falam quando bem querem
quando precisam ser limpos lustrados lavados arrumados em seus lugares
pessoas existem algumas assim também mas sem palavras
nunca dizem
quando precisam ser limpas lustradas lavadas arrumadas em seus lugares
objetos falam mais que voz

pessoas caladas
quando lugares
não saem dos seus
medos
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dos interesses...

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"se eu quiser poesia
eu que poemas componha"

Laura Fuentes
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não me interessa
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irrespostável

não me interessa
aprendi a trabalhar entre o limite do som da palavra crua
e o texto escrito e amarrado
no punho
vai saindo feito um sangue dos dedos
escorrendo na tela
feito água de chuva
feito água de uma cuspida de pensamento
tudo muito rápido
nem dá tempo de piscar
e já tá lá
assim ó:
grudado o texto no papel
o poeta sai correndo feito criança atrás de novidade

a criação é um susto de pulso
um coração bateu
pronto
criou algo novo

os olhos piscam
o pulso sente
os dedos criam
o texto sai

e a gente sempre sabe quando é poesia...
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domingo, 21 de novembro de 2010

dos depósitos...

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"a felicidade não lhe faz sorrir aos que passam por ti.
isso se chama "ser fácil".
felicidade é outra coisa."

@estaenganado
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lomo lonely red
foto by Marcos Milan
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banco de palavras

escrever é outra coisa
quase um acidente
é como um dia que você encontra um texto que havia feito
quando procurava outra coisa
em algum depósito
secreto
não se recorda nem de ter escrito aquilo
na verdade não se lembrava de uma só palavra
mas escreve como ele foi deixado
sem nem ter corrigido
como veio ao mundo
quase como encontrado
em estado
de puro
êxtase
pode até ser que nem seja meu
como se fossem partes de um outro livro
que talvez nunca soubesse
se teria gostado
de ter escrito
.

sábado, 20 de novembro de 2010

dos eternos...

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"Não há limite que não seja por ele suportado.
Suporta todo o cansaço. Traições, fadiga, falhanços.
Aconteça o que acontecer tens um corpo que pesa;
e um chão, mudo, imóvel, que não desaparece."

chão - gonçalo m. tavares
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falha

não quero deixar uma obra
ou a lembrança de um eu imaginado
pois o eu verdadeiro é só meu


a carta infinita a letra que não se acaba a indigestão a sugestão o incômodo a remissão a culpa o cigarro o cinzeiro a fumaça e o tempo que não passa a lata de lixo o jogo o mosquito o cisco o ouvido o ruído o cansaço a moleza o vício da tristeza a dor de um só lado o medicamento o líquido o excremento a saliva no travesseiro a dor o tempo inteiro a indisposição o esforço a falta de espaço o vômito no pescoço a falta de encosto a voz rouca dos gritos da vizinha louca a janela o prédio a noite o dia a noite o dia a noite o dia anote o dia tudo é sempre tudo é sempre o mesmo a correria a diferença a indiferença a crença a descrença a dificuldade de acreditar a dificuldade de amar de se dar de encontrar de querer poder querer não é poder o poder dos outros o poder dos gostos o poder sem gosto o gosto do desgosto o oposto do amor o asilo o isolamento o lamento o lento arrastar das horas onde nada se gosta tudo tudo tudo demora agora e ainda mesmo agora as infinitas cartas sem resposta...

inspirado por Sarah Kane
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das velocidades...

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"espero por postais
um sms
um recado em inglês"

vinicius
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velocímetro

por todas as formas
por todos os meios
pelos apelos
e os receios
sem semente
sem mentira
sem saber onde esconder a cara
sem levar a carga adiante
e dar a outra face de nada adianta
dá em nada
de servir o nada líquido em taças
por todos os caminhos
danem-se
escalas e rotas

triangulações das coisas
circulações nas vias
emoções que passam

em alta velocidade
a vida
nem nota
.

dos fragmentos...

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"destrua os poemas inacabados
os rascunhos
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio
dos filólogos e das academias
não deixe aos catadores do lixo literário
nenhuma migalha
não confie a ninguém o seu segredo."

Lêdo Ivo
.

