quinta-feira, 31 de julho de 2014

das projeções...

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"Correr atrás de sonhos 
faz de mim um sonâmbulo."
Gri Lo


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o sexo contém tudo: corpos, almas,
sentidos, provas, purezas, delicadezas, resultados,
indelicadezas, avisos, cantos, ordens, o leite seminal, desordens.
todas as esperanças, todos os benefícios, todas as dádivas,
paixões, amores, encantos, horrores, gozos da terra, todos os deuses,
juízes, governos, pessoas no mundo e seus seguidores.
tudo está contido no sexo como parte dele ou como sua razão de ser.
o amor? 
é só a causa. 
ou a conclusão de tudo isso.

Walt Whitman (adaptado)

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escrever poemas é a única forma de eu chegar até as pessoas. 
elas regressam quando me leem.
a poesia sempre traz alguém, alguma coisa ou algo de volta
seja uma coisa boa ou mesmo uma coisa ruim. 
na volta é que se decide se o poema cumpriu ou não sua missão.
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entre o que eu digo e o que eu faço, fico com o que eu leio.
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quarta-feira, 30 de julho de 2014

dos arnaldos...

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"A poesia escrita é capaz de transportar o leitor 
para uma dimensão do ser inteiramente diferente da dimensão cotidiana 
– pragmática, utilitária, instrumental – em que todo o mundo passa a maior parte da vida. 
Trata-se da dimensão poética do ser. 
Para que a poesia escrita seja capaz disso, entretanto, 
cada poema deve ser lido comme il faut. 
Não se lê um poema como se lê um artigo de jornal, um e-mail, uma postagem do Facebook. 
Para fruir-se plenamente um poema, deve-se mergulhar nele, e isso exige tempo. 
Ora, como tal dispêndio gratuito de tempo entra em choque 
com as exigências da dimensão instrumental da vida contemporânea, 
muitos afirmam que a poesia tornou-se obsoleta em nosso mundo. 
Penso que, ao contrário, o valor da poesia é ainda hoje imenso exatamente porque,
ao provisoriamente preterir a dimensão instrumental 
em proveito da dimensão poética do ser, ela enriquece imensamente a vida humana."
Antônio Cícero
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#drama

eu vou pegar aquele trem
não tente me impedir, #drama
faz tempo que você me tem
agora eu quero ir
eu quero expor meu norte ao vento leste oeste
sul, sem você #drama
sua bênção pra mim
você já teve o seu refém
você já teve a mim, #drama
vou me perder, vou ser ninguém
muito além do jardim
por quanto ainda isso a gente da sua laia
invulnerável
você vai me querer?
sua bênção pra mim
até mais ver, adeus amém
agora eu vou partir, #drama
sem medo, sem lamento, sem porém
não tente me impedir
eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz, 
algo, alguém, seja
feliz outra vez
sua bênção pra mim
sem #drama

Versão de mamma de Gilberto Gil
por Julio Carvalho

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Outro Azul

ouve, só se ouve ouvir
o mar só se ouve quem
de longe lá de onde vem a praia
o mar daqui se ouve bem
de dentro ecoa a água
que deságua no azul vazio
serpente, serpenteia o rio
a maré é que mareia o mar
percorre corre em minha veia
a correnteza o coração bombeia
o mar onde quem navega e lava
o pensamento leva
o corpo todo como um barco
um rio que não tem beira
um remo que não tem eira
por um fio abismo cachoeira
onde deságua se não tem lugar
e não tem margem só o olho d'água
brota espelho molha o azul do céu
ouve, só se ouve ouvir
o mar só se ouve quem
de longe lá de onde vem a praia
o mar daqui se ouve bem
de dentro ecoa a água
que deságua no azul vazio
serpente, serpenteia o rio
a maré é que mareia o mar
percorre corre em minha veia
a correnteza o coração bombeia
o mar navega e lava
o pensamento leva
o corpo todo como um barco
um rio que não tem beira
um remo que não tem eira
por um fio abismo cachoeira
onde deságua se não tem lugar
e não tem margem só o olho d'água
brota espelho molha o azul do céu
o olho d'água
brota espelho molha o azul do céu
até que o barco pare de remar

Adaptado de Azul Vazio - Arnaldo Antunes

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terça-feira, 29 de julho de 2014

das desordens...

