domingo, 28 de fevereiro de 2016

das andanças...

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"amar deve ser atípico entre os tipos iguais à mim. 
é como destroçar o pulmão na batida certeira, 
escorrer meus lados nos cantos que te faltam paredes.
passar uma vida na transa perfeita da solidão que não passa, 
do vazio das companhias, 
nesse peito estreito e atordoado de possibilidades."

Camila Passatuto
.
andante moderato

























escrevendo um círculo
é como eu estivesse no meio
e a vida em volta
não existem arestas
nos retornos
a volta só é válida
quando se morre
e enterrar
alguma coisa
produz o retorno
do outro
não em si
mas na memória
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minha vida é um teste seco
ontem conheci alguém
onde minha cabeça encontrou repouso
do descaso do medo
mas era insensível
como árvore arrastada pela chuva
disse que apanhara muito
quando criança
tanto ele quanto a própria mãe
e por isso resolveu
estar sozinho
nômade
procura sempre fazer de todo lugar
uma resposta
para suas dores
então me mostrou sua tatuagem
feita de cima até abaixo das costelas
e disse não ter sentido dor alguma
porque as dores de antes 
tinham sido muito maiores
e as dores menores
ficaram 
imperceptíveis
eu não tenho tatuagens assim
mas as dores antigas
(pensei eu)
realmente
diminuem as dores atuais
não fosse pela dor
(que ele disse que aprendeu)
queria poder ter aprendido
e queria que ele também tivesse aprendido
sem nenhuma dor
e minha cabeça repousaria
sobre sua tatuagem
suavemente
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I

- eu sou assim: não tenho armaduras por fora - mas por dentro tenho um coração de aço
não deixo de me apaixonar sofrer e ser intenso PORQUE EU SOU ASSIM - não fui moldado por isso ou aquilo - aceitei que sou uma parte do mundo e vejo o mundo como uma coisa só feita de paixões e sem essa luz, que até alguns chamam de deus e eu de paixão, eu não estaria vivo - nem iria sequer existir
- como tens um coração de aço e facilidade de amar?
- o aço derrete com fogo meu amigo
simples

II

um amigo uma vez 
fez um desenho do meu coração e do dele
o dele por fora 
era cheio de espinhos 
e por dentro suave
o meu era o contrário
mas como sou do signo do fogo 
esse sempre me consome e queima espinhos e aço
esse cara de ontem veio com fogo total - 
queimou tudo aço espinho ar terra mar 
erro acerto medo mundo tudo tudo tudo
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amor não tem sabotagem
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ao palhaço-anjo:
já tenho tantas cicatrizes 
que o que preciso 
é só repouso
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(nas paixões)

somos todos jovens
quando se trata 
de sofrimento
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nada muda
o corpo sente dor
necessita comer
respirar
andar
dormir
tem a pele frágil
e logo abaixo sangue
tem uma boa reserva de memórias e emoções
coração nem sempre forte
músculos pulsantes e ágeis
nas paixões
leva-se tudo isso em conta
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estou chorando
pelos pequenos pedaços
das coisas
impossíveis
pelo sentido de não estar
não poder amar o devido
como um mar
estou chorando
pela música impossível
dos ouvidos surdos da paixão
que não escutam
devidamente um sentimento
estou chorando
por todas as músicas
todos os olhos que não enxergam
todos os mudos
os que se calam pela impossibilidade
(ainda o impossível)
da fatalidade de não poderem
amar
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sábado, 27 de fevereiro de 2016

das passagens...

.
"esculpo minha vida sobre a pedra de luz
vida calma como um grão de trigo
névoa sobre minhas letras
vejo sombra nas minhas palavras
por ser amor
permaneço, construo sobre a luz
e um bocado dos meus dias constrói comigo"

A Pedra de Luz - Adônis
.











































entretanto
hoje
durante o dia
foi primavera de novo
e crescem vontades
no que foi um vasto campo vermelho
de nossas palavras
de antigas batalhas abençoadas
em um espaço consagrado 
fora do mundo

entretanto
é verão de novo
e transcende-se a carne
no que foi um corpo acariciado
em antigas guerras silenciadas
qualquer coisa diferente de viver
maior que ser

entretanto
por você
é poema de novo
e morrem as palavras
no que foi um imenso desejo 
de saber apenas estar

o silêncio, um silêncio em suas costas
e um carinho
encostado no seu peito
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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

dos músculos...