.
ver e dicto

eu me rendo
eu me prendo
eu me vendo
e eu posso?
.

dos sintomas...

.
"amor não é sentimento
amor é sintoma
o amor sim
toma tudo"

givagojulio
.
sabia
.
risco recorrente

estamos todos presos do lado de fora de um abraço
cada um de nós ouviu de uma pessoa diferente:
vai viver a sua vida
vai viver a sua vida
- pena de liberdade perpétua
estamos todos presos do lado de fora de um abraço
estamos cansados disso
a gente se joga
e aí quando descobre
não tem rede
não tem ninguém ali
embaixo
.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

das dificuldades...

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“não é difícil escrever um poema
difícil é ter um coração para escrever.”

시 (Poetry/ Shi) - Direção de Lee Chang-dong
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o poema das coisas difíceis
- livre adaptação de Julio Carvalho

como é lá?
será muito solitário?
tudo ainda é vermelho ao pôr do sol?
os pássaros continuam cantando a caminho da floresta?
podem receber a carta que não tive coragem de enviar?
poderei revelar a confissão que não consegui fazer?
o tempo passará e as flores desaparecerão?
como o vento que pouco permanece
e depois vai
exatamente como as sombras
para as promessas nunca cumpridas
para todos os amores mantidos até o fim
para a grama acariciando meus tornozelos cansados
e para todos os passos que me seguiram
como a noite cai
alguma luz será acesa novamente?
é hora de dizer adeus
agora
aqui eu peço para que ninguém deva chorar
e para que saibam
o quanto os amei
e o quanto profundamente amei
tudo
.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

dos segredos...

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"outra vez a inveja lançou o pecado sobre a carne
são destas coisas que não costumam ter motivação
nem fundamento
talvez fosse por causa de alguma doença contagiosa
pode ser que hoje a carne seja livre e impura
não pague impostos nem recorra a bulas
mas tornou-se terrífica matéria de filme de pavor
o medo na estética dos nossos dias
vive da substância da vida
seja sangue seja cuspo seja fezes
ela chega a ser virada do avesso
para as criaturas fílmicas
exibirem os órgãos que escorrem
- líquidos, nojentos -
fígados pulmões intestinos
a massa muscular a desempenhar o papel de quê?
o seu mesmo
o seu papel de carne
sem representação de nada
nada existe para além do que se vê e ouve
um tiro."

María Estela Guedes - Adaptado
.
algorritmo
.
senha

meu cadeado é o meu segredo
esse eu abro com a chave
das minhas palavras
.

domingo, 14 de novembro de 2010

dos limites

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“não conheço nenhum limite no que escrevo,
porque não me tracei nenhum limite.
nenhum limite ao que eu escrevo
ou ao que eu faço é aceitável.”

Julio Carvalho
.

.
sou poeta
vim com palavras
vou e vôo com elas
a palavra é um pó em silencio
a palavra é uma só no silêncio
a palavra é um nó no silencio
a palavra é uma só
.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

dos acidentes...

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"em caso de acidente quebre a rotina."
Julio Carvalho
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resize
.
acidente

desvio desperdício desumano
poeticidade latrocínio
assassínio atrocidade
cusparada em caixa de papelão
incendiário taça vinho barato
que sai caro
enxurrada beirada carro
a linha da rua frequente
mentem os pedestres:
passagem & atropelamento
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das entregas...

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"Não amava o amor. Nem as suas provas.
Amava sua engrenagem. A urdidura
do palco, o holofote cego
com a possibilidade da luz.
A cortina caindo em pano rápido
na boca de cena, sob o coração imaginário
artificial e monitorado, diverso
daquele que batia dentro de si:
sem controle — na bela e na fera."

Fotografia - Armando Freitas Filho
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negative love
negative love by Julio Carvalho
.
cadafalso

o amor não faz nada a perder
não tem nada a temer
ter meter os pés pelas mãos
não acontecer pelos pedidos
recursos e rezas e promessas
de quinta categoria
de segunda a domingo
nos horários nobres
ou no horário comercial
ou entre os pratos comerciais
quem dera amor não sabe que espera
muito
e na verdade o amor não é comercial
não é televisível
não é um míssil
que anda por aí desgovernado
o amor nem anda
ainda é sumido
(não tem nenhum cartaz de "procura-se" nas ruas)
acha-se
mente-se
entrega-se
estraga-se
deleta-se
o amor anda apagado ando apagando das coisas
andam apagando
andam sem amor
chorando
.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

das cinzas...