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"a ordem do mundo 
pressupõe a desordem do olhar"
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grace jones & keith haring






























eu não sei o que é poesia 
eu não sei o que é bom ou não 
eu passeio
eu flano
a minha matéria é doutora em levitar
eu não quero nada em particular 
eu não sei exatamente como tudo começou 
há coisas que me intrigam e me perturbam 
para que algo se ative
é preciso que seja enigmático 
e difícil também
se não
não me interessa
não me comove 
nem me excita
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é que eu sou um grande curioso
mas só no que diz respeito às coisas curiosas
e com algum humor ácido
além do mais se a poesia me agrada tanto
é talvez porque ela explora 
todos os territórios da palavra 
de maneira notável:
letra, linha e rima
ela é um faz-tudo admirável
um algo profano profundo
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gostar de nada é virtude de poucos 
porque quando se gosta de tudo 
cai-se na vulgaridade
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"eu não sei o que é poesia 
mas eu sei que sou poeta 
às vezes não entendo 
a diferença que isso faz na minha vida 
mas eu sei a diferença que um bom poema faz 
ontem mesmo eu era um poeta-pedra
hoje sou uma pedra calada inacabada 
sendo lapidada
esperando o sopro do vento e mais nada
eu sou um poeta que tem o vento
como resposta
mesmo que esta seja silenciada"
                                          Fernando Schubach
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sábado, 26 de julho de 2014

dos ceticismos...

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"a palavra lixo
cruzou em mim
lixo humano
lixo de arte
lixo de cidade
lixo de visão
não ver 
me fez rever o lixo
agora o podre
já vem antes
do meu olhar"


Julio Carvalho

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a crítica é necessária
mas às vezes vira doença
acabamos criticando tudo de forma exagerada.
até que isso vira parte da nossa personalidade
e então viramos seres cínicos
e aí sim a coisa fica bem divertida
o cinismo é a crítica em tom refinado
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não gosto de respostas
elas encerram toda dúvida
e eu como cético
ainda acabo criando milhões de resistências
resisto às verdades como resisto ao que é fixo
o imóvel, o parado, o irremovível
são coisas que me incomodam
por isso prefiro sempre as perguntas
podem se mudar
mudar de lugar
mudar de ares
serem trocadas
reinterpretadas e renovadas
prefiro interrogações móveis aos pontos finais
um ponto final no fim de uma resposta
é o fim do movimento de uma ideia
o pensamento em si já é uma pergunta móvel
uma resposta é o fim de uma ideia morta
e uma ideia morta é um ponto final

imóvel
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sexta-feira, 25 de julho de 2014

dos espectadores...

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"acontece com frequência que as verdadeiras tragédias da vida
se produzem de maneira tão pouco estética,
que elas nos ferem por sua violência grosseira,
sua incoerência absoluta, sua absurda falta de significação,
sua total falta de estilo.
elas nos afetam exatamente como nos afeta a vulgaridade.
elas nos dão a impressão de que não passam de uma força brutal
e é contra elas que nos revoltamos.
então nos damos conta imediatamente 

que não somos mais os atores da peça mas seus espectadores.
ou melhor, que somos um e outro."


Adaptado de Oscar Wilde in "O Retrato de Dorian Gray"
..























no
meu entender
o ser humano
tem três saídas
para enfrentar
o trágico da existência:
o sonho,
a poesia
e o riso

é como
se o tempo se vestisse
para passar por nós
inadvertidamente
escapando por entre os ventos
como essas coisas
alheias
que ninguém adivinha
esses objetos estranhos
que chamamos de realidade
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terça-feira, 22 de julho de 2014

dos armares...

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na pedra da alma
gravo a cifra
do que sinto:
sou a um só tempo
o alvo
o caçador
e o arco tenso,
estendido."


Hieróglifo - Micheliny Verunschk
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grafite

as portas fechadas em azul
do fundo do antigo armário
do fundo da sala
em branco
é a poesia nas suas mãos
sem dedos
não toca
não surra
é azul em alto mar
espuma na areia
mera miragem
de marinheiro
no meio da viagem
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dos eclipses...

