domingo, 29 de maio de 2011

das estruturas...

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"A invisibilidade é um meio
para qualquer exercício
público."

Julio Carvalho
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skyline air
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o lago o rio

a água parada
o tempo disparado
a água solta
a língua

o que é dito não se
traduz numa só correnteza
no céu da boca

a saliva
pretende o fluxo
aumentado das palavras

o rio segue
cheio de histórias
entendendo
a linguagem
de qualquer mar
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sábado, 28 de maio de 2011

das ligações...

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i don’t know how to connect, so i disconnect
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Alexander-Johansson-Michael-Cruzz-No-Head
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litotes

I

às vezes
ler é muito complicado
por exemplo:
você lê uma palavra e entende
lê a segunda e a terceira
segue marcando as linhas com os dedos
oito, onze, doze palavras até chegar no ponto final.
então percebe que ler aquilo tudo serviu de nada
o problema é que por mais que você queira uni-las
as palavras seguem soltas
donas delas mesmas

II

em algumas
histórias de amor
há mais que amor:
às vezes
não existe um “eu te amo”
mas eles se amam

La tete en friche - Inspirado & Adaptado
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quarta-feira, 25 de maio de 2011

dos gritos...

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re_burning chair
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eco_ego*
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muita gente pergunta
o que eu procuro nas pessoas.
eu procuro por mim.
o que seria mais confortável
do que gritar dentro das pessoas
e encontrar um eco meu?

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* Texto espontâneo-colaborativo feito com Givago Oliveira e Mike Ikemonster
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terça-feira, 24 de maio de 2011

dos vocabulários

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"ouço a sinfonia dos cães que me aguardam."
Julio Carvalho
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poema voca_bulário
ou estado de solidão

poema vocabulário
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das refeições

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"há coisas de sobra que não se dizem
há coisas que sobram no que se diz
nossa miséria é uma alegria de palavras?"

Psicanálise Caseira - De Tome seu Café e Saia (2001) - Marcos Siscar
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be or die
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palato barato

o poema é um prato
que se come quente
antes que a palavra
esfrie

pode ser servido também
de forma simples
ou seguido de
ilusões

as sobras do poema
não devem ser descartadas -
se não engolidas
devem ser postas
ao lado do prato

juntando os restos
no fim de semana
faz-se um mexidão
prático

no sétimo dia o poeta digere
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segunda-feira, 23 de maio de 2011

dos objetivos...

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"a poesia faço para dizer pecados com letras.
é a única fé que tenho.
a fala muda muito.
palavras escritas não enganam.
poemas são confissões."
Julio Carvalho
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blinked eyes
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we

quando eu sair, não volto
quando eu ficar, não solto
se não me vê, não entende
se não me entende, não prende

eu só presto quando devoro tudo
eu não gosto de deixar resto
quero mais e acima do muro
eu não quero outro ato
faço o possível
se impossível
eu fujo

prefiro a vontade
que o luto
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sábado, 21 de maio de 2011

das marcações...

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"Uma coisa não é forçosamente verdadeira só porque um homem morreu por ela."
Oscar Wilde
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map man
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marcações

nos
percursos possíveis
o que é pertencimento*
o que você reconhece
num extintor de incêndio
sujo
ou num fone de ouvido
mudo*

procure
sentido nos dias de
emergência
encontre
saídas laterais de
urgência

quem é você na identidade virtual*
como é que você se habita na real*
onde é que você pisa*
em que você se esquece*
onde você se aquece*
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*?
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sexta-feira, 20 de maio de 2011

das instruções...

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"Um grande poeta, um poeta que seja realmente extraordinário,
é a menos poética de todas as criaturas.
Contudo, os poetas menores são absolutamente fascinantes.
Quanto mais medíocres são os seus versos, mais pitorescos parecem.
O simples fato de ter publicado um livro de sonetos de segunda ordem
faz de um homem uma pessoa extraordinariamente irresistível.
Ele vive a poesia que não consegue escrever.
Os outros escrevem a poesia que não ousam realizar."

