segunda-feira, 25 de novembro de 2013

das ligações...

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"O mais feliz dos homens é aquele 
que consegue ligar 
o fim de sua vida ao início" 
- Goethe
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porque a palavra morre
mas o espírito sobrevive
e nenhum poema seria completo 
se cada palavra 
depois de escrita
não morresse 
para deixar lugar a outra:
aos poucos todo poema se torna uma busca por descanso e cura
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fico feliz pelas pessoas que me acompanham pelos descaminhos 
e que sobrevivem às minhas tempestades
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o difícil é amar nada e ter mais a oferecer
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sábado, 23 de novembro de 2013

das tatuagens...

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"duas coisas admiro: 
a dura lei cobrindo-me
e o estrelado céu
dentro de mim."
Orides Fontela





















dentre o cheiro dos corpos

do oco calado ao conteúdo
da práxis feita 
à epifania perfeita
(um amor pra minha sede)
do sono ao sonho
o sono contém o fato
um sonho só
é amor barato
(um amor pra minha rede)
eu durmo perdido 
e acordo encontrado
o significado:

você e eu debruçados num jato de flores brancas
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conquistar o feio pro amor ficar cego

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escolha a flor
esconda a pétala
mal me quer
se quiser

eu não tenho tempo
para desfazer a rima
e procurar amor
em qualquer esquina


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luares

te procuro
quando 
está claro
te apago
quando
estou cheio
te encontro
quando estou 
novo

eu minguo quando te esqueço
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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

das infâncias...

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"Mas existe verdadeiramente outro rumo? 
Na verdade, só existe a direção que tomamos. 
O que poderia ter sido já não conta."
- Mario Benedetti
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menino menino mundo menino mundo....
selva de pedra
menino microscópico
o peito gela onde o bem é utópico
é o novo tópico meu bem
a vida nos trópicos não tá fácil pra ninguém
é o mundo nas costas e a dor nas custas
trilhas opostas la plata ofusca
fumaça buzina ....
faíscas na fogueira vem de rua  
chamusca
só no tipo slow brow
onde vou vou
leio vou vou
até esqueço quem sou sou
calçadas barraco de monte
a voz ecoa a sós mas ninguém responde
miséria soa como pilhéria
para quem tem a barriga cheia
piada séria
fadiga pra nóis 
para eles férias
morre esperança
e tudo isso aos olhos de uma criança
gente carro vento arma roupa ..........
aos olhos de uma criança
gente barro vento carma boca
aos olhos de uma criança
gente carro alento calma força sorte
sente o pigarro atento alma força  morte
aos olhos de uma criança

airgela...

é café algodão é terra é pé no chão é certo é direção afeta
é solidão é nada é certa é coração é causa é danação 
é sonho é ilusão é mão na contra mão é mancada
é  jeito é o caminho é nóis é eu sozinho
é feito o desalinho perfeito o carinho é cilada
é fome é fé é cedo é noite é segredo
é choro de boca calada
saudades de papo pai quanto tempo faz
a esmo
não é que esse mundo é grande mesmo
a melodia dela no coração o tema
o feitiço o retrato tipo Adoniran
em Iracema
só lágrimas no escuro e solidão
quando o vazio é mais do que devia ser
lembro da minha mão na sua mão
e os olhos enchem de água sem querer
aos olhos de uma criança
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debaixo das ondas
o mar entende
os seus naufrágios
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todos precisamos de amor
mas quantos podem dar?
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gente que muito fala
falha
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sozinho é melhor do que o tédio
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o futuro não prevejo e o passado eu esqueço
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quero segurar bem as palavras pelo avesso
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o poeta é um fingidor - será que por isso que sou?
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uma Pessoa depois de Lorca

o pranto é um cão imenso
o vento é uma tulipa de medo
um livro de poemas é um outono morto
e as veredas do poema são perigosas
por isso a calma quando ando entre elas
eu me sinto oco de paixão e loucura
nessas horas se meus dedos pudessem desfolhar a lua
uma angústia de de céu, mundo e hora
envenenado de cicuta e paixão de amarga ciência
acaba tudo em esquecimento
onde não há sonho: carne viva
e não há espelho que nos tire de nós mesmos
acaba o poeta sendo um fingidor
- será que por isso que sou?
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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

das orações...


