terça-feira, 31 de março de 2015

das censuras...

.
"antes a cidade
tão vazia de gente
me fazia medo
pensava
só podia viver
das pessoas
vizinho de gente
agora
penso o contrário
já quero ficar sozinho
tenho saudades de ver
eu mesmo"
Julio Carvalho
.





















céu e areia

eu ontem
cortei os dedos
quase pulsos
por causa de um copo
vazio
meio cheio de tudo
esses sustos
fui obrigado
a catar cacos
dos vidros no chão
para não machucar
mas os cortes ficaram
ardendo
na pele
e hoje pela manhã
eu vi
essa fragilidade de vidro que vivo
eu tentando
catar
os pedaços
brilhantes
tentando não me cortar
como se
enxergasse
o único vício
era o indício
de um brilho
ou outro corte
nos pés
um copo
e um cálice
de medo
um corte
e um recorte
por dentro
eu sou
de pele
vidro
e de aço
vivo
.......................................................................

mar adentro
você me olhou com meus olhos de dentro
um olhar mais atento
mar ardendo
feito nossos
sais
.......................................................................

preciso de você
ando longe de mim
perto de você
me aproximo
.......................................................................

censura
prévia:
o que
ver
é proibido
falar
o que falar
é proibido
ver
obs
ser
ver
.

das propriedades...

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"Digo: o real não está na saída
nem na chegada:
ele se dispõe para a gente
no meio da travessia."
                           João Guimarães Rosa
.
































nada
é
por
acaos
......................................................................

preciso sarar 
dessa
trans
confusão
de
sangue
......................................................................

arrepio:
trauma
tezado
da cabeça
aos pés
......................................................................

seta-se
                         com Mariano Raffaelli

acertar com você
é um milagre
como um luxo do acaso
todo acerto é um acaso luxuoso
como alvejar o que você farejou
ou almejar o alvo pelo nariz
perceber
uma seta pelo gosto do arco
o acaso nunca erra
um alvo perfurado pelo acaso
é quando o outro
atravessado pelo acaso da seta
só acerta se o alvo coopera

(pausa)

o caso
acontece
quando o percurso
torna-se destino
entre territórios cambiáveis
por essas passagens
de terra e ar
experiências
de margem
histórias
e resistências
entre os vários sóis
nascentes e poentes
no meio do sol quente
aceita-se
acerta-se
liberta-se
plenamente
o suor
.

segunda-feira, 30 de março de 2015

das desconstruções...

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"diremos algo que nos emociona al recordarlo"
Lucas Lugones
.



























estado de fúria 
cão 
daqueles que ladram
e mordem
.......................................................................

Há mares que vem para bem
Há cais que vão além 
Há mundos que nos merecem
Há outros que esmorecem
.


domingo, 29 de março de 2015

das pontuações...

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"quer errar? erre. a literatura, dama fácil, 
aceita tudo. mas que o erro seja o sonho impossível do acerto, 
a troça  da língua sobre os gabaritos, 
a necessidade urgente da regra ruir, 
o inconformismo das palavras assalariadas, 
a trilha dos viajantes exaustos ou curiosos."
Noemi Jaffe
.
depois de existir



































não
me afaste
de qualquer caos
necessário
para uma
mudança
o caos entre o silêncio
a loucura
e a solidão
que me é dada
como fonte
de pensamento
ou qualquer
ódio
ou amor
ou revolta
que seja
de qualquer forma
a revolta
em sua forma
mais intensa
essa dança
meteórica
de membros
arrastados
até que se encontrem
em outra constelação
num instante
de cacos, ecos e gritos
nus
.....................................................................

quando em crise de identidade
questiono até
as minhas próprias
digitais
.....................................................................

veja bem
a que ponto e vírgula
as pessoas chegaram!
.

sexta-feira, 27 de março de 2015

das síndromes...

.
"Se eu fosse parar pra saber
o sabor deste instante
não iria jamais perceber
do que é feito o durante,

a carne de cada segundo,
minuto de cada poente
de que é feito este mundo,
sangue, esperma, poeira,

não ia jamais me lembrar
da trama da tarde, museu
onde moram as velhas horas,
nem o duro rosto deste outro
outono, matéria, mistério,
nem a memória, esse mármore
em fluxo, rugido em estéreo
de uma incessante cachoeira."