Oscar Wilde em "O Retrato de Dorian Gray"
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sacrismoke
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instruções

quero ser cremado
sem sobrar nada.
nem um sopro
sobre os altares das igrejas.
nem um pouco
sobre os túmulos originais.
quero ser deixado nos lugares
o quanto mais longe e impossíveis que sejam.
não quero ser lembrado
pelo nariz olhos queixo ou corpo
que tive.
quero ser mais simples que o pó que eu deixei
quero ser uma lenda
um foco
um ponto
pronto
quero ser lembrado
só pelo que deixei e senti.
só pelo que deixaram e sentiram
por mim e pelos outros.
quero ser lembrado
pelo amor e letra.
muito simples.
como uma palavra.
como fim.
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quarta-feira, 18 de maio de 2011

dos apartamentos...

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‎" Eu ando sozinho no meio do vale, mas a tarde é minha.
Eu ando sozinho no meio das pedras, mas a flor é minha.
Eu ando sozinho por dentro dos bosques, mas a fonte é minha.
Eu ando sozinho ao longo da noite, mas a estrela, é minha..."

Canção da Tarde no Campo, Cecília Meirelles.
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color dj
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apartotempo

tudo meu
por dentro
ficou só.
de graça.
não tenho barro
não tenho carro e não me dirijo a nada
sobraram os pés
atrás de alguma uma só janela
aberta (duas vezes)
nem uma página do meu jornal diz amanhã
eu leio: sempre.
acabou-se o poder de seguir viagem
sem olhar a sombra sobre meus ombros
estou tonto de tanto ponto cardeal
norte é sul
oeste, não leste:
sem palavras
este caminho eu não posso
eu não quero
pois de mistério
o moderno está cheio.
o que mais me aproveita
é o tempo nesse estado
de um nada manso.
por deus que eu mudo isso
se não,
descanso.
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dos balanços...

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"Só tenho dois olhos e UMA paciência!"
Julio Carvalho
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Balanço
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aos pregos e sonhos
diálogo Givago

sonhei que estava no Parque da Luz
a fotografia do sonho estava tão linda
quero ver suas fotos do sonho no Parque da Luz
tem como tirar fotos de sonho?
em "Sonhando Acordado" do Gondry ele tira
eu sou aquele personagem que dorme o tempo todo
minha vida é trabalhosa
são sempre duas vidas sonhadas
a minha vida real e a minha vida sonhada
então são duas vezes sonho - um pra cada olho?
um olho real e outro que sonha
eu preciso muito sonho pra viver minha vida
e isso cansa
estou sempre flutuando
então sua vida tem o peso dos sonhos
leve leve
acho que a vida tinha que ser “mais legal” pra não precisar sonhar
estou sempre sonhando pra poder me relacionar com as coisas
é porque se relacionar com as coisas "cruas" é muito cruel
mas depois quando você volta pra realidade
tem que domar as coisas
e descobre na verdade que você não estava sem fazer nada
você estava sonhando
a gente sempre doma a realidade com sonho quando pode
e se não dá a gente sofre
porque é quase sempre um balanço de pregos
uma vida ruim de sentar
mas tem dias que nem sonhar é fácil
e aí a gente inventa que sonha
e pronto
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terça-feira, 17 de maio de 2011

dos vazamentos...

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"Um dia pode ser menos chato quando sinto algum desejo."
Julio Carvalho
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cuidado

tudo vaza
à vontade
pelos poros
pelos princípios
pelos pelos
pelo menos
uma vez ao dia

devia existir
algo absorvente
de desejos

daí todos seriam
liberados
exatamente -
tudo nem tanto
inconsequente
como sempre

mas quem controla?

...desejo tem vida própria
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domingo, 15 de maio de 2011

das degustações...

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"...tem um ponto extremo das coisas que precisamos evitar,
nesse estágio tudo é estranho e transborda..."

Givago Oliveira
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bipolar legs
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degusta
palavra
papoula
plátano
planície
palpável
qualquer flor entre os amargos
planos acima dos anos
de sustentação da raiz
robusta entende o sabor na língua
como sólido que restaura
estátua de mármore
estranho cede ao gosto
o lábiolambelimpolambuza
devora
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das atuações...

