sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

dos entornos...

.
"o poeta me disse
que o silêncio é uma lição valiosa.
que na pressa do mundo não cabe a poesia
& que a natureza tem múltiplos disfarces,
mas um único gesto para a liberdade das aves.
o poeta me disse
que este mundo anda viciado nas próprias sombras.
que a língua dos homens é uma lâmina de ódio
& que da areia que cobre os sentidos
brota uma paisagem arcaica de cactos raivosos.
o poeta me disse
que um dia também cultivou na pressa sua voz,
mas um calendário de vazios o puxou pelos cabelos
& lhe mostrou que nas pedras do caminho
habitavam ensinamentos perdidos.
o poeta me disse
que o ato da paciência evita golpes imprecisos.
que é pela visão que a sabedoria primeiro se achega
& que o peso do voo é mais leve que a pena
que empluma o olho do vidente em seu sonho.
o poeta me ensinou
que na peregrinação há riscos muito maiores,
mas que somente assim é possível aprender o tempo
& voltar-se mais vivo à bagagem de afetos."
lições sobre o silêncio
.

.

metodologia devida:
rola uma preguiça
quando alguma coisa
enguiça

resisto
como cacto
que floresce
em pacto
co’a essência do chão

calor. cai a tarde.
um foco de fogo in loco
e toda a cidade arde

os dedos aflitos
dos galhos do meu sobrenome
buscam o infinito

a incoerência
causa
um nó
na
garganta

vivo em conflito
tentando a calma
mas a minh’alma
busca sempre o agito

"O caos, meu pai dizia, é um menino segurando um balão de ar vermelho em uma chuva de cometas. O caos, dizia a minha mãe, era um exército tomar a sua cozinha e acampar sob a mesa. O caos, descobriria, era o mundo escorrer entre os meus dedos e eu não saber montá-lo. Mas quem acreditaria que o mundo se desfaria?"
Mariel Reis


dai-me
paciência
dai-me
flores
por essas
difíceis
bocas


tempo de irritar
silêncios

(devoro presságios para esquecer do futuro)


a visão é um sentido egoísta
– o tato é um garoto obsceno
desnudo
contemplo os fragmentos dos corpos
e a visão do infinito
como
pele

como
posso
como
possuo


"Há mãos que procuram por gestos. Rostos que marcam cartografias de sentimentos por entre dias e lugares difusos. A vida, um cenário que alterna o estático e o dinâmico, a fuga e a presença das cores. Onde a capacidade de se vislumbrar além dos espaços naturais de alcance imediato? Onde um fôlego de poesia em meio à massa cotidiana de intervenções humanas?"
Fabrício Brandão

eu sou áries
mas tenho
um zodíaco 
de signos luminosos


me espalho
com minha
subjetiva
fluidez

lembre-se das sutilezas
da dança
do 
olhar

fricção
vida sem frio
sem freio
veias abertas do lado
de 
fora

o que dói
nem sempre 
é lido

os pés tem a memória
do chão

absinto em mim
coágulos de outros

retirem a carne deste corpo
que de corpo
sequer corpo é
e exponham ossos
pelas ruas do hoje
onde ninguém sabe
não cabe
sua vontade de ser gente

nesse calor
"não serei vossa sobremesa nesta curta temporada no inferno"
(Roberto Piva)


de bordo
aero
planos
aero
plenos
pulmões

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

dos jogadores...

.
"Do alto vos falo, onde
acrescento azul de muitas cores
ao outro azul que os olhos vossos vêem
quando outra coisa não há no chão que ver.
Do alto me assobio,
vertendo em vós silêncio alçado
por cima dos ventos nos buracos
que a vossa vida minam.
Do alto assumo ser
preso ao chão que me solta
e estar como um farol assinalando
a possível e vera liberdade."
Discurso do papagaio de papel
Pedro Tamen
.

























#fail

nem
mete
ouro

nem
sobre
vento


nos últimos anos escrevendo poemas
uma das coisas que descobri
é que em geral as coisas são feitas
para preencher vazios
/
olhos
/
o impulso de preencher esses vazios com
arte/poesia
é
fundamental
meus poemas costumam começar
de algum lugar sem luz
nós precisamos começar sem luz
para
encontrá-la
a
palavra

amor não é fogo 
que arde sem se ver
é azia mesmo


“Eu vim para dentro e sentei-me como se fosse uma palavra
cansada. Alguma coisa trazida na palavra para dentro”
Daniel Faria

pqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpqpq?
pq sim!

é assim que tudo começa 
como uma dança 
um não palco
não tem iluminação 
nem nada
é tudo só por dentro
afinando
afiando um punhal
sem nome
a decomposição aguda
de um coração ausente
é preciso uma dose imensa de força pra suportar
durante a peça
no escuro
o amor
quando
acende
sua
luz

o Mundo no meu escuro



" Romantismo tem nos atrapalhado muito; é uma filosofia incômoda. Tem feito a maioria de nossas experiências no casamento parecer desencorajadoras e exceções à regra. Nós acabamos solitários e convencidos que nossa união, com suas imperfeições, não é normal. Nós devemos aprender a nos sentir mais confortáveis com a "imperfeição", lutando sempre para adotar uma perspectiva mais tolerante, humorada, e doce sobre seus inúmeros exemplos em nós e em nossos companheiros."
Alain de Botton em artigo publicado pelo New York Times, autor do livro "The course of love"











de bordo
aero
planos
aero
plenos
pulmões


temos que lidar com um gama enorme de problemas quando tentamos nos aproximar das pessoas
parecemos normais apenas para aqueles que não nos conhecem bem.
numa sociedade mais sábia, mais consciente que a nossa, uma pergunta padrão num primeiro jantar poderia ser
/
"E quais são suas loucuras?"
/
um dos benefícios de viver sozinho é ter a sincera impressão de que somos pessoas muito fáceis de conviver.
grande engano...
convivendo aparecem defeitos, devaneios e nós feitos e desfeitos a duras penas ao passar dos dias.
e ainda existem pessoas que se dizem auto-suficientes e que não querem se relacionar porque estão bem sozinhas.
e prendem o que?
na solidão só se aprende o estar sozinho. que não é ruim. mas não deve ser algo extremo. duro. interno. acomodado.
o aprendizado requer o outro. senão não existiriam professores. livros sozinhos não suspiram. não olham. não discutem. não revogam opiniões. não criam polêmicas e olhares de ódio ou alento. a solidão é coisa boa. mas não alimenta a alma. a dois, quando se aprende alguma coisa, fica interno e extremamente eterno.













DESATO
insistir onde não lhe cabe
sem esforço
o infinito
lhe sorri
e se abre
/
insistir é como tentar abrir a porta com as chaves erradas
/
ou bater na porta de uma casa vazia até sangrarem as mãos
você só não pode desistir de você
covardia é a tortura
de quem nunca lhe dará a chance
de ser
coragem é sair da zona de conforto
aparente paradoxo:
às vezes o lugar que nos dão é miseravelmente confortável
teremos medo
até de sermos menos
em outro vínculo
diante dos nossos sonhos em outro
lugar
as rotas mudam
/
dunas de um deserto
/
devem mesmo mudar
liberte-se
dos que precisam fazer de sua dor
um circo
perceber quando não se trata de sua morada
tempo
tribo
talvez se trate da sua gaiola
cair em si:
o destino é sábio
e tenta nos poupar
cair do alto dessa prisão
outro estranho no ninho
não é preciso
pássaro ferido
entre ovos de crocodilo
desavisado
da sina de ser devorado pelos monstros que habitam os corações
antigos
habitados pelas
velhas fórmulas
nem toda história do mundo
afasta as pessoas
de serem o que são
de tanto querer agradar
perderá a graça
e ser você passa a nada
não passe a vida perguntando
se o problema está com você
e se sente necessidade
que outros lhe aceitem
por um conceito
distorcido de amor
é sinal que vem se amando pouco
ou quase nada
ou quase inútil
olhos para quem quer ver
ouvidos para quem quer ouvir
recolha os cacos de ingenuidade
e construa força
tire os sapatos apertados
e deixe-os por aí
flores nascerão na sola dos seus pés
onde havia agonia
ande descalço do mundo
para sentir o chão
tudo que parecia sufocar
andará transbordado
costurado de antigas prisões
voltará a caber em si
agora sem amarras
onde estiver
florescerá inspiração aos outros
camisa de força
é insistir no convencimento
ou na conversão alheia
não julgue
e realize o tempo
hábil para viver o belo
todas as muralhas cairão
ou por nossas mãos
ou pelas do tempo
mas sempre se trata de nós
entre nós
e todo
e qualquer
obstáculo