Rodrigo Garcia Lopes. "Império dos segundos". 
In:  Experiências extraordinárias. Londrina: Kan, 2014.
.









































syndrom*

tudo são 
introduções 
algumas construções
suportes que marcam
arranjos temporários 
de acordo com os
ensinamentos
ao meio dia
ao meio sol amarelo
queria 
ver o mar
aberto
dentro de alguém 
me embriagar da espuma
e me tranquilizar
estou sem mar
sem porto
e sem um rumo
devido
as ondas
que é o que tenho por dentro
quieto 
lento
atento
um fio de silêncio 
costurando
minando
o tempo
feito estrela
um homem cadente
na arrebentação 
numa tal noite
numa sal noite
o mar por um fio
d'água
costurado
eu desconfio
no cruzar dos caminhos 
esses
arranjos
temporários
verdades ou mentiras 
desqualificadas
procurando um solo
onde o coração 
possa voltar a nascer
desassustado
não fale disso
o susto atrai
tempestades
não acontece comigo
um simples caçador de ausências 
que olha 
tudo através de um semáforo 
siga
atenção 
pare 
pare
PARE! !
falta o verde do menino-eu
que faz versos
queria versos em todo artigo
em todo abrigo
minhas rimas
gentes e coisas
ficariam mais leves
seriam mais livres
um livro claro
sem perguntas
só respostas
só as respostas
me interessam
não quero gente
que me assuste com perguntas
ou a arrogância 
da pequenez das almas 
eu sou um homem do mar e da rua
não entendo essas
paredes
os outros que sejam demolidos
abolidos os ressentidos
e tristes de alma
não os assalto
nem me assaltem
eu sou de trigo
quando querem ser pão 
nem o diabo amassa essas almas 
não creio nisso
o inferno são os mortos
de coração 
não quero uma voz gotejando
já bastam meus dilúvios 
e as várias vezes 
em que queimaram meus olhos 
antes do choro
e ainda me pedem para
escrever regozijos
faz algum sentido
se o pedido 
vem de alguém aflito?
entre o caso
e o acaso
prefiro eu
escrever
de ilhas
e ir-me
para meus 
a_mares interiores
quando o outro
me pareceu amargo
não sou o navio
dentro da garrafa 
tomo meu banho
lavo eu mesmo meu cabelo
tenho cuidado ao abrir a torneira 
e não produzir dilúvios 
eu sou meu próprio mar
vermelho da cor que gosto
uma alma com cuidado
meus meio-olhos voltados
para alguma outra alma com cuidado
se ela existe 
resiste como a minha 
se reconstruirá
pela mutabilidade 
amorosa
a inconsistência do tempo
o fio do silêncio 
a importância 
das ondas
a imponência dos mares 
dos faróis 
dos sóis
(meu deus 
quantas luzes 
me cegam!)
e tanta escuridão 
sem dizer nada
homem satélite 
homem asteróide 
homem cadente
sempre desejando
insistentemente
(minha falta 
não é só 
de m_ar)
tenho que me acalmar
imediato
uma crise
após crise
após crise
o pânico
é estéril
mesmo de olhos abertos
.

*revisão de Fernando Schubach

terça-feira, 24 de março de 2015

dos verbos...

.
"Menor o receio
da mão que segura a faca
se ela própria existe.
Nada conta o metal
a lâmina
ou o cálice
Não anuncia reflexo,
o espelho

Não tecem contos
não contam 
os mortos, 
ou predizem o medo.
Mas é certo que virá.
É certo que veio.

Ousa a jaula
o cárcere 
cantar a liberdade?
E o animal?
O eu-animal
não arrisca em ti
um último fôlego?

Não te desespera
criatura do mundo
a lâmina e o cárcere?
então o que teme?

Se não o vazio,
o júbilo da vida?"

Lâmina e cárcere - Vini Miranda
.
Caixa Cultural



























existe 
sempre
um limbo entre 
o que o poeta escreve
e o que é apreendido 
um ósculo
um beijo secreto 
alguma inspiração 
absorta
algo que escapa
uma língua solta
uma invenção
um som vago
um entreposto emocional fluído
uma falha do poema 
incrustada 
em intervalos 
brancos
..........................................................................

o  verbo
é o meu projeto
a palavra
imolada
com todas as
suas possibilidades
vivas
como um colecionador
excêntrico 
exerço 
meu tenso
crítico 
um senso
inexplorado 
disperso
transvisível 
partindo
de
milhares
de exposições 
e descobertas
entre
as coisas
vivas
e outras
infinitas
..........................................................................

dois tons
                       para Eduardo Baulhouth

Eduardo 
teima
com olhos verde mar
mas a terra
escurece
o tom da sua luz
e os olhos de
Eduardo
se misturam 
no mar
tanto verde
e na terra
tanta luz
talvez 
seja a luxúria 
que cause
essa mistura
talvez seja a busca
de um amor
entrelaçado 
talvez seja mesmo
Eduardo
com o amor
atravessado
um cupido
aborrecido
ainda por descobrir
que traz aos olhos
de Eduardo
essas cores
esses homens 
anoitecidos
e seus desejos
encarcerados
.

sábado, 21 de março de 2015

das chuvas...