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"cada dia da minha poesia
é parte de um livro
onde a veste está mais rasgada."

Julio Carvalho
.



o peso das cinzas

as nuvens e cinzas e nuvens
embaladas aos pós
e os pés de vento levando
muralhas
migalhas a milhares de milhas
daqui
do porto das lágrimas
pisadas
dos olhos tortos
ungidos
baixados de tormentas
e lástimas
não se contentaram com menos
e o mesmo sabendo disso
teve um lapso de tempo
fazendo as nuvens aceitarem as cinzas
e a chuva
caiu de choro pronto
e lavado o corpo
o vento pôde
levar as cinzas
mais leves
mais longe
então
.

sábado, 6 de novembro de 2010

dos últimos...

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"Falo de verbos e falos retesados,
que circundam os mais puros
e sagrados espaços pequeninos do corpo.
Falo de homens e mulheres no fogo do outono.
Na mais obscura poeticidade, falo do mundo."

Jomard Muniz de Britto (Recife, 1937) - Adaptado.
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no inspiration
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última música
Inspired by Scott Pilgrim vs the World

(este é o início da canção)
estou ouvindo vozes
os ruídos absurdos
de animais-pessoas

o melhor do melhor do pior

o abismo feminino
contra o desejo masculino
o corpo sem destino
chegando ao meu limite
encarando a verdade até me cegar

meu corpo é ridículo
estéreo estragado
podre
derramando música
num esgoto estúpido
chegando ao meu limite
encarando a verdade até me cegar

meu limite
o meu limite
o limite
chegando
ao meu limite
onde chegando
ao meu limite
encontro
um corpo incinerado
animal
.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

dos deuses...

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"o ser palavra-deus é muito mais impactante
do que qualquer espetáculo."

Julio Carvalho
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onde tem deus no cardápio
.
DEUS, uma descrição
adaptado de um cardápio de bar

A suavidade única de deus começa nos elegantes contornos de sua garrafa.
É de cor clara, dourada, brilhante, efervescente, com bolhas minúsculas delicadas formando um colarinho branco.
Seu aroma é extremamente complexo, desenvolvendo fragrâncias de maçãs frescas, hortelã, tomilho, gengibre, malte, pêras, lúpulo, pimenta da jamaica e cravo-da-índia.
Seu sabor também é complexo, mas refrescante e delicado, não deixando transparecer sua grandeza espiritual elevada.
Inicialmente sente-se seu suave toque divino para então sentir suas características espumantes celestiais.
Seu final é graciosamente seco com características adstringentes.
Desfrutar deus é uma experiência única, inesquecível e é um dos mais novos tipos de crenças surgidas nestes últimos milênios.
Estas crenças começaram seu processo de fabricação ainda quando o homem nem era homem e posteriormente passaram por um longa maturação na região da atual Palestina, onde sofreram remoagem e descarga, um processo conhecido como monoteísmo, para remover os excessos de fé da embalagem.
Geralmente são crenças delicadas e de alto teor de fé e sempre contam com colaboradores insaciáveis.
Sua cor pode variar de amarelo claro e atingir até as cores mais escuras.
Tipicamente, deus é envasado em recipientes de 750 ml estilo champanhe.
.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

dos romantismos...

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"O mistério de muita gente
está em cada afirmação ou abstinência,
na malícia das plausíveis revelações,
no suborno das silenciosas palavras."

Julio Carvalho - adaptado de Henriqueta Lisboa.
romantic
.
romantismo
do lado de fora só


eu não vi onde vi o que era
romã
a fruta não é minha e não dá no pé
deu no pé o que é o
ro
mân
ti
co

são essas coisas que só os cartazes e os filmes me dão
na verdade
em outras paredes
onde falta mesmo
romantismo
é dentro

eu digo:
eu olhei e não vi
absurdamente
nada
.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

dos incômodos...