.
"quase só músculo a carne dura
é preciso morder com força"

o coração - Eucanaã Ferraz
.









































entendia sim
e bastante
sobre uma tal saudade
que é do tempo
uma fantasia
sabia que saudade
às vezes até doía
era assim
uma vontade
que no peito não cabia
de ver alguém
que não podia
ou de fazer
algo que já não fazia

adaptado de Alessandra Roscoe
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simplicidade é seu tema favorito
o poeta quando não fala
olha e ri das coisas comuns
o banal era extraordinário 
naqueles olhos cheios de palavras
parece sempre que guarda algum segredo
e esse segredo é sagrado
havia acostumado a viver 
com homens cheios de confiança no que dizem
poetas que não conviviam com dúvidas
a certeza sempre lhe pareceu ignorância
só os incultos tem tanta certeza
ou melhor
os semicultos de sabedoria curta
exatamente
aqueles que sabem muito pouco
e do pouco que sabem
julgam que sabem muito
e outros também que pouco sabem
e do que sabem
fazem tudo
saber muito é outra coisa
é saber que não se sabe
humildade
das margens
não se é possível conhecer o rio
ainda mais à noite
tentando
fazer
poesia
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amor
é coisa
de pouca
conversa
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afaguem meus prazeres com tempos presentes
sons de vozes mais calmas
sussurrando espumas
gemidos curtos entre
correntes de um vento
leve
que povoam as coisas de estruturas e asas
entre as roupas
cresce uma massa
de ar
fresco
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beber da dor
o puro
esquecimento
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espectros derrubados
uma gota de luz
tomba sobre a água
e os pés puros
mergulham
feito pássaros
o fluxo continua
sentindo
sua
falta
o voo
interrompido
só quando eu ver
você de novo
e criar
asas
no seu abraço
cujos frutos
seus laços
são
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horóscopo

o signo
passou por mim
e não disse
nada
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transforma o hoje em peça
representa o dia inteiro
escritas
as palavras seguem
seu rumo
a confusão é uma ideia
e tem os olhos cheios
hoje é o vento que não volta
atrás
a água que não volta à fonte
cria suas horas a partir do próprio
movimento
não tem raízes
elas estão em seus passos
caminha no perigo
e tem um jeito de vento
sente e espera
o dia
encerrando
cortinas
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pisciamo
mas não me afogo
de água sinto
que às vezes choro
piscitemo
e não demoro
sensibilidades
coisas
que eu exploro
piscilevo
nadando em pregos
a água rasa
dos mistérios
piscitemos
coisas comuns
mas o que fica
é subaquático
e quântico
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

dos resgates...

.
"perdido o costume de amar
te direi em que nos converteremos
a ternura como quem dorme
sem roupa e entre farrapos
os braços apoiados na testa
pulmões diminuídos 
olhos apagados e sem fala
rumores com falta de ar 
e de repente
um silêncio 
que nos levará a infância 
e nos obrigará a fugir de nós mesmos
como até das palavras"

Kepa Murua
.










































queime
quando
queira
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"o preço de qualquer coisa 
é a quantidade de vida 
que se troca por isso"
                                           in Tinta Fresca

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amar 
(tem vezes) 
é um zero a perder de vista
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esses meus desejos
afluentes
dos meus olhos...
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o amor bate
bate bate bate
até não sobrar nada
quando sobra,
sentimento
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desejo 
de escrever pra trás 
como um bicho
soltar um grito pelo corpo
e depois procurar desesperadamente
pele adentro
a palavra
crucificada
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geralmente encontro palavras
e ninguém à altura de merecê-las
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céu acima da boca 
e alguns dentes mortos
onde a língua presa
não responde mais
assim fica um corpo
desapaixonado
derrete ao vento
vira perfume
ou alguma flor sem nome
chega às camas
cobre os sonhos
e ao sono se volta
como incenso
lembram seus primeiros desejos
de criança 
perdidos num redemoinho
de cavalos e pontes 
entre as cachoeiras.
como sair dessas águas?
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clareia tudo
bem de perto
e esquece
o que há 
de vir
acontecer 
é toda memória 
de ontem
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na voz há resgate
silêncio é desconhecido
não tem face
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como enxergo mal
dou murro em ponta de faca
cega
e bato a cabeça 
em muros de plástico 
bolha
por isso essas dores
estranhas 
de cortes e danos
insanos
sem identificação 
somatizo
o que não é visto
meus consertos
são emocionais
queria um eixo
de luz
aceso
um abraço 
com sinal verde
um farol
fácil
um som de beijo
incandescente
queria
um sim
sem morrer
muito
porque cansei de acordar
com esses mistérios todos
agarrados ao corpo
queria retirar
camadas de pele
entre o olhar
e seus objetos
mas o que me sobram
são os sons
na ponta da língua 
sempre aberta
a quem machuca
queria essa cura
dos meus silêncios 
internos
dos meus desertos
eternos
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cansei de morrer todo dia
muito
queria viver todo dia 
pouco
mas
intenso
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toda minha certeza 
vem do receio da morte
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a labareda que de alto segue
de alto digno
o fogo
sigo
até as cinzas brancas
entre
as nuvens
elevado ao paraíso 
em vermelho eu te digo
no céu o fogo e o sol
se confundem
o inferno
não é de fogo
lá não existe
sol
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gosto de sangue
no canto da boca
no céu recomeçam 
ou não 
estrelas
até o tempo de morder
ou se
amar 
chegar ao fim
felinos
fazem um brinde
em copos de mesmo gozo
nada se fala sobre isso
um procura a gota 
outro procura o gosto 
ambos sabem 
onde fica
o amor 
entre os músculos
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minha cabeça 
vive na lua
e o sol
dorme
no meu
coração 
por isso tudo
que é terrestre
em mim
vira
poesia
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um homem
aparece
com a emoção 
do pulso de uma ocasião 
qualquer
move-se
com o passo atrevido
dos tempos
e me envolve
em seu terrível-maravilhoso
interno
abraço 
tronco liso
branco exato
sorri com olhos 
de lua
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ciúme 
água 
pedra e areia
corre sangue 
na veia
do homem concreto
amado
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paixão 
porta aberta
fora de si
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o que mais bate em mim
durante 
a vida
toda
é meu coração 
de poeta
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a amizade é dita
um círculo
eu prefiro
outras formas
triângulos
quadrados
trapézios
(amizades acrobáticas)
amigos de risco
um fósforo
por exemplo
acende 
e só se apaga
se o amigo
sopra
isso quando aniversários...
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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

das impressões...

.
"porque que 
toda poesia 
parece sempre 
que falta alguma coisa?"

Sandra Dias (For)
.

 

                                                                  Leonidas at Thermopylae













































o corpo de todo amante
atualiza a paisagem
sobre a cama
montanhas de sexo
e o prazer dos rios
dos suores
mútuos
o cheiro das matas
dos pelos
e as encostas
das coxas
se apertando
até
o máximo êxtase
e então
o pôr do sexo
acontece
pela manhã
entre os lençóis
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no apocalipse
um vento
lembrará 
a poesia
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a realidade
é um sentimento
de pedras pesadas
o sonho
são as plumas
tão leves
que a loucura
eleva
sobre seu caos
e revela
esperança
na obrigação 
de ressuscitar
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o medo é uma coisa em branco
o intervalo entre o ser e o não ser
um hiato
a coragem
é um bumerangue
contorna os espaços do medo
e volta
sempre
que o medo
não faz mais
nada
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quem quando queira
o sol me deixa
por uma fresta
amarela
no fim da tarde
um raio que atravessa espaços em branco
onde as palavras tomam
conta
em tom avermelhado de anoitecer
até que durante o escuro
toda noite
crescem entre as estrelas
como uma super nova
entre galáxias
e
de manhã
o raio 
vira 
poema
atravessando praças
edifícios
e pessoas 
plásticas
e na memória
bate devagar
um
pulso
como se
ainda
fosse
real
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