sexta-feira, 28 de novembro de 2014

das dispersões,,,

.
"não mente sempre a arte?
e não é
quando mente mais
que ela se revela mais criativa?"
Konstantino Kaváfis
.




































me beija
sem muita conversa
porque
o amor em
São Paulo
tem pressa
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penso medir
tudo
com alguns
passos
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sou devoto do espanto
o susto é o meu idioma
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permanência
objeto ficante
permanência
objeto invisível
como
ter alma para pedra
metal
água e planta
e todos os lugares
elevados
à
soma infinita
de meus impossíveis
desejos
.....................................................................

basta friccionar nada

a gafe de comer
sem garfo e faca
no pescoço
é lenço amordaçado
de fome
o prato
resolvido
devolvido
sem nada
quando o nada
é que foi
engolido
garganta abaixo
desce
a vergonha:
carne crua
de fantasmas
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vicie, cante, conte, coma,
devore e ache um canto
e crave a letra na mão de ferro feito forja
use até a corja se possível
e o sumo
sacerdote
dote de palavras
e pronto
poesia
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a lâmina
nasce do inominável agir
do ímpeto
do deslocar-se de si
desastrar
destratar
do fio
desdobrar
do corte
desobrar
interrupção estilhaços tensões
subtrações de si
da lâmina ávida de vazios
onde sequer exista espaço
para introduzir a questão
da lâmina disjuntiva feroz aguda
jugular
despida rápida
do avesso do avesso do avesso
da bainha
intrépida fugaz
“Seja bala, relógio,
ou a lâmina colérica,
é contudo uma ausência
o que esse homem leva”
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eu me proponho a cismar
sobre o que seria a Arte
depois de uma certa conversa:
seriam algumas datas
e linhas e outras incertas
lembranças
mas que a tudo me afeiçoo
quase imperceptivelmente
unindo as impressões
sensações e desejos
e mais alguns imprevistos
de amores incompletos
e a Ela me entrego
em forma de poesia
até completar a vida
unindo os dias

Adaptado de
"O que eu trouxe à arte"
de Konstantino Kaváfis
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a mentira
é a verdade
velha
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CRIAÇÃO

PASMEM
NO
ESFORSUFOCO
DAS
BORBOLETRAS
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meu luto
não é por quem morreu
meu luto é
pelos vivos
que estão mortos
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toco poros
amarras
praias eu toco
teclas de nervos
molas
peles que me tocam
cicatrizes e cinzas
típicos ventres
e gentes e vermes
toco
solos soltos
ressacas
estertores
toco e mais toco
e nada
fileiras de ausências
inconsistentes
corpos
que tu
que o que
que flautas
que faltas
que abismos
que máscaras
que solidões ocas
que se calem as bocas
que sim que não
que sina que me abandona o toque
que reflexos
que complexos
que fundos
que materiais brutos
que bruxos
que chaves
que ingredientes noturnos
portas fechadas que não abrem
que nada toco
em tudo

Adaptado de Tropos
Olivério Girondo
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todo sono sonho
e todo espectro aposto
nem o mar mais comigo
vaza
nem ser um e o outro
e sigo e me sigo
persigo o que vou
o mais longe
o mais longe que posso
saído de dentro de mim
um vértice de galáxias
de sêmen de mistério
e no mais a chuva
enquanto se abrem as portas
e os pulsos
e os poros
raramor
acontece
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quase dormindo
na entressafra
do sonho
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o amor deve ser impossível para nos despojar de certas defesas, 
de valores que não nos falam nada, 
pois o teste impossível exige nossa exposição, 
uma experiencia de solidão no qual nossa mascara é inútil e,
então, conseguimos alçar o voo de uma individualidade 
que ultrapassa o lugar esmagador de nossa pessoa. 
neste lugar peculiar os deuses se manifestam, 
pois eles se revelam apenas nestes momentos impossíveis,
solitários. 
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é difícil é ser feliz
sem ralar os joelhos
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A poesia é um beijo prolonguíssimo 
A poesia são licores estranhos 
A poesia é o balbuciar de gente que acabou de nascer 
A poesia são páginas radioativas 
A poesia é a arte de Kandisnsky 
A poesia são estupros coletivos 
A poesia é uma disciplina samurai 
A poesia são meus cabelos brancos 
A poesia é minha orientação sexual
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é difícil dar nó em pingo d'água, 
olho de água e cachoeira, 
água é mole a vida inteira 
nunca vai se amarrar.
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sábado, 15 de novembro de 2014

das incursões...