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"Se o olho não fosse ensolarado
não poderia avistar o sol.
Nem mais nada!...
O órgão pelo qual compreendi o mundo é o olho!"

Goethe
.
só isso
.
agora

pedra e martelo
mordem
só isso sem os pregos
já bastam
as batidas
são na cabeça

e doem os nervos...
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dos desastres...

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"O segredo da vida é recusar toda emoção que não seja conveniente."
Oscar Wilde
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curtis-kulig-love-me
ilustração by Curtis Kulig
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da raposa sem uvas

o amor é um puta desastre
sem sinal sem sina sem coisa nenhuma que avisa
é o inferno isso
deveria existir um aviso marcado na testa de todos os amantes
felizes demais eles
incomodam até os distraídos

seria um sossego:
os desamados estariam seguros
e a chatice do sorriso dos amantes
única e exclusivamente
propriedade deles
.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

das habitações...

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"não existem mentiras
pra quem olha de frente
o deserto
do real
tantos graus acima tudo seca."

Nuno Rau

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Fonte: Bruno Cobbi

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casacasos

as casas não são novas
não são coisas
regozijam-se
medo súbito
do alcance
na sua mão
só fagulhas

as chaves
falham

as casas não são móveis
não são fáceis
retalham-se
alvo súbito
sem alcance
no arco
só as cordas

as coisas
falham
.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

dos modelos...

.
"Foda é chamar sexo de foda."
Julio Carvalho
.

.
foda sou

eu sou foda
quando escrevo
só quando escrevo
o resto do meu foda
é fora
quando eu gosto
quando eu peço
mais carinho
e mereço
.

das miudezas...

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"Não quero mais brincar de adulto."
Julio Carvalho
.

.
...e a lua disse: sou a inspiração de todos os casais,
dos grandes poetas aos mais normais

.
crescer quero ser

quero cães e crianças feitos de amor puro
quero poção de criança
quero porção de criança
comigo
deixa eu ser a criança
de mim


.

dos estímulos...

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"Quando é que minha solidão pessimista
vai se transformar em esperança?"

Julio Carvalho
.
octavio text two
.
algumacoiserrada

alembro cérebro pobrema socego
não lembro onde tantos erros
tão cheios de significados
a linguagem tem um café de coisas
de estímulos-espíritos coados
com palavras ditas tortas
tão mais certas
que as direitas

deve ser por isso que o simples
quer sempre dizer
mais que tanto

a palavra eleva mesmo errada
.

das releituras...

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«A poesia só me dá alegria porque quando se faz um poema
a pessoa vive um tipo de experiência muito especial
decorrente do espanto que a vida provoca,
uma surpresa da descoberta do inesperado.»

Ferreira Gullar - durante a entrega do Prémio Camões.
.
reading
.
adágio

a vida é um medo
que acalmo o tempo todo
de todos os jeitos
café, cigarro, remédio, paciência...
a cura só um futuro calmo
o passado até vem
mas não traz sossego
meu garfo e faca
meu dia-a-dia
se adia a cada 24 horas

quem espera sempre avança
nessa angústia
mansa

amanhã resolve
.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

das películas...

.
"Sinto sozinho e nunca aprendi a estar sozinho. Estou sozinho.
Sinto falta das palavras. Estou sozinho. Estou sozinho.
Sinto falta de uns olhos onde possa imaginar. Estou sozinho.
Sinto falta de mim em mim."

José Luís Peixoto
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cinema aip
foto by Givago Oliveira
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ingresso

eu vi o meu filme sozinho e estremeci
não tinha começo nem meios nem fim
não era um drama tragédia romance grotesco cínico cenário revolta sistema reality show dando bandeira dando esmola dando patadas libertas quae sera tamem presença ausência demência podcast tv a cabo acabo triste acabo feliz acabo com fome ferro ferrolho 110v estado de graça estado de sítio estado de espírito 220v vermelho verde amarelo farol sigo paro ouço lendo sendo estando andando gerúndio aparência planos círculos quadrados triângulos amorosos gadgets targets jet sets windows xp vista avista imaginação ação reação emoção contração contramão extração dor de dente dor de barriga dor de espírito vulcão eu tu eles nós vós eles todos sabem da minha vida nossa tudo a bem dizer que temos algo em comum de estar tudo assim bem vivo vida toda roda tudo cinematograficamente falado musicado esgotado a vida toda pela tela há a vida toda pela tela que tem todo o tempo aqui agora de estréia
the end
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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

das críticas...

