sábado, 20 de agosto de 2016

das ferramentas...

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"estava sentado 
perto de um poema
e ele me assustou:
haicai"
Julio Carvalho
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para Arícia

amores calmos
não deixam
rescaldos
amores calmos
são feitos de rios
calmos e alamedas
de silêncios
amores calmos
são amores
sem medo
amores calmos
não contém
fantasmas
nem
segredos

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daqui

pouco
vou
viver
mais
um
pouco
ou
mais
um
corpo

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Chacal












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absoluto
sou primordial
andando em vapor
e já rego a semente
e tiro duas anotações
das minhas costas
e sou tão triste
sou tão feliz
que dói
já meu ego
incendeia
em fragmentos diamantes
reais
preciosas
são algumas pessoas
feitas
de açúcares e hinos
para a cura da demência do planeta
queria ser diferente
neste trânsito de muitas peles
pregar o inevitável êxtase
sem ofuscar
a estrutura do canto
me refazer
fácil
reconstruir
como
um
poema

adaptado de Rita Medusa
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para Leandro Coelho

a caixa
me conserta
por fora
o estrago
que me fizeram
por
dentro
são
pregos
marretas
a serem
retirados
porradas
a serem
esquecidas
e madeirames
remendados
tenho
uma caixa
para consertos
de
corpo
cheia
de
alma
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‪#‎dialogos

com Vini Miranda

mais cedo é o tempo de cada um
cada um tem o seu mais cedo
ou o seu mais tarde
sempre
antes mais cedo
do que mais tarde
mas mais cedo dói mais
não deu tempo
de eu esquecer dele
completamente
completamente cedo então
exatamente
eu queria
completamente
sempre
esquecer dele
completamente
sempre esquecido mais cedo
ou nunca
teria
completamente
esquecido para mais tarde
dele
para
sempre
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orquídea

para Magda

descobri
porque gosto dessa flor.!
mesmo
sozinha
sem tanta rega
e cuidados
sozinha
no alto da árvore
ela floresce
maravilhosamente
a beleza
sozinha
no alto
também
acontece:
aprendo
a ser flor
sozinha
e
florescendo
sempre
do
alto
do mundo
acima das coisas
e pela beleza
de 
ser
tão 
rara
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liberare eos


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gosto de coisas
que me trazem
coisas
mas não coisas remotas
coisas imediatas
sensações de verdade
agarradas à unha
daquelas que você
não quer se ver
livre nunca
grudam na sua pele
e causam um arrepio
que parece
medo
mas não é
é vontade de não perder
mais aquele sentimento
que deu sentido
aquele momento
quando se vê uma obra
quando se lê
quando se beija
quando os olhares
não são só de
oi
bom dia
como vai
infelizmente
nesses momentos
o tempo não para
só a memória
essa gruda na pele
feito lástima
e quando esse pouco
é muito
e quanto mais rápido for
pode ser
que seja
feito
lágrima
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um poema
é um objeto
como qualquer outro
se qualquer outro objeto
for de tinta preta
papel branco
e pontas
soltas
de frases cortadas
em cortantes
dispondo
e expondo
palavras comuns
de forma incomum
capazes de lançar
e entrelaçar
vibrações
e outras ações
de fios de sentidos
como corpos
que não se tocam
mas suas sombras
se sobrepõem
traçando o contorno
ou quase
da possibilidade do
encontro
ou
não

releitura de
Luis Dolhnikoff - "um poema"

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apenas mar
aqui e em outro lugar
azul visível até
se perder de vista
são tantos azuis
que eu não consigo
decifrar

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qual
é
mesmo
o
nome
da
sua
atitude?
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sobre poema de Carlos Vogt


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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

das pedras...

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"peguei as palavras aleatoriamente,
como pedrinhas no chão durante a caminhada,
e as coloquei em linha formando uma frase bonita.
não dizia muita coisa, descrevia o óbvio,
mas tinha musicalidade e me remetia a um lugar fora do alcance da vista.
achei que era ilusão de ótica.
reli friamente, sem exageros e, mais uma vez,
meus olhos seguiram em frente, saltaram as palavras,
atravessaram a frase e foram parar lá longe
numa imagem viva e muito próxima de mim.
achei que podia ser poesia.
li em voz alta.
não desafinava.
troquei as pedras de lugar.
continuava bom.
o coração acelerou.
então a poesia está em tudo!
basta catar as palavras pelo caminho,
redondas,
pontudas,
pequenas,
grandes
e alinhá-las de forma
que os olhos vejam mais do que está escrito ali."