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"a memória é um pedaço do tempo
que gruda na gente e não solta mais"

Julio Carvalho

..























ora foi outro dia
que o amigo eclipsou-se
a data digam a data
essa data por favor
qual data foi por decreto
que ele se eclipsou
alguma coisa aconteceu
um dois três e pronto é a noite
que nem a lua apareça
seja de que lado for
fico aqui olhando de fora
espero segurando logo
porque ele é esperto bem que eu sei
outros cairiam ao mar
com cabeça pernas e tudo
quanto a mim estou tentando a calma
apenas tentando entender
tradução? rotina? estilo?
onde é que está errado?
ou é o certo abandonado?
certeza amigos fazem falta
tudo fora do seu lugar
será um desaparafuso terrível?
pena
que minha calma não me alcança
mas me confesso
mais preocupado
que curioso
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eu deveria escrever um poema aqui
mas eu sei que você não gostaria
seria um poema sem nenhum drama
porque sei que você não gosta
seria um poema sem reclamações
porque sei que você ouve muito as minhas
seria um poema com hora marcada
porque sei que você não gosta de atrasos
seria um poema sem saudades
porque não sei se saberia sentir sua falta
seria um poema simples assim
como você
simplesmente o máximo
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dos prêmios...







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"alguns realmente merecem prêmios
outros saudades
muito poucos
ambos"
Julio Carvalho
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as medalhas
para Fernando Schubach

na água
fiz- me espelho
rebati tudo
mudei em meu fogo
a cerimônia das marés
e da vegetação
mudei a voz e apelo
remei e passei a ver-me em dois
como esta pérola
que nada em meus olhos
eu, a água e a maré
nos fizemos amantes
nasço em nome da água
nasce em mim a água
eu
e a água
nos replicamos
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segunda-feira, 21 de julho de 2014

dos desacontecimentos...

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" eu sobrevivi a tanta coisa.
sobrevivi ao bullying na escola, ao pessoal me chamando
de ET e monstro todo dia durante o ensino fundamental.
sobrevivi à resistência dos médicos que juravam que eu
tinha algum retardo mental.
sobrevivi à desistência dos professores com meu
desempenho.
sobrevivi à traição de amigos.
sobrevivi às drogas para ser aceito na roda dos adultos.
sobrevivi à briga de rua.

sobrevivi a uma tentativa de suicídio na adolescência.
sobrevivi a enterros de jovens colegas.
sobrevivi a três acidentes de carro.
sobrevivi a três separações.
sobrevivi ao vício do cigarro.
sobrevivi a dois assaltos a mão armada.
sobrevivi a várias demissões.
sobrevivi ao distanciamento de meus quatro irmãos amados.
sobrevivi, vou sobreviver, mesmo que não acredite na hora."

Carpinejar

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apague logo
antes que acenda
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entra sonho e sai sono e eu continuo o mesmo
de quantas noites ainda me alimento?
agora que me falta luz
o sol resolveu
me ofuscar
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desacontecimentos

as coisas voltaram ao normal
continuo sem dinheiro
recomeçaram a sumir coisas da geladeira
meu olho esquerdo não melhora nunca
e eu continuo a esperar a melhora do outro dos olhos dos outros de mim
do dinheiro
dos sumiços de coisas
mesmo assim
eu penso nos ganhos
forço bastante a vontade como forço os olhos para tentar ver o lado bom das coisas
mas tem dias
tem dias difíceis
iguais a hoje
as coisas somem de vista
e por mais que a gente tente olhar direito
os olhos não ajudam
é uma espécie de tristeza
uma espécie de cegueira da alma
- é isso!
a tristeza é uma espécie de cegueira da alma
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toda doença é amor transtornado
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dos tolos...

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"a poesia traz algum tipo de alquimia
no sentido das coisas
convertendo lixo em ouro ou jade"

Mariano Raffaelli
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pirita

a poesia é uma mentira
é a palavra cheia de maquiagem para
dar algum sentido à vida
quando se faz um poema o próprio poema se trai
quando quem faz o poema o lê depois
já não é mais o mesmo poema
é outro
e quando outro lê
já é outro
cada vez que o poema é lido
lê-se uma mentira diferente
um poema é onde as mentiras das palavras 
se juntam e tomam algum sentido
um poema é uma soma de boatos
e de boatos arma-se o mundo
suporta-se o mundo
aguenta-se o peso das coisas
os poemas são a salvação para esse peso
as palavras são um fardo
e a poesia a maquiagem
o alívio
o desterro da cruz
as leituras passam
mas a mentiras do poema
ficam
religiosamente
datadas e escritas
na história
do leitor
&
do poeta
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dos assaltados...

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"nossa senhora das gentes ordinárias, 
tende piedade dos que duvidam, se contradizem, 
não conseguem se decidir e gaguejam. 
mas mais piedade ainda, senhora, 
daqueles que têm certezas, 
porque sua solidão é tão terrivelmente maior."
piedade - Noemi Jaffe

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um poema
não implica estar alegre ou triste
mas dar jeito à importância das palavras e coisas
entender do mundo
visto pelo lado de fora
dar suporte à impaciência
calmaria
como quem devora
leveza
como quem desespera

alguém que observa
um poema
escondido
na escuridão do quarto

um poema
sem assalto
nem susto

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domingo, 20 de julho de 2014

das grandiosidades...