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"és ao mesmo tempo
o céu e o ninho."

Rabindranath Tagore
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bienal minimal by Julio Carvalho
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críptico

mais que pé no chão
estou a rés do chão
acreditar
só se for na base da questão
não adianta a vida agora
se não se sabe quem qualquer um depois

minha vida é um curta
a grana curta
a paixão curta
um curto-circuito quase o tempo todo sob a pele
arde

elétrico invade
o choque:
tenho uma vida que não amansa
nunca
.

domingo, 10 de outubro de 2010

das inquietações...

.
"Assim, pois, o duende é um poder e não um obrar, é um lutar e não um pensar.
Eu ouvi um velho violonista dizer: "O duende não está na garganta;
o duende sobe por dentro a partir da planta dos pés".
Isto é, não é uma questão de faculdade, mas de verdadeiro estilo vivo;
isto é, de sangue; isto é, de antiquíssima cultura, de criação em ato..."

Teoria e Prática do Duende - Garcia Lorca
.
shadow blue high two
.
desejantes, durante, depois

a noite tão grande
queria uma estrela
só me serviram
um vaga-lume

de pouco a pouso
a luz dele maior que a noite
me descobriu
da noite
para o meio-dia
nu

sem escolha
guardei
em sombra
minha vergonha

todo desejo é melhor na sombra
.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

dos controles...

.
"sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito"

Ferreira Gullar
.
control this
.
fardo

o dobro dos sentidos
perdidos
descontrolados
feito facas agulhas
agudas ácidas
lamento o labirinto
em que se meteu
e entre cada parede
despede
despido e nu
sem tinta sem cor
daquela confusão
procura a fala
e some na sala
o quarto o quinto
o sexto só é sentido
e volta ao começo
em dobro
.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

dos internos...

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"até hoje eu me parto:
ainda não nasci o suficiente"

Julio Carvalho
.
interno
.
silêncio número um
por lealdade ao silêncio prometo tocar no assunto

quero escrever a palavra dourada antes que ela escureça
antes que o barulho da rua perturbe e a fome apareça
antes que a louca da vizinha comece a gritar de novo
(pessoas que irritam da forma mais cruel possível)
os barulhos inúteis são destruidores de idéias
o poema precisa da organização do silêncio
podem sim, os barulhos
mas que sejam poucos e até façam parte
da cor da palavra
muito barulho
num poema
dá nada
.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

dos gostos...

.
"Enquanto a rima descansa
e o coração arranja outro motivo
para não parar de bater..."

Sandra Regina Souza
.
nosurrender
.
ensaborecer

ver ler e só
ver
esse poema
pendendo no galho
feito pesada
fruta


(pode pegar com as duas mãos porque é poema maduro)

e
quando
só eu posso ler
o poema
tem sabor só de um
dos outros que leram
ficam outros gostos
que as coisas das letras não tem
o que faz diferença
é como os outros na lingua
a papila calor
do poema diz que sente
seu tanto de letras
que faz muito
bem

(o poema às vezes feito de uma folha só)

a resposta ao poema é ao sabor de cada lingua
.

domingo, 3 de outubro de 2010

dos signos...

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"Eu vivo
sem revisitar meus fantasmas
porque se faço isso
eles se divertem.
Eu não."

Roberto Laplagne
.
nadanegra
.
quem te viu quem te ovelha

sua ovelha
nada negra
sua orelha nenhuma regra
(eu não te conto segredos)
um signo além de áries
um mistério
de lã e linhas das mãos
(eu não falo sobre medos)
não escrevo o que não conheço
e nada nega
não mereço
só um terço
de você
eu quero inteiro
uma ovelha

sua lã
me cobrindo
de manhã

eu me aqueço
.

sábado, 2 de outubro de 2010

dos achados...