Catar Palavra - Marina Moraes
Água Para Visitas






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"minhas mentiras
jamais me
pertenceram"
Paul Auster

" o olho vê o mundo em fluxo
a palavra é uma tentativa de deter o fluxo
de estabilizá-lo
e no entanto persistimos 
em tentar traduzir a experiência em linguagem
daí a poesia
daí os enunciados da vida cotidiana
essa é a fé que evita o desespero universal
- e também o provoca. "

Paul Auster

"na impossibilidade
das palavras
na palavra não dita
que asfixia
eu me encontro"
Paul Auster
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I
de uma palavra tocada
como pedra
à pedra seguinte
nomeada
poesia
inacessível
palavra
ancorada
portando
o fardo
nos
olhos


II
são essas palavras
daquelas que não 
sobrevivem por muito
tempo
e dizê-las
é sumir
completamente
na falta clara
de algum
desejo

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eu como poeta
vezes em que fico tonto
com palavras de algumas
pessoas
tem gente que escreve
que faz isso com a gente
e usam as palavras certas
atingem quando
precisam
bem na testa
pra gente aprender
o que é encantar

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"ele não sabe o que é saudade. 
acha que é uma coisa boa, sinônimo de amor. 
porque não fala português, 
não entende que saudade significa sentir falta de uma coisa boa. 
que é a dor causada pela distância de alguém que a gente ama. 
e que não tem poesia, não tem arte, não tem beleza nisso, 
saudade é feio, quase um defeito que a gente carrega. 
fica a olhar-me achando graça na explicação. 
faço de conta que é uma questão de idioma 
e que ele sente saudade sem saber."

Tradução - Marina Moraes
Água Para as Visitas

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"levou meu coração na mochila junto com a garrafinha d’água e os livros. 
fiquei parada na plataforma sem sentir nada porque já não tinha coração. 
dizem que ele batia tão forte que chacoalhava a mochila 
e que todo mundo no trem tinha pena daquele coração fora do corpo, sozinho, 
procurando quem o quisesse. 
o dono da mochila, de costas para a agonia alheia, 
só sentia o peso dos romances que carregava fechados ali dentro. 
no final foi bom. 
morri longe de mim, 
sem dor nenhuma."

Partida - Marina Moraes 
Água Para as Visitas


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Marina Moraes - Água Para Visitas


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paixão em Minas
de onde vim
nunca entendi
é sofrimento
estar apaixonado 
pode significar
na linguagem popular
estar infeliz
“ele ficou apaixonado
quando cortaram
a quaresmeira
da frente da casa”
- a tia conta cheia de pena
e por um segundo
você acha
que virá
uma história de amor daquele caso
que acabou bem ali
na tristeza do vizinho
ou outro alguém
abandonado
qualquer um sabe
que as paixões
mesmo quando bem sucedidas
carregam o risco da dor
mas não acho que é daí
que os mineiros extraíram
o significado
pessimista da expressão
a pepita tão valiosa
da sua personalidade condoída
se tudo em Minas
é pesaroso
difícil demais
por que não estender
até suas montanhas
as paixões indevidas
para os tantos infortúnios
que a vida
cotidianamente nos traz
como o mesmo desconsolo
pela quaresmeira derrubada?

adaptado de Marina Moraes
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a luz dos homens avulsos

contemplando
a escuridão
pensando
como os homens
são atraídos
pela luz intensa
enquanto
temem
o breu total
talvez uma coisa
seja igual à outra
a luz solar
em contato
direto com nosos
olhos
por muito tempo
não acaba nos
cegando?
multidão de
olhos
fenda na retina
náufrago da imagem
do grande
o sem-imagem
ancorado
um bote de acontecimentos
de nós
e mercenários
chegamos entre cascalho
e asfalto
devoramos o pão
que veio conosco
pedaço de caos
da fome
fomos degraus
erramos
para a cegueira
já sabíamos
como nos respirar
em nada
mesmo assim
algo perdido
tornou-se
algo a achar
um nome qualquer
perseguido
na poeira
de todo esse desvio
jamais divulgou um som
esclarecedor
a montanha
foi o rastro
mais breve
devido ao seu tananho
e que levou uma dor animal
a se caçar até minha casca
toda noite
leio com o feixe de luz
em chagas
na parede do quarto
de um som
sons que escuto
e me oriento
à beira da densa
milenar
manhã
escalei-te de novo
um degrau qualquer
(queria que fosse mais humano)
onde todos os nossos ossos
começassem a bater
e bater
bater o coração-tambor
até
rasgá-lo

a luz está muito longe de mim
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um assassinato
no Paraíso

eu vou ao céu
e levarei seu nome
ele me servirá de guia
quando toda multidão gritar
e ouvirem-se tiros
e vou
num bater de asas
testar essas alturas
seu nome
batendo no peito
até onde meus olhos
fracos alcançarem
toda lembrança
onde você me teve
no ultra silêncio do
nosso ser
na janela dessa libido viva
é de lá que eu salto
sobrevoando
os viadutos
os mais altos
dos voos maiores
indo com o vapor nublado
pisando as nuvens que nos
sustentaram
nós dois e outros anjos
tempo contado pelas ampulhetas
mais sua voz
e suas canções
talvez já anunciando
a queda
infinita
saudade
nostalgia
desesperada
para onde vamos?
nos veremos de novo?
gritos de aves
gargalhadas de anjos
e os homens que não dormem
cantam com os pássaros
noturnos
latidos longínquos
saltamos por telhados errantes
almas sopradas
pelo vento
enquanto
outros pássaros
vão anunciando
a manhã
aqui no Paraíso
estou eu
sem rumo.
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por 
poucas

bocas

o esquecimento 
é uma espécie 
de liberdade
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não me sigam
estou com a alma
na beirada de um penhasco

a palavra medo
enroscada na garganta
o corpo invadido
por minúsculos
seres
vivos

não queira me invadir
um susto transformou
meus olhos em fel

mantenho um segredo
um jorro de choro guardado

e isso faz tanto tempo
que até o tempo
se contaminou

a pele absurda
pede ajuda
enquanto
a cabeça
surta
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eu malabarismo
rima
sem duvidar
da palavra
eu circo
inteiro
de
poeta-palhaço
feito
de abusos
e absurdos
quem me
equilibra
sabe
onde minhas
palavras
estão
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fico quieto
como quem trama
sua primeira palavra
falo alto
quando
tramo
um poema
por
dentro

é que muitas
palavras
incomodam
quando
rimam
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queridos amigos

pela benção
de poder ter vocês ao meu lado
queridos amigos
me ponho a brindar
por tanto viver
e por tanto andar
com o passo errante
da liberdade
quando me embriago
de abraços e lembranças
não sei o que me acontece
de querer chorar
então compreendo
que por mais que o tempo passe
conservo o tesouro
de nossa amizade
hoje faço um brinde e me embriago
por tanta coisa ter passado
e as alegrias das noites
das risadas e de só divagar
tantas madrugadas e algumas loucuras
que nem foi tão caro assim
o tanto a pagar
eu peço que quando a morte me levar
e vocês sentirem uma profunda vontade de chorar
chorem sabendo que eu tive sorte
de com suas amizades poder contar
até que as estrelas do céu brilhem
seremos amigos mesmo que o tempo apague
ou morram os relógios
ou que se queimem agendas
ou que se percam os sons dos nossos passos juntos
de novo
eu peço que quando a morte me levar
e vocês sentirem uma profunda vontade de chorar
chorem sabendo que eu tive sorte
de com suas amizades poder contar

tradução livre da letra da música
“queridos amigos”- Pate de Fua
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"la vida nunca estuvo tan difícil y corta pues
no te digo difícil por dificultad de lograr algo, 
pero difícil mantener el sentimiento de que uno sigue vivo
no se trata de sobrevivir, sino existir
y que carajos te pone seguro de que existes?
nadie lo sabe
quizás nadie nunca lo sepa
y eso es lo más triste"

Regis
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há dias em que gostaria de pensar em nada
a morte mata um pouco a memória dos vivos
e todavia claro e fotografo
coisas o tempo todo
caído não na terra 
mas no fogo dos olhos
e se houver dia
em que não pense
e nem veja mais nada
estarei contido
dentro
do
vazio
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há muita coisa que eu quero fazer 
e não dizer o que é 
há muita coisa que eu quero calar 
e eu sei o que é 
há tantas coisas 
que eu não sei o que são 
há muitas palavras
agarradas em mim
sem nenhuma noção
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todo silêncio
acorda em mim
palavras antigas
no silêncio manso 
desse agora
de minhas mãos
faço uma concha
para escorrer
a tristeza

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esse teclado
ainda morno
de minhas mãos
guarda minha assinatura
em vão
e o relógio
ignora
impiedosamente
as horas
de minhas mãos
algum sono
implora
de minhas mãos
a alma desce
os degraus
dos dias
enquanto isso
o silêncio
se esconde
entre móveis
e lembranças
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ando 
com 
tanto
medo
que piso de leve
para não assustar
os dias
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dia dos pais

nunca tive pai
tenho, o Sol
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poemas se engolem
em marés 
subma/rimas
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gosto de
amigos 
que 
captam 
estados 
de alma
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