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"Quero mais nesse instante que é maior que a vida.
Se te amo me respondes?
Quem sou eu? não sei
Quem sou eu? sou
Quem sou eu? nós
Quem sou eu? algum amor, dor, sei lá
Por sobre os ombros, o peso dos desejos.
Por sobre os ombros, a leveza do céu."

Adaptado do filme "O Céu sobre os Ombros" do diretor Sérgio Borges.
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performance

para mim escrever é uma maneira de esquecer a vida.
é um grito na noite, um riso estrangulado.


preciso dessa fibra de aço
para encarar este ato
outro palco
outra marcação
outra peça

acabei reunido
em outro elenco:
uma força de vários eus
necessários
atuam

decoro novos papéis

eu público
preciso
mudo
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sábado, 14 de maio de 2011

das pressões...

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"O que me mantém vivo é o risco iminente da paixão e seus coadjuvantes: amor, ódio, gozo, misericórdia. "
Rubem Fonseca
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alta impressão

andou sumido
feito sombra atrás de pedra grande
mas sem sol eu não vivo
tiro a pedra de você


em mim subiu muito
a pressão 23x18
quase morri
eu vi umas luzes
e a mulher falando: não fecha o olho menino
não tenho medo de morrer
tenho medo da ideia de ficar inválido

se você morrer eu fico sem chão
paro de fazer serão
paro um caminhão
chamo todo mundo de cão
arranho o chão e perco o rumo
sem você na terra eu nem durmo
perco a amizade
qualquer poesia
a alegria
e você no céu dando risada
eu quero ir junto
pra rir da multidão
do povão aqui da terra
e se for no inferno
acho melhor
rir no calor
é mais sua cara

nossa
essa semana eu passei dopado de remédios
muita injeção na veia
engraçado é a forma que você é tratado no hospital
me passaram na frente de uma velhinha de 85 anos
e a enfermeira no meu ouvido
não precisa ficar com vergonha
você é novo ... ainda rende alguma coisa vivo
perder você pela velhinha é prejuízo
e eu solto uma risada
e os dois juntos gargalhamos
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dos bairros...

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‎"O normal em SP é o amor começar no Paraíso e acabar na Consolação,
com ou sem baldeações ao longo do percurso.
Às vezes, porém, ele faz o caminho de volta,
como se o coração não pudesse perder a validade do Bilhete Único
que logo logo expira e não dá tempo nem de voltar para casa."

Xico Sá

espacial

alma móvel I

mudar em são Paulo
gera um pouco de confusão:
minha janela virou o mundo
aqui mais frio
mas com lugares de dentro quentes
(mudei de janela mas não de coração)


alma móvel II

cada coisa casa
causa uma outra coisa


os lugares
são as almas de São Paulo
da Rua Augusta são
as almas augustiantes
ansiosas
fervilhantes
as almas da Avenida São João
pura fogueira
onde morava uma amiga "fogueteira"
da Bela Vista
são as almas mais bacanas
as italianas
em Higienópolis as almas
são limpas
querem ser isoladas
das pessoas “diferenciadas”
da Avenida Paulista
são as almas executivas
engravatadas
entremetrôs de pessoas
lotadas
da Liberdade
são as almas milenares japonesas
milhares
de linguagem desenhada
e olhares apertados

são bairros demais
almas demais
uma cidade inteira
que deveria ser
mais desarmada
menos desalmada
amada
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sexta-feira, 13 de maio de 2011

dos recomeços...

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“por que escrevo?
porque sou
pouca e minima
embora vária.”

Olga Savary. “Comunhão.”
Repertório Selvagem, 1998


backtoz_o
começo incompleto/ meio a meio/ zero. Julio Carvalho

ideia de Adélia

cansei da palavra comum diária
quero a confusão do caos
entre as frases soltas.
qualquer pouca fala
me interessa mais
que a organização ordinária
e burocrática
dos grandes discursos
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