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"Todo mundo acha que pode, acha que é pop, acha que é poeta."
"Eu sou melhor que você" - Moreno Veloso
Composição: Maurício Pacheco




algo de quem

não sabe
algo de quem
não é
aquilo que você olha
algo de quem tem
aquilo que você não quer
algo de quem
não tem
aquilo que você
pode
algo de quê
você quer e sempre
foge
algo de que
o tempo todo você
explode
algo de que alguém vê
e você reaje
algo de que você não sente
mas o outro
resolve
algo que falta a você
e você
não sabe
.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

das nuvens...

.
"Quando se substituí a escrita pelo pensamento,
aqueles que são privados dessa imagem sensível
correm o risco de não perceber mais que uma massa informe
com a qual não sabem o que fazer.
É como se tirassem os flutuadores de cortiça ao aprendiz de natação."
Ferdinand de Saussure.

fog
ilustração de Paulo Alan Deslandes Fragoso
.
fog

estava com
um nevoeiro na minha fala
e entre os olhos tive uma impressão
de ausência
tive poucas coisas
para ouvir
naquela pouca noite só
estava eu e a rua
o ruído era mais o dos carros
e de algumas poucas vozes
e de bêbados atores e de cães atrapalhados e de quase sempre o silêncio
que era a coisa mais bonita do mundo dentro tudo
esse silêncio isso
mesmo era a única coisa que
dispersava
o nevoeiro da minha fala
.

domingo, 19 de setembro de 2010

das parcelas...

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"A vida pode ser muito melhor do que aquilo que a gente se acostuma."
Gilson Coelho
.



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cadaumqual

a parte mais estranha de mim
é esta coincidência de que existo
e como eu faço dito isso
se com fala não tem jeito?
eu surgi não sei de onde
e apareço sem mais nem menos
ao menos eu sei o preço
do tamanho das minhas tristezas,
das alegrias alteradas e dos
estados brutos
de diamante da alma
na rua atravessado de veículos
ordinariamente desorganizado
o trânsito é só um sinal
engarrafado dos transtornos de dentro
precisam-se de sinais verdes amarelos vermelhos
em seus devidos lugares
eu sou mais complexo que um poema
não tenho dono nem autor
por isso autorizo-me o tempo todo
a alterações de humor e afeto
com todos os seres humanos
que vivem sob o mesmo meu teto
.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

das criações...

.
"Meu assunto por enquanto é a desordem."
Ferreira Gullar
.


caballa elements by Julio Carvalho
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Parabellum

Si vis pacem, para bellum

a minha alma a guerra interna
os resultados do puro êxtase criativo
e os sonhos
as passagens sobre as coisas
e os estados das pessoas
as varizes das ruas
a estética e os resultados
da memória não se cogita
ela prega peças
a criação é só um ponto de vista
uma bala, um açoite, uma faca
atravessada numa idéia fixa
a lâmina enferruja e cria
e ferrugem vira poesia
.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

dos resultados...

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"Pode a propaganda ser poesia, a propaganda inspirar poesia
ou mesmo poder se vender a poesia-propaganda como resultado?"

Julio Carvalho
.

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da nossa alçada

cada poema feito é uma rua
voltada para cima
a proporção inversa
das coisas vez em sempre
é uma saída

centro da cidade
todo dia é igual
até que uma inspiração
muda tudo
um quase poema ao vivo
entrespelhos na calçada
as luzes e os reflexos
invertido o céu com o chão
céu que é bem vindo em verso

inverso
até o céu vira inspiração
.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

das transcrições...

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"Eu tenho paixão... só me falta mais prática."
Alex de Miranda
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que dia é hoje?
fonte: www.flickr.com/photos/10paezinhos
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um dia só...

um dia, você celebra
um dia, você briga
um dia, vocês gozam juntos
um dia, você toma café sozinho
um dia, você fala a verdade
um dia, você mente
um dia, você descansa
e hoje é dia de quê?
.

sábado, 28 de agosto de 2010

dos desfeitos...