"amem mais, amém menos"
Ailton Portnoy





























o corte
Julio Carvalho e Micelle Della Torre

o tecido é branco
da cor em pele
a pele entrelaçada 
de maneira que muitos 
não vêem
tecer são os nossos segredos
shhhh (silêncios) 
e onde tecemos segredos
fica essa linha delicada de carinhos
um pé de vidro:
um caco de silêncio 
procurado na carne
o encontro de fragilidades 
potentes & latentes
(lembra que limpei seu corte? - em silêncio eu cantei cuidados)
esse cuidado discretamente presente
esse cuidado
cicatriz
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água morna em profunda pedra dura 
tanto bate até que assusta
do amor que tu me tinhas 
que era puro e se afogou
tenho visto tantas caras e o boi da cara preta
é o que sempre aparece
e tem feito
mais caretas
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é por isso que coleciono silêncios - deles vêm minha poesia
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se eu sou de minas
e tenho a longitude das praias
vinde a mim as ondas
do som do mar
venham
até meus ouvidos 
varando montanhas
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a morte para mim é oferta de ocasião
não é remendo de tecido
a morte faz buraco
no pano e no chão
a morte
sempre termina em furo
de reportagem
ou tiro 
à queima roupa
toda morte é um buraco
um enterro
dos outros
mas a nossa morte
é invisível

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o azul zen
do céu
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quero ser igual aquelas pessoas
que
«Navegavam sem o mapa que faziam»
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a poesia sobe os últimos degraus
ouço a palavra escrita impessoal
que reconheço já por não ser minha
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te exponhas
mas para ninguém
esse é o único
e verdadeiro
espelho
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corajoso 
na frente
do alvo
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os monstros
são as coisas 
que não
sabemos
cavalgar
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domingo, 17 de novembro de 2013

dos absolutos...

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"que a arte não se torne para ti a compensação daquilo que não                                                                         soubeste ser
que não seja transferência nem refúgio
nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
a verdade do teu inteiro estar terrestre
então construirás a tua casa na planície costeira
a meia distância entre montanha e mar
construirás - como se diz - a casa térrea 
construirás a partir do fundamento"

A Casa Térrea - ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. 
"O nome das coisas". In:_____. Obra poética. Alfragide: Caminho, 2011.




























Foto de Thiago Nóbrega - a pena onde os sonhos coçam



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tua língua é metáfora enfiada no meu ouvido
tua pele é desaguar
enxurrada alagando instinto
sina e encanto
música espalhada
que eu não sei de onde vem
eu escuto
absolutamente
mudo
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difícil ocultar nossa violência
essa que habita embaixo de nosso assoalho
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GPS: quando eu me perco
eu acho o lugar




das gotas...







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"em comum temos a noite e as estrelas -
um café cheio de grãos de um açúcar
insolúvel"
Julio Carvalho






















sedentro*

a gota se abre de repente,
você espia
está úmido lá dentro
provavelmente água
nada que você se afogue
a gota se fecha de repente

do lado
a lua cheia brilha
está cheia de sumo delicioso
escorrendo
a gota se abre
e se fecha tão rapidamente
que você não nota

o sol aparece
você bebe rapidamente
do copo
lê um livro
vai ao cinema
chove moderadamente
evapora

a gota se abre de repente
você espia
por que isso acontece a toda hora
 agora?
existe segredo?
a gota se fecha de repente

a primavera chega

a gota se abre de repente
está escuro lá dentro
há muitos degraus levando para baixo
mas o que é aquele brilho?
é água?
a gota se fecha de repente

o sol escaldante 

a gota se abre de repente
ó deus das enxurradas
deus das longas viagens
mantiveste tua palavra
está escuro e seco lá dentro
você se entrega à escuridão
entra
a gota se fecha de repente


*adaptado de "A Porta" de Margaret Atwood
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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

dos propósitos...

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"belezas são coisas acesas por dentro
tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento"
Jorge Mautner




a propósito de...

interpretar
o lugar enquanto
significado
quando algo significa
algo:
realiza-se
determina-se
a partir do ente que está aí
colabora-se
ocupa-se
e se interpreta o significado
que vem ao encontro
do ser
que aqui neste mundo
cresce entre
mesa vaso terra serra casa jardim 
campo povoado caminho povo
utilidade de algo
que se usa para algo
que se possui 
feito de 
produzido de
o que de quê se é feito
madeira a ser encomendada
milho farinha fermento pão 
tudo sendo familiar ao mesmo tempo
o desgaste pelo uso e o estranho
o em torno
o lugar para
o espaço de
natureza passeio tempo 
outra vez
correr o perigo de saltar por cima de tudo
da coisa e tal
e dali para trás aderir
deixar o caráter do estar aí
do ser aqui
desvanescer-se
ficar absorvido
por
tudo

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

das obsessões...


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"escrever é uma pescaria
se não voltar com nada
escrever é isso
se voltar com o peixe
escrever é isso"
Natália Barros
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ancient blood



se no final tudo dá certo
porque o final 
nunca chega
nunca se acerta?
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se hoje
não tiver amor
ou humor
serve
poesia?
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entre a histeria
e
ou
e/ou
num
numa
a
em
na
numas
nem
obsessão
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desperto de coisas
abolir pre-conceitos
acordar
re-conceitos
e stop nóia 
para a nóia
tudo é descontrolado
só que não
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não só de letra
ou um litoral 
a figura de um
que num campo inteiro 
serve de fronteira para outro 
por serem eles estrangeiros
a ponto de não terem
respostas? 
a borda do furo
no saber de cada um
tudo na beira da praia
acabado
feito espuma
não é isso
que ela (a letra) desenha?
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contraste:
tomar frio

estar quente
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um oi
abuso
avulso
da sua boa vontade
e da má também
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deus não faz backup?
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sábado, 9 de novembro de 2013

das entranhas...

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"A ironia é um bumerangue, um haraquiri."
Raul Drewnick
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cada um tem o monstrinho que lhe cabe
e faz dele o que bem quer
ou o que pode
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o desespero de gostar é tanto
que invento
virtudes

fácil é gritar quando se tem voz
eu
mudo
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recém-nascido
eu sou o muito intenso. um mundo intenso.
eu te como vivo. te agarro, te dobro, te engulo e cuspo os botões da calça e camisa. 
mas por dentro te assimilo muito lentamente 
porque parece que tenho a digestão difícil das coisas. 
eu sou melhor assim. 
posso entrar?
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porque eu tenho medo de ser arranhado
de leve
se eu sou a muda
da larva

a própria cicatriz?
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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

das odisséias...

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"Dream no small dreams for they have no power 
to move the hearts of men." 
Johann Wolfgang von Goethe
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o pior é o coração
é aí que começa tudo
o melhor são os braços
quando tem resposta
acaso você conhece algum sorriso meu?
se você conhecesse ficaria marcado
pois ele te marcaria terrivelmente
mas por enquanto
só fica aqui por dentro
essa peça íntima
cinema mudo
sem cortes

queria arrebentar a sua cara
de desejos

se acontecer um dia
o abraço
agradece
e o coração
fica fácil
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comer com a própria boca
olhar com os próprios olhos
andar com as próprias pernas
crescer com o próprio corpo
em dias que o próprio me alcança
vontade de ficar com um outro
e o próprio
na lembrança
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tentar explicar para quê?
os que entendem sentem tão pouco...
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procura-se vidro por dentro
acho que tem gente que é
muito grande e forte por fora
mas por dentro ela é bem fraquinha e muito sensível
e está toda cheia de emoções
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quase sempre
eu viro essa solidão
que vira poesia
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absurdo:
criar asas para voar
sem ter penas
de ninguém
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comecei tarde
depois que eu morri
tantas as vezes que ressuscitei
perdi as contas
quase vivo
uma vida por dia
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à luz do dia
eu escrevo
como se fosse noite
por dentro
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à margem
onde não caem peixes
encontra-se o vergar dos anzóis
à margem
perdem-se os olhos
conspiram os espelhos
à margem
estão os poetas insones
doentes da palavra
à margem
tatuagem
presa no silêncio
desenhada 
nas encostas
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sou
totem
totem
totem
totem
totem
totem
totem
totem
totem
tando 
ser
eu
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ode
ódio
odisséia
tudo a mesma coisa...
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pessoalmante: quando você ama alguém que está sempre por perto
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não há descontrole onde existe afeto
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agora
eu sinto falta dissos
desses
dasses
desses dar-ses
desses lugares do tempo
esses lugares chamados saudades
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enterrei minhas lembranças 
em algum lugar por aqui
no tempo em que eu recordava e gostava: 
tinha faro, unhas e dentes
às vezes sinto um cheiro forte
não são as lembranças
sou eu
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às vezes o coelho supera o aço
às vezes o pelo sobre a lâmina
às vezes o fio sobre o corte
às vezes vamos todos cair
às vezes acidentes prováveis
às vezes a surpresa fatal
às vezes nada disso acontece
às vezes é só a espera
que padece
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