acordei
esclerousado

era rascunho e agora passou a limpo

calor
e nesse calor
sensação de tijolos cinzas das nuvens
prestes a desabar
a ideia da chuva
num momento de verão
é um milagre
uma guinada de nuvens
pluma-e-bem-estar
num ar quente
vitimado
refrescado
ao-vir-abaixo
até não mais
chover

esse calor que fez hoje me faz pensar tão mal

os ventos invisíveis
causam tempestades
as pessoas visíveis
causam tempestades
quando ambos 
abrandados
a Terra sofre
com os estragos

estou entre o que o vento anuncia
e o que a tempestade destrói

a cabeça
uma fogueira
perturbada
por um vento pouco
uma coisa que passa
mas não é alento
uns punhados em branco
incinerados
acidentados
até as cinzas
jogadas á toa
contra puro fundo negro
e no entanto
não há fogo
e nos meus olhos
jamais terá

seria fácil
se não fosse
impossível
improvável
insus
tentável
/
irrespondível
inescalável
intrínseco
invicto
intacto
incerto
inseto


não tem sentido
insistir em pequenas palavras
muro de uma pedra só
peito de uma pedra só
um tijolo só
tanto quanto tudo isso
prefiro paredes inteiras
construídas de frases
e de personalidade
intacta



a mesmice da esfinge
com sua sempre igual pergunta
me parece com certas pessoas
e seus diálogos
frequentes

a. no ponto antes do encontro
sentimos nossas sombras
se cruzarem
b. (no ponto do encontro
onde nossas sombras
se cruzam)

calor
consumindo o corpo
na fala clara
do 
desejo
que pulsa sobre a pele
ateando
um breve milagre
de
fogo


poesia no calor derrete
/
na preguiça
lentamente
mergulho o dedo na palavra
de onde escapa
um
poema







"To be creative is a great act of rebellion."
Symbolic Living


prefiro os tipos blasé ou low profiles. simples. flâneurs tbm são bem-vindos.

farsa você mesmo
Denilson Mendes

eu não sou só o que como ou visto , eu sou o que requeiro , recruto , leio , penso . sou o que ninguém vê


quem
me cabe
dentro
dos meus
segredos?


algumas vezes
a gente tem que tomar a palavra do outro
mesmo que não seja a palavra certa




sábado, 11 de fevereiro de 2017

dos desalinhos...

.
"um poema é uma pessoa nua."
Bob Dylan
.






nas artes a perfeição tão logo aparece
se torna um clássico
não que o artista queira deliberadamente entrar para história
antes
percebo uma paixão pela forma e pela criação que o invade 
vicejando por toda sua vida

"Amor, sem dúvida, e a ambição, assim como a sede do lucro, povoam poderosamente uma vida. Mas a existência de um objetivo positivo, a certeza de estar próximo ou distante, de ter alcançado ou não, que tal objetivo comporta, faz dessas paixões paixões finitas. Inversamente, o desejo de criar alguma obra em que apareça mais potência ou perfeição do que encontramos em nós mesmos afasta definitivamente de nós esse objeto, que escapa e se opõe a cada um de nossos instantes. Cada um de nossos progressos o embeleza e o afasta.
...
Não há nada mais admirável do que a virtude e a paixão de Baucher, dedicado ao cavalo, louco por equitação e adestramento, até o minuto de sua morte, mais bela do que a de Sócrates, quando usa seu derradeiro suspiro para dar um último conselho a seu discípulo favorito: 'a rédea é tão bonita'... e, pegando sua mão, ensinando-o a posicioná-la como achava que se devia fazer: 'fico feliz', diz, 'de lhe dar mais isto antes de morrer'."
Valery


"Certo dia, Tokusan estava sentado do lado de fora da casa, tentando penetrar o mistério do Zen. Ryutan perguntou: 'por que não entrais?' Replicou Tokusan: 'está muito escuro'. Ryutan acendeu a vela e apresentou-a a Tokusan. Quando ele estava quase alcançando a vela, Ryutan soprou a luz, de repente. Naquele instante abriu-se a mente de Tokusan." 
D. T. Suzuki

"Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. 'Preciso de outros cinco anos', disse Chuang-Tsê. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que jamais se viu" 
 Italo Calvino

"Como disse o cardeal Newman: 'num mundo mais elevado, é diferente, mas aqui embaixo viver é mudar, e ser perfeito é ter mudado várias vezes'.
E o que entendo pela palavra 'perfeição'? Não tentarei explicar, mas apenas dizer: a perfeição me faz rir. Não de modo sarcástico, apresso-me em acrescentar. Com alegria" 