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"O melhor motivo para escrever
é que não existe motivo para escrever."
Julio Carvalho parodiando Keith Haring
.
fast hot powerbrain remix
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descara

se você não integra, você desintegra
se você não conta, você desconta
se você não liga, você desliga
se você não faz, você desfaz
se você não vira, você desvira
se você não monta, você desmonta
se você não encontra, você desencontra

então porque você não descome, desgrita,descai, dessente,desmuda,despula,dessonha,
desperta
pra vida?
.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

das cordas...

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"mas, você diria, nós nos amamos
e partes de nós se amaram
e o resto de nós continua sendo
duas pessoas. Sim,
a poesia termina como uma corda."

Jack Spicer
.

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água

hoje é um seco
uma falta qualquer de amor é um seco e
desidrata
vide todos os
objetos sem nome de amar
esmorece a pele mais rápido sem afeto sem água sem nada recebendo
fica nada para doar
o sustento acaba
envelhecido
e as ruínas
do corpo
exaustas
gritam por suas ordens
de socorro

a poesia termina como uma corda

e sem amor ela se enforca
.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

dos restos...

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"seu suor
vira sofá
cadeira
mesa de centro
ou não vira nada
vale nada
vira vento
a todo momento
alguém vira pó
em todo mundo dá cupim"

Karina Buhr
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the last meal
by nicola constantino
.
résdegente

muito de todo ruim está
nos outros
nos corpos e nos enjôos
pessoa intolerável
que não vale
o pé da mesa
o copo sujo
o ralo da pia do boteco
cheio de resto
descartado
num saco de plástico preto
enorme
jogado no caminhão de lixo
prensado
nem mais nunca usado
o resto que não se recicla
enterrado serve melhor
como só um lixo
inútil
é
.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

das equações...

.
"Toda equação é uma pretensão exigindo um resultado."
Julio Carvalho
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roller
by Aakash Nihalani
.
poemequação
.
técnicamente
a palma da mão
não tem nenhum segredo
e as perspectivas das coisas
dependem dos olhos do futuro de quem vê

o que dizem
das palmas das plantas dos pés por
onde se anda se apóia se preza o físico
onde o peso das coisas e das histórias
é um aqui se faz aqui se apaga
cada passo preço pago
cada abraço e as mãos dadas
durante todo tempo-espaço
faz a sua soma:
em cada encontro seu
um é relativo
.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

das visões...

.
"Nothing is real"
Strawberry Fields Forever - The Beatles
.
closed vesion two
.
em suportável

assim na vértebra
como no cérebro
a força das coisas
reside

toda mente faz de conta
toda mente faz de tonta
os olhos fechados são
a porta para dentro de

outro lado
este lado
de dentro

mente
pensamento
.

sábado, 21 de agosto de 2010

dos cortes...

.
"O texto é naufrágio e é silêncio"
Romério Rômulo
.

.
corte

tudo acima do pescoço
rosto
coisa que nem sempre é fácil
face
cada fio de cabelo
pêlo
outro pensamento surta
nuca
se tudo fica na cabeça
perca
.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

das desordens...

.
“Talvez essa febre de registro da humanidade
se relacione com o desejo de criar um sentido para o mundo,
como um bibliotecário que organiza fichas e põem livros em ordem.
Particularmente, não tenho mais essa necessidade.
Vejo, mas não entesouro nada.
Nesse sentido, é como aceitar a desordem”
João Paulo Cuenca
.
old postered
.
manifesto pelo agora

acho que você tem perfil de professor,
paciente na hora certa...
sabe se impôr também na hora certa...
dá um limite...
e não deixa que ultrapassem
e se entrega de coração ao que gosta...
pronto falei - Aline Oliveira


eu não estou preparado nunca para saber qual meu estilo HOJE
assim como não estou preparado para gostar de alguém HOJE
a questão são todos os HOJE
isso muda um pouco em cada HOJE
que tem um pouco de mim dentro
meu estilo é tão meu
que nem nome tem
às vezes se parece com o HOJE de alguém
se aproxima do estilo de alguém
mas dissolve
mistura com tanta coisa-influência
que eu nem sei mais de quem sou
meu estilo deve ser HOJE

eu não entesouro nada
.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

dos insones...