.
"ali chega o poeta
e depois regressa à luz com seus cantos
e os dispersa

desta poesia
me sobra
aquele nada
de inesgotável segredo"

Giuseppe Ungaretti . A alegria. 
.

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tudo depende
quando tudo é pêndulo
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e agora
sem amor
eu trabalho com
impossibilidades?
está junto à minha carne
a raiz das impossibilidades
e por isso faço o que eu
quero com o que eu temo
e o fim da tarde me diz 
que tenho um encontro
com o que me resta
da vida
lá fora
a vida
se tornou
uma inalação
de impossibilidades
e a expiação
de carícias
abandonadas
retomo
as
como
se possuísse
uma distância
líquida
entre os olhos
tudo
por sobre
a carne
aberta
na terra
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queda

nem sei
quantos degraus eram
fui cair no último
justo aquele que não vi
torci meu pé
porque
meus olhos distorcem
tudo
o tempo todo
preciso vigiar
as coisas que me furtam
a calçada
a luz dos carros
a noite imensa
e o dia ofusca
não permitem
fuga ou invasão
vem o sono
e de olhos fechados
ninguém sabe
que quando
meus olhos abrem
ainda é sonho
arestas, pensamentos
e os cuidados com
as escadas
infinitamente
com veneno
deslizam
entre a luz
e as coisas
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o retrato falado
de tanto ser
procurado
ficou calado
não adianta
tapar os olhos
com a peneira
a primeira impressão
a laser
ou jato de tinta
por pior que seja
é a que fica
a correção
está a um pincel
dos seus olhos
os passos
são as linhas
dos adeuses
o mundo parou
mas os passos
continuaram
os adeuses
são aquelas coisas
que não voltam
o tempo todo
o tempo todo
o tempo todo
é uma tatuagem
acima do pescoço
não se trata de um rosto
adeus
é a palavra
último
encosto
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calmaria

cansado de ser julgado
ele se mudou
pro país da poesia
onde a palavra
simples e tranquila
o aceita
e vira
poema
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tempos em que já não dá pra duvidar
que alguma coisa vai acontecer...
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a melancolia
debruça-se
sobre mim
como quem 
abre as janelas
de um brechó
talvez eu queira chorar
até onde não existam
lágrimas
um mero subproduto
de sentimento
como esse pó
sobre esses
objetos
antigos
que o tempo
vai esfarelando
sobre todas as coisas
religiosamente
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tudo depende dos homens
da firmeza com que lutam
pelos seus amores
da simplicidade que colocam
em suas ações
do respeito que tem
uns pelos outros 
depende da luxúria
e da vastidão
das suas palavras
alguns tem um gosto
elevado para o não
outros preferem o chão
porque querem raízes
e deixam sementes
outros tem um gosto
elevado para o sim
e projetam as mesmas
sementes
são pessoas dentes-de-leão
flutuantes
semeando
coisas boas
(até as ruins)
que mesmo 
assim
florescem
fosse assim
com minhas
palavras
que
semeassem
no chão
e no vento
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discurso sobre as meias verdades

a água é que faz crescer
novas coisas na terra
é preciso
que a verdade
esteja desenhada
em sua forma
perfeita
para existir um significado
nela
as suas metades
são angustiantes
e sobram
trajetos
a maioria são mal desenhadas
apenas rascunhos 
rabiscos
há um sem número
de metades
verdades atrasadíssimas
que as pessoas conhecen
há muito pouco tempo
é a ausência de verdades
que deixa o fim com ar
oblíquo
e o número delas
meias
é imenso
inumeráveis tolices
tolices que não somam
não subtraem
não dividem
não multiplicam
meias verdades não engendram
cortam o olho
o rosto
o corpo inteiro
cortam
dividem
não enxergam
são míopes
dolorosamente
cacos 
projetos de bestiário
são uma piada 
para alguém
que não necessita de nada
para rir
só esses
se contentam
com metades
meias verdades
são o advérbio do medo
para as verdades
inteiras
basta completar
os espaços
vazios
a verdade inteira
como metáfora
da água:
fora dela
não há vida
.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

dos perpétuos...