 Susan Sontag



"reinvenção é crescimento pessoal”
Paula Scher

o mau humor
com dor
e a tempestade 
do amor
enquanto
mal me quer
mal me dói 
bem me quer
já se foi...




perdi-me do meu corpo
por ti
teu cheiro estampado
acre
no meu rosto

virou-me outro corpo
depois de ter-te
invadido
este é o meu corpo
mas não mais eu

"da perda. e de uma tal perda
que saqueia a mente – até a perda
da mente. começar com essa ideia: sem rima
ou solução. então simplesmente esperar. como se a primeira palavra
só viesse depois da última, depois de uma vida
à espera da palavra
que se perdeu. dizer nada além
da verdade da coisa: os homens morrem, a palavra falha, as palavras
não têm sentido. e portanto pedir
apenas palavras.
muro de pedra. peito de pedra. carne e sangue.
tanto quanto isso.
mais."
Paul Auster


as armas de amor
nas camas de armar

que eu me sustente
antes de partir

"Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles

como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
subitamente y quebrarse."
Antonio Machado. "Proverbios y cantares I"

acordei assustado 
com os olhos 
de ontem

se não me engano
não te amo
não te amo
pelas diferenças
mesmo que as pontas dos meus dedos tenham dito muito
não te amo mesmo
que seu orgasmo
tenha sido pouco
entre nenhum beijo
nem nada de muito
não te amo
pela roupa lavada
pela volta nas escadas
e os jantares juntos
e vinhos
e sua falta de entendimento
sobre pelos e barba
não te amo
pelas palavras
(mais os gestos)
pequenos carinhos
escapados no escuro
não te amo
pelo desejo puro e simples
do teu corpo
do teu copo sobre a mesa
meio cheio de vinho
pelos corpos na cama
meio cheios de gozo
não te amo
pelo curto espaço de tempo
onde desconfio
mas tive suas verdades
escancaradas na distância
que mantenho fora
não te amo
mas tenho medo
mesmo sem amor
de te perder
agora

...a experiência do verbo
descendo do olho
para a boca
- uma distância curta.

"sentir-se alheado da linguagem é perder o próprio corpo.
quando as palavras falham, você se dissolve numa imagem do nada.
você some."
Paul Auster

"fé no mundo é o que chamo de Clássico.
dúvida no mundo é o que chamo de Romântico.
o Classicista acredita no futuro.
o Romântico sabe que vai se decepcionar, que seua sonhos jamais se realizarão.
pois ele acredita que o mundo é inefável, além do alcance das palavras."
Paul Auster

pessoas macias
sempre
algo
dão

"o olho vê o mundo em fluxo.
a palavra é uma tentativa de deter o fluxo, de estabilizá-lo.
e no entanto persistimos em tentar traduzir a experiência em linguagem.
daí a poesia, daí os enunciados da vida cotidiana.
essa é a fé que evita o desespero universal - e também o provoca."
Paul Auster


- prefiro uma coca cola
do que um cala boca

tapumes
impunes

...e quando ele escreve 
ele solta poemas 
imprevisíveis

o mundo numa cabeça 
o mundo numa gaveta
de
vento

não quero a vida igual a dívida
nem a palavra
dividida
nem nada que gere
dúvida
às vezes volta a dor
ela vive no silêncio 
que vive antes da
palavra

o que sacia seu desejo
à noite
pode ser sua presa
em seu espelho-auto-falante
se escondem vontades
um olho e depois mais um
até ser a caça
a palavra
e o desejo
diluído
morre

infinitamente 
SE
fosse verdade 
eu teria seguido
contigo

e o que resta na borda
do olho
é o invisível
no olho de alguém
que

falta
procuro
a cidade que resta
do outro lado
do
olho
o calor
mantém a promessa
da
luz
que
resta

e o que ele respira
é o tempo
embora saiba
que resista

tento:
não me estresso
não me enraiveço
com o ploriplurear 
das coisas

maravolhoso = maravilhas de olhar

pergunte
ao
poeta:

"Antes de sermos esquecidos, seremos transformados em kitsch. 
O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento."
Kundera

quando 
eu me sinto
um estranho
com
asas

T Η Ξ T I C

o voo
começa
no pescoço



 "Ouvi por aí:
Se a vida te der uma limonada, faça um limão. 
A vida vai ficar bem confusa."
Cláudia Barral