.
"dias
em que
velhas gavetas
não abrem"

Julio Carvalho
.
night vision
.
4:00 a.m.

a noite
encostada
numa das paredes
do quarto


meio da noite é bem
lá dentro onde a cabeça dói
onde moem os pensamentos
e as raízes das idéias
agarradas aos olhos abertos
enquanto um sono
é ausente
.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

das saladas...

.
"O amor e a escrita coincidem na procura apaixonada,
quase sempre desesperada, da comunicação."

Jorge Duran
.
fruits
.
pomaragora

peramorangoiaba
cajabuticabanana
no meio de tanta fruta
desejo
um único que não morde
não morre
não passa pelos dentes
desejo
não passa
.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

dos telefonemas...

.
"um tempo de areia
que resolve tudo"

Julio Carvalho
.
.

.
tele_fonema

enroscado até o pescoço
na linha do telefone
sem fio
estranhezas que
acontecem
dentro da gravitação doméstica
sobre a mesa
a linha do papel
sempre ocupada
.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

dos azares...

.
"a gente faz o que presta
e o que resta
a gente faz funcionar."

Julio Carvalho
.

.
palavrazar

teve o azar de ser herdado com palavras
ser obrigado a conviver diariamente com elas
seja pela boca ou pela máquina
pela parede, pelo visgo, pelo poema
palavras se transformam de toda forma
servem quando o corpo não explica
grudam, aderem a língua linguagem papel página
a palavra é a cola do significado
o musgo da explicação
.

dos diamantes...

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"(A poesia) Quando ela vem, de um de seus abismos, não respeita a lei.
Nem sei se poesia é literatura. Não faço na hora que eu quero.
Ela nasce do espanto. Não é nenhum milagre.
Não posso determinar: hoje vou fazer poesia. É impossível.
Qualquer coisa pode espantar o poema. O galo cantando no quintal...
O barulho de um osso da perna encostando no outro. Não tem explicação."
Ferreira Gullar
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cadências

quando jovem
com estruturas flexíveis móveis
acontecem espaços
para todas as coisas

as coisas todas juntas

envelhecido
as partes de carbono aquecem
aprendem com rigidez
imóvel

as coisas todas juntas

o diamante sofre
bruto
fica pedra de um anel
solitário
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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

das máquinas...

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"eu escrevo para me livrar da emoção."
T.S.Elliot
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engrenagem

sobre máquinas
e estátuas
e os guardas
e as guerras
artificiais
e os outros
ainda mais cegos
animais
os que podem
os que se perdem
os normais
a vida segue
e independe
do que acontece
nos jornais
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das portas...

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"queria fazer uma poesia
em que a linguagem nascesse com o poema.
a linguagem velha envelhece a coisa nova."

Ferreira Gullar
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outra porta
(a porta revisited)


no momento
em que a porta se fecha
o rompante destampa a possibilidade
há o susto
uma suspeita do lado de lá
a curiosidade que vara o buraco da fechadura
(sorte ou azar ou cara ou coroa)
a chave é um segredo e não mostra

meio que

segundo momento

dois corpos atravessados
ferindo em surda-batida-estanque
sem dó
aindassim
tem porta
o imóvel batente
que faz tempo que não abre
tem outro lado quando
revelado rangido
é muita
ousadia
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terça-feira, 3 de agosto de 2010

dos vínculos...

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"produzindo bioversos recicláveis desde 1965"
Julio Carvalho
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vinculo
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investimentos

André Soltau e Julio Carvalho

tem gente que cria vínculos
eu quero comprar um desvínculo
é caro?
não tem mais no mercado
nem no mercado negro
diria que o desvínculo foi proibido
cativou não tem volta
então eu vou me acostumar
e tratar bem o bicho vínculo
assim ele reproduz e dá algum lucro
ele incomoda você?
tem vínculo que incomoda
sim
sem dúvida
a gente não sabe onde colocar
se fica bem na estante da sala
(quem dera eu pudesse me livrar de alguns)
debaixo da cama
na mesa de centro
(se pudessemos mandar empalhar )
pois é
pelo menos ia melhorar a de
coração
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