.
"a maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
nesse ponto
sou abastado.
palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
perdoai. mas eu
preciso ser Outros."
Manoel de Barros
.




















moto perpétuo

o amor ama o que é difícil
quando você se sentir vazio
abra seu coração 
e deixe que o tempo o complete
dentro
o amor aqui
é o fogo ardente
e o amor ardente é fogo
sempre
não se enterra o amor
enterram-se os corpos
mas nunca os seus desejos
nesse caminho do amor
cada um escolhe uma direção
diferente e regras diferentes 
para transgredir
aí então
com o tempo suspenso
não há princípio nem fim
apenas voos infinitos
e eis que com o tempo
toda a curiosidade
e todo desejo desaparecem
e uma corda é amarrada 
no pescoço de cada ser
apaixonado
e assim aprisionados
mesmo que enxerguem um
na verdade são muitos
os apanhados
cada ser que se apaixona
está preso em sua ilusão
e o coração pulsa
a dor constante
do grande espanto
aqui você não ousa olhar
não ousa respirar
espadas afiadas de amor
acontecem 
até onde o amor 
precisa ser fênix
renascer
voltar a voar
plantar folhas secas
em sua volta
abrir as asas para atiçar
uma nova fogueira
e das cinzas 
extrair a fumaça
do desejo
voar e voar
até o coração
ficar quieto e sereno
e voltar a guardar os seus
mistérios

baseado no livro 
A Conferência dos Pássaros - Peter Sís 
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reflexo

uma vida cheia de nada
pessoas como espectros
a única forma de sobreviver
voando com as asas cortadas
e olhos mal arranjados
lançar mão da loucura
porque o excesso de lucidez
é um algo que me mata
o que não vejo de longe
de perto é o que me basta
assim protegido de tudo
entendo o espelho poético
onde escondo meus olhos
dessa realidade patética
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começa
o amor
e suas
ociosidades
patéticas
incontroláveis
então vem o poeta
que depois regressa 
aos seus quatro cantos
com sua luz
e a dispersa
- enfim
acredita
nas coisas
findas- 
e que em quatro letras
bem cabe a vida


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pedro
pede
que a poesia
ande
poesia
não anda
nem a cavalo
nem sobre rodas
poesia pedro
vem de pássaro
e vai de flecha
direto
te acerta
derruba
e não
nos
separa

.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

do incontrolável...

.
"o amor é
essa escolha pousada na carne
essa dúvida
entre pele
tolerância
e gozo"

Julio Carvalho

.











amor
ociosidades
patéticas
incontroláveis

mas você atravessa os sinais

sem olhar

solitário
por
um
fio
sonhado
ao acaso

um sinal inesperado

aí descobrimos umas coisas
por exemplo
que o amor parece “surgido”
e não desenhado
é como se
com uma folha de papel
ele filtrasse ideias que passam distraídas ao lado
o amor levanta a folha 
e a ideia se revela lentamente através dele
o que explica a sua invisibilidade 
estamos focando um pouco além dele
na ideia que se move do outro lado
no outro lado do outro
dessa maneira
o amor consegue uma coleção de revelações

e, de fato, cada página do amor é uma janela 
– que faz companhia a outras janelas
inesperadas
dos outros
dos outros

essas janelas do amor são autônomas
pois se organizam e se reordenam 
e se afastam como bem entendem
 o que mais ou menos nos iguala a elas
o que, afinal, poderia nos igualar a ideias que passam fugidias
que se inventam e se revelam muito suavemente
o amor é discreto
 e acabamos descobrindo no meio do caminho que
apesar de a viagem ser solitária, não estamos sozinhos.

tudo isso raramente parece  claro e talvez o seja 
exatamente por ser invisível e pela maneira com que se revela a cada pessoa
o amor consegue isto: o paradoxo de construir sentidos 
com metáforas absurdas e nos apontar um caminho inequívoco 
que se bifurca em um labirinto transparente.

aprendemos também com ele que, 
para saber as horas, basta olhar no espelho
o amor desenha com uma borracha
porque seus desenhos são invisíveis
não porque não sejam visíveis para o olho humano
mas porque transparecem e permitem perceber o espaço 
e a paz que flutua embaixo dele
ou, dito de outra maneira: 
o amor consegue concretar o ar no papel quando é poesia
a honestidade não pode ser fingida 
e menos ainda em um poema
por isso ouso dizer que alguns poemas também são invisíveis 
porque revelam uma pessoa que não esconde seus sentimentos. 

suas páginas do amor é comum 
se encontrar com telescópios, lanternas, faróis e janelas.
mas ma maioria das vezes 
um incêndio branco 
estala no centro do corpo 
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