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"Na vida, quem perde o telhado
Em troca recebe as estrelas
Pra rimar até se afogar
E de soluço em soluço esperar
O sol que sobe na cama
E acende o lençol
Sol lhe chamando
Sol-licitando"


Só (solidão) - Tom Zé

























o pó (lido)

eu mesmo queria
tudo o que um bom homem aprecia
e sair por aí
comendo poesia

aos verbos
aos versos
tenho discursos eternos
mantenho os olhos dispersos
mas como o tempo
não esqueço
que a poeira
que fica para trás
o vento um dia
devolve
silenciosamente
pelas cortinas
janelas
e frestas das portas
na forma
dessa fome antiga
chamada
memória
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sexta-feira, 18 de julho de 2014

dos acostamentos...

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"Dejar el pensamiento en libertad es regresar ao ritmo; 
las razones se transforman en correspondencias, 
los silogismos en analogías 
y la marcha intelectual en fluir de imágenes."
Octavio Paz

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acostamento

preciso viajar nas cinzas
preciso viajar na poeira
dos cantos
dessas ruas
sujas
nessa poeira estão os contos
as vidas
as falas
os poemas desenhados em dias de pedra
preciso viajar nessa fome
na calma/alma
viajando sob o arco desses deuses mortos
sob cada sombra ferida
espalhada
nos postes
preciso viajar
nessas famílias como folhas de árvores
poucas dessa cidade
datadas pelo vento
coloridas pelo tempo
preciso viajar
mas minha própria família não esperou
minha vinda
- foi-se
sem fogo
sem rastro
sem memória
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a morte no divã

faço terapia
sempre fiz
talvez seja medo da morte
ou da solidão
mas eu não tenho medo da morte
tenho medo de não cumprir
as coisas que tenho que fazer na minha vida
terminar todos os meus poemas por exemplo
esses poemas não acabam nunca
parece uma eternidade
essa praga poética que me acompanha
como disse Franz Kafka
“não tenho medo da morte
mas tenho medo das dores para evitar a morte”
e talvez por isso eu faça terapia
para defender a vida a todo custo
isso é perigoso
mais que a morte
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queria fazer um poema
que fosse ao mesmo tempo
título e conteúdo
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dos isolamentos...

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“A poesia é necessária para salvar-nos
da claustrofobia da língua econômica, do clichê.”

Evgen Bavcar

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intro_missão

intro
meta-se
na minha vida
devagar
porque odeio
sentir
dor
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minha vida descambou pro silêncio

antes que a palavra se torne ferrugem
tento me resignar na ilha das pálpebras
aprender com a meia luz
antes de multiplicar a condição
da escuridão
agora eu olho
e toco em fantasmas
entre águas e fagulhas
a luz me desorienta
e sou quase um hóspede constante da noite
um frasco do destino
quebrado
dia após dia
me faz agora carregar
a flor da aflição
uma terra de estranhamentos
e minha cidade
à noite
à meia luz
torna-se essa concha particular


tudo se transforma
num recinto
íntimo

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outroquase

falo agora do meu quase adeus
ao meu mundo físico visual
um incidente que foi quase
a ocasião de uma despedida
mas toda vida é um adeus
só precisamos saber se há ou não há um adeus seguro
ou certo
tive sempre a ilusão de mudar as coisas
eu tinha a ilusão de que tudo voltasse ao normal
no dia seguinte
mas quando toda ilusão não é mais ilusão
o adeus torna-se radical
e percebe-se que
a vida é um adeus perpétuo
adeus aos momentos presentes
eu penso que o menino que fui
deveria entender mais sobre a vida
porque sempre me arriscava mais
porque sempre estava um pouco mais perto da morte
porque se pode dizer “nunca mais”
quando se é criança
“nunca mais” é uma palavra de eternidade
é uma eternidade que entra no tempo presente
compreender este “nunca mais”
significa também amar demais a vida
e amar demais o momento presente


adaptado de Evgen Bavcar

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(para uma despedida não-tão-longe)

odeio
a vida
quando ela me vem
com essas coisas óbvias
como as despedidas
feito livros expostos
sobre camas alheias
acompanhadas
da falta de certas páginas
futuras que me farão falta

eu me afasto

um pseudo luto
abrupto
entre aspas.
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quinta-feira, 10 de julho de 2014

dos formatos...