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"O que empurra as pessoas a se fazer analisar?

JL – O medo. Quando lhe acontecem coisas, 
mesmo desejadas por ele, 
coisas que ele não compreende, o homem tem medo. 
Ele sofre por não compreender, 
e pouco a pouco cai num estado de pânico. 
É a neurose. 
Na neurose histérica, o corpo fica doente de medo de estar doente, 
e sem estar na realidade. 
Na neurose obsessiva, o medo coloca coisas bizarras na cabeça, 
pensamentos que não podemos controlar, 
fobias nas quais as formas e os objetos 
adquirem significações diversas, e que dão medo."

Entrevista de Jacques Lacan a Emilio Granzotto
Publicada por Magazine Littéraire, Paris, n.428, fev/2004.
Tradução: Marcia Gatto
.
Tarde e chuva na Avenida Paulista









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matiz

quem te disser agora como cai
a tarde sobre mim
se engana
não sabe nada sobre
o céu, o sal do suor ou o sol
sobra uma sombra que sai do futuro
desse resto de sol em movimento
a mínima folha de árvore
que se despede
do galho
quando eu penso
nesse momento
a tarde apenas fala -
eu recolho
o silêncio
.....................................................................

Persigo São Paulo


Itamar Assumpção

Não, não
São paulo é outra coisa
Não é exatamente amor
É identificação absoluta
Sou eu
Eu nãao me amo
Mas me persigo
Bonita palavra, perseguir
Eu persigo são paulo
Eu persigo são paulo
Não, não, não, não, não.
São paulo é outra coisa
Não é exatamente amor
É identificação absoluta
Sou eu
Eu não me amo
Me persigo
Me persigo
Bonita palavra, perseguir
Em tudo que a sua etimologia sugere e confessa
Eu persigo são paulo
Não, não, não, não, não.
São paulo é outra coisa
Não é exatamente amor
É identificação absoluta
Sou eu
Eu não me amo
Mas me persigo
Bonita palavra, perseguir
Eu persigo são paulo
Eu persigo são paulo
Eu persigo são paulo
Eu persigo são paulo
Eu, eu persigo são paulo
São paulo sou eu
Pronto

terça-feira, 17 de março de 2015

dos discursos...

.
"Você vai encher os
vazios com as suas peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus despropósitos. "
Manoel de Barros
.
deletrando por Victor Nunes


























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(quero ouvir você)
                            para Fernando Shubach

falar mostrando
montando
desmontando
expondo
descascando
arrancando
pele
até ser
visceral 
nas tintas
desenhos
e rostos meio tortos
quadros
recados
poemas
emblemas
signos
saídas 
para a morte 
entradas
para a sorte
de poder 
ter
montar
expressar 
talento
como quem respira 
sopra
e o ar
vira
vento
...........................................................................

tem dia que nada escapa
é cada dor
é cada lágrima
é cada página
e tudo em branco
............................................................................

a saudade também tem cantos duros: 
trilha sonora de coração partido
cada lembrança cheirando a ontem
feito esse silêncio 
que badala 
na geometria do meu quarto
eu deito
para esquecer
mas o coração
é um órgão
sem boca
............................................................................

Zen = zero entre nadas
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das subidas...

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"Um pouco a dormir, um pouco a cochilar;
outro pouco deitado de mãos cruzadas, para dormir."
(Provérbios 24:33)
.

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Série de poemas com Fernando Schubach


me interesso pelas subidas
essas tantas 
que escapam de mim
viver a queda não é a saída
mas ela é importante 
mesmo assim
preciso falar das fraquezas
mesmo que não causem 
efeito de fato
subo
subo
com a palavra
único
amparo
do meu lado
por isso palavras amenizam
e depois grávidas 
semeiam outros degraus
subo
subo
e a escada
é concreta
círculos na garganta
e corrimãos
de sonhos
...................................................................

existe saudade 
que nunca passa
e já faz algum tempo
que a saudade
é minha casa
.

dos azulejos...

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"da realeza
não quero
um sangue azul
desbotado
porque eu só acredito
no vermelho
vivo."
Julio Carvalho
.
travessiazul - tinta acrílica sobