quarta-feira, 30 de novembro de 2011

da preguiça...

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"bom humor é mito
o fato é que eu não vivo sem ele
então
vivo de um mito"

Julio Carvalho
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fogo dobrado
fogo dobrado
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fogo dobrado

tenho preguiça de gente que fala sobre o amor
que nem água
tenho preguiça de gente que fala
quem fala não faz
quero fazeres
aconteceres
com ou sem amor
tanto faz
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terça-feira, 29 de novembro de 2011

dos engasgos...

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"Podemos estrangular os clamores,
mas como vingarmo-nos do silêncio?."

Alfred de Vigny
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shameless
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um lance de idéias

ou então um gole
ou meio
intragável
não há garganta que o mereça
se esconde
entre os dentes
enrosca de vergonha
mas é tarde
a boca engasgada
justifica
o sim
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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

dos downloads...

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"Somos amigos em pólos confusos da paisagem,
mas com as sombras intrincadas na mesma moeda.
Amigos além da linguagem do agora."

João Pedro Wapler
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Click Here To Download

no princípio era o download
era o crime
a pirataria
não se roubavam corações
e as essências eram mais fáceis
hoje tudo é mais complexo
as coisas vivem dentro de nuvens
busca-se o invisível
guarda-se o transparente
antes era a distância
hoje a distância é só um detalhe que nos habita
então
agarre urgentemente o tempo que nos resta
e transforme-o finalmente no que ele é:
um instante
breve
de nuvem
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terça-feira, 22 de novembro de 2011

dos ajustes...

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«Fica só com o verso, segue a vida com o acréscimo do sonho que dele nasceu, leio-o sempre, a obra toda!
Não o tenha para si, pois ele é a própria asa, pois ele se dissolve se preso,
pois ele se escorre quando atado, pois ele desaparece, se for pego.»

Betina Moraes
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roses are man
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caminho não tem hora
inspirado por Leonardo B.

o tempo de mudança está adormecido
não quero um ajuste de contas
nem um sair de cena
repentino
só preciso andar
senão definho
uso aqui as letras todas
para dizer o que pouca gente entende
e um outro resto de gente ignora
porque não sente
ou não sabe
ou tem preguiça
de entender

(a preguiça de entender qualquer poesia
pressupõe falta
do mínimo sentimento)

cansado de ouvir que sou louco
deixo agora de lado o cansaço
e assumo a loucura
definitivamente

é hoje a minha loucura
a vida inteira

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domingo, 20 de novembro de 2011

das insistências...

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"o poeta inscreve
no cristal vivo dos teus olhos
a breve palavra amor

o vento vem
e apaga"

Inscrição - Roberto de Oliveira Brandão
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red love
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Nada de Poema de Amor

há muito tempo já que não escrevo um poema
de amor
e é o que eu sabia fazer com facilidade
a minha natureza
mineira
tinha essa humana
graça
feiticeira
de tornar de cristal
a mais sentimental
e sem graça
bebedeira

mas que vou envelhecendo
e ninguém me deseje apaixonado
ou que qualquer antiga paixão
me mantenha calado
o coração
num íntimo despudor,
— há muito tempo já que não escrevo um poema
de amor.

Transcrito e adaptado de Miguel Torga, in 'Diário V'
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das existências...

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‎"Ser forte é parar quieto; permanecer."
Guimarães Rosa
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alma
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sobrevivente
é aquele que faz poesia além do poema e insiste nisso
sabe também que faz isso por acréscimo e não por vontade
(desconfio que escrevi um poema)

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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

das traduções...

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imprint text
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outro infinito

quando falo de começo falo de um lugar onde quero estar
falo de procura
falo de um jogo
o jogo da procura de qualquer movimento
o movimento que acontece
que transforma as coisas
por exemplo
a palavra sozinha não diz muito
a palavra desejo não diz muito
desejo sozinho não diz muito
é preciso do outro para acontecer o desejo
sozinho também não acontece
é preciso de outros aconteceres
é preciso encontrar o movimento com outro
nada se move sozinho
nada se encontra sozinho
nem o desejo
nem o outro
nem o desejo do outro
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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

das montanhas...

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"Dobrei o oceano e guardei na caixa. O grito!
Só Deus entende que as coisas miúdas existem enquanto o mundo segue vasto.
Por isso me emprestou a caixa dos segredos e pediu que eu guardasse
mil pedacinhos de beleza - todos os que eu visse"

Carla Jaia
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bosque color
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SOBRE O POBRE J.C.
Adaptação do original SOBRE O POBRE B.B. de Bertold Bretch (reeditado)

Eu, Julio Carvalho, sou das montanhas verdes.
Minha mãe me trouxe para o mundo
Dentro do ventre. E o frio das montanhas
Estará comigo ao me cobrir a laje.

Na cidade de asfalto estou em casa e a caráter,
Com todos os últimos sacramentos
Ministrados: jornais, livros, vinhos:
Desconfiado, descrente e insatisfeito.

Sou amável com os outros.
E visto minha roupa como todo o mundo.
Digo: as pessoas são bichos de cheiro esquisito
Entendo: e daí? Também sou, no fundo.

Às vezes, nos lugares que experimento,
Coloco algumas pessoas num lugar,
E digo: em mim vocês têm, eu garanto,
Alguém a quem não podem alegrar.

Algumas tardes me reúno com amigos.
Tratamo-nos com respeito, então.
Eles dizem, com os pés à minha mesa:
As coisas vão melhorar. E não pergunto: quando.

Na madrugada cinza, postes mijam
E piam os pássaros, que são seus vermes.
Na cidade, meu copo se esvazia,
Largo um livro e durmo um sono leve.

Assentamo-nos, uma geração leviana,
Em prédios que quiséramos indestrutíveis
(assim construímos os arranha-céus em todos os lugares
E os grandes satélites sobre o Atlântico a nos divertirem).

Destas cidades ficará quem as atravessou, o vento!
A casa faz feliz quem nela come: quem a esvazia.
Sabemos sermos efêmeros
E que depois de nós o que virá será sem valia.

Nos terremotos futuros, que não seja meu destino
Deixar por amargura o meu lugar se apagar,
Eu, Julio Carvalho, largado nas cidades de asfalto,
Vindo das montanhas verdes, do ventre da mãe,
quarenta e seis anos atrás.
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dos locos...

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"Todas as coisas já foram ditas,
mas como ninguém escuta
é preciso sempre recomeçar"
André Gide
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astro vire
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in locos

tenho medo de algumas respostas
de qual será ela
de ela não vir

a vida, solidão, toda impotência
caminha numa pele delicada
onde ela rasga a carne arrancada
a demonstrar ao mundo sua carência


aceito o sono insano dos loucos como sendo sempre uma primeira vez de tudo
experimento muito porque do pouco não se aproveita nada

eu quero andar rico de novidades

o diabo, quando não vem, manda a insônia

Mateus não dorme.
Porque não dorme Mateus?
Mateus está vivo.
Tão vivo quanto a sua insônia.
Mateus está dentro do sonho.
O sonho de Mateus não acorda.

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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

dos adiantamentos...

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"O mal da ficção é que ela faz sentido demais.
A realidade nunca faz sentido."

Aldous Huxley
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la piel
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lovers written

assim começo
de trás pra frente
descrevendo
alguma parte do amor
escrevo porque não conheço outra forma de amar
ainda que posso não estar diante de nenhum amor
espero um dia que todas as minhas palavras
internas ou não
estejam prontas para tamanhas mãos e abraços
que todas as minhas letras merecem.

meu corpo sabe até onde ele pode escrever
os rostos são essas páginas procurando letras
quero um livro gente que bem tem que merecer
meu universo inteiro de poesia

ando mais adiantado nas letras que no amor
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terça-feira, 15 de novembro de 2011

das névoas...

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"Art is a guaranty of sanity."
Louise Bourgeois
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beauty altar
foto: beauty altar by Julio Carvalho
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neo névoa

diziam que
antigamente
reaprendia-se o amor
no andar das carruagens
agora
é no teclado

muito rápido
aprende-se
a desamar

os rituais do corpo substituídos
beijos por mensagens
abraços por desejos
virtuais

o amor em nuvem
por aí se perdendo
numa densidade
de névoa

não há vestígios de quem espera amar
online
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das formatações...

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"Aos olhos do dragāo, Sāo Jorge era um monstro."
Julio Carvalho
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violence blood
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tragédiometria
Julio Carvalho & Roberto Laplagne

ando
em círculos
pelos quatro cantos perdidos
do mundo
procurando os pedaços com
um triângulo
atravessado
na garganta

percorro quadriláteros
buscando metáforas geométricas
para dizer de forma reta
sem ser quadrado
onde está retangulada
alguma resposta
concreta
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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

das navegações...

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"velar o que não se revela a ninguém."
Paulo Neves
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sea lovers
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naveg_antes de ontem

enquanto o corpo fosse tela em branco vivíamos água de aquarela
a tinta líquida que escorria pela pele ainda visível depois do orgasmo
inventávamos desenhos com nossos desejos
até que de tão intensos
ficavam marcados
nos braços largados em ondas do mar após amar

(sobre a mesma pele pintávamos tatuagens de gozo)

encontrávamos em cada dobra do corpo um sentido novo
vindo junto com o cheiro de um perfume breve

(um perfume do mar de amar a maresia)

existíamos dentro das explicações entre as leves mordidas
as mãos deslizavam com incoerência
até que perdidos o corpo a tela o braço e as dobras
nas águas nas aquarelas daquelas
restava
o vento nas velas aqui fora nas têmporas

(até então era só o que se ouvia)

enquanto soprávamos os sonhos
o barco do dia
corria
ninguém sabia que quadro pintava
nem se interessava
em saber

(o único cuidado que queríamos ter é o de não acordar)

e cuidávamos um do outro como se soubéssemos
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sábado, 5 de novembro de 2011

das tramas...

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"Quando escrevo seguindo o coração,
quase tudo me sai bem;
quando escrevo atendendo à cabeça,
não me sai praticamente nada."

Julio Carvalho
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reunion red txt
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tramadrama

poesia não é defloração
poesia é o verso à pele
poesia é a ebulição da palavra quente

despertem poetas
sangrem o círculo dos desejos
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dos inversos...

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"De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido"

Oração ao Tempo - Caetano Veloso
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just_in_time_animated
by ANATOL KNOTEK
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isósceles

quero almas gêmeas ao contrário

um tempo invertido mais divertido
quero o incomum e o inexistente
quero mudar o que todo mundo sente
da paixão à alegria
da causa à consequência
perder a consciência e trazer confusão como troca
fazer tristeza + derrota = amor em todas as somas
fechar todas as portas e abrir janelas com maçanetas
andar descalço sobre espinhos lisos
pular com com uma asa quebrada do alto de um edifício
desmarcar compromissos
dar um sumiço
imaginariamente
matar os chatos, culpados e cínicos
pensar de trás pra diante
e seguir em frente
de um outro jeito
diferente
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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

dos tecidos...

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"Queria um tom de pele que fosse música."
Julio Carvalho.
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2001_wing
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branco
o estranho tecido da pele
brinco
a pele é nua

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das frações...

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"Minha felicidade vem de véspera."
Julio Carvalho
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speed-of-life
foto: speed of life by Benjamin Alexander Huseby
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ANÁTEMA

sou doável em imperdoável analgesia
sofro a dor crônica dos amantes não correspondidos
dos telefonemas sem resposta
da aposta do último centavo quando o jogo deu errado
do último segundo quando a porta do trem fecha
da última olhada
da última chance
da última palavra
do último espaço de tempo significativo entre duas pessoas

me doo a todos eles
a esses momentos de quase ganho
quase orgasmo
quase engasgo
quase fruto maduro que caiu antes da hora

me doo todo a esse último fio breve de resposta
que muitas vezes sustenta uma vida inteira
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terça-feira, 1 de novembro de 2011

dos voos...

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"Vou de A a Z numa palavra:
AvidainteiratemveZ."

Julio Carvalho

factory 02

monólouco

quando era mais novo
tinha a cabeça nas nuvens

hoje
tem a cabeça de vento
soprado pelas ideias mais abusadas

hoje
não se assusta
traça a vida em pedaços
navalhando a morte

hoje
ergue a chuva
para molhar o chapéu

hoje
rente às nuvens e o vento
prefere
o voo
enlouquecido
do pássaro mais alto


só vai parar de voar quando sentir o gosto de alguma ilha deserta
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das chaves...

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"Sinto a secura de quem não afaga."
Julio Carvalho
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500key
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a_ver_são_navios

as chaves que a vida tem
que são pessoas
que abrem portas
que são destinos
que não escolhas
que são encontros
que são bem poucos
que são reflexos
que são tão raros
que são complexos
que são fugazes
que são lugares
que nunca serão
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