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“a poesia fica adiante ou antes da vida, mas não coincide com ela. 
e é nessas horas - quando eu penso que elas são a mesma - 
que a vida vem e te pega e te lança seguidamente morro abaixo e acima, 
te torce que nem laranja madura e te explica, às vezes alto e outras baixinho: 
eu sou só isso. ou tudo isso.”
Noemi Jaffe
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foto: "fim do túnel" por Julio Carvalho

minha vida:
a vida para a maioria das pessoas
acontece de um certo ponto A
para um ponto B
mas para mim não
eu tenho um problema como o ponto B
mas no entanto
eu bem que gostaria
às vezes
de ter uma linha traçada na vida
ter um ponto B
para a maioria das pessoas
cada trajeto de cada dia
se adicionam uns aos outros
e levam aos poucos
a um objetivo maior
a um objetivo único
definitivo ou não
como uma luz no fim do túnel
tudo é maravilhosamente linear
mas comigo não é assim
eu sempre vivi mudando de rumo
quando penso uma coisa
acontece outra
um barco de papel no meio de um mar qualquer
e mesmo que eu me esforce ao máximo
as coisas quando as coisas são/estão
nunca saem ou são/estão coisas como eu gostaria
ou queria que as coisas fossem 
porque minha vida é assim?
porque essa confusão maluca
sem A, nem B nem C?
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é preciso tomar cuidado com a felicidade
a felicidade é um tabu para a ficção
o drama é o que tem mais interesse
a vida é um drama
todo mundo quer ser feliz na vida
mas isso nem sempre serve para um romance
ou um poema
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fazer o amor dar certo não é só uma questão de esforço
é uma questão de vida mesmo
de deixar de ser amor
é a vida
feita
assim mesmo
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se tiver vergonha não se preocupe
vergonha é mil vezes melhor que a felicidade
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a vida é como um bordado
você passa a primeira metade
olhando o lado bonito dela
o lado da frente do bordado
mas a segunda metade da vida você
passa do outro lado
não é tão bonito mas você passa
a ver como os fios são colocados
podemos ver como as coisas acontecem
como as tramas são feitas
ou desfeitas

adaptado de Artur Schopenhauer

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quando você começa um novo poema
ou uma nova história 
seu trabalho é imaginar
tente visualizar coisas
que ainda não existem
quase igual quando a gente vai dar início
a uma paixão nova
escrever é isso
um poema é isso
se apaixonar
(ou quase)
todos os dias
tentar ir ao encontro dos fantasmas do futuro
este poema aqui não existe mais enquanto é escrito
são fantasmas que morreram
não existem mais
e os fantasmas do futuro
que ainda vão existir
ainda serão imaginados
apaixonados
até o fim
de cada poema
ou história 
escrita
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quando se acha que nada acontece
em alguns momentos em
que nada significam mas que são importantes
porque esses momentos vazios
também fazem parte da vida:
a infância é isso
e isso
faltou para mim
tudo era muito ausente
a única presença
era eu
e agora esses poemas 
escritos no futuro
que nem se assustam mais
com esses fantasmas antigos
porque eles morreram
sem saber
da ausência
da necessidade
e os que tentaram
não sabiam mesmo que quisessem
não entendiam
e eu nunca senti
nenhum préstimo ou pedaço
de sentimento verdadeiro
era só responsabilidade
com gravidade
sem amor
e se houve algum
agora também é um fantasma
em um passado sem nenhuma beleza
exceto as coisas que eu mesmo criava
quase sempre incendiadas
que viraram poemas futuros
nascidos do fogo
isso mesmo:
poemas futuros nascidos do fogo
cada poema é uma cria
de um incêndio do passado
de uma falta
de uma ausência
a alegria mesmo 
felicidade
veio depois de mitos e dramas
quase sempre inventados
para que se pudesse suportar a dor
desses antes fantasmas antigos
ainda uso esse recurso
como escape 
fuga da falta
da ausência
mecanismos fálicos
algumas vezes sexo
outras vezes poema
até nas ausências
eu escapo entre a palavra
o poema
e a realidade
vira uma rima
.........................................................................
  
quando a felicidade chega 
e não há mais nada a contar
é a hora de parar
mesmo que seja a vida
um poema
ou um romance
.........................................................................

e sobre tudo isso
em que eu estava pensando mesmo?
em poesia
vida
e romance
 .
*textos baseados no filme "O Enigma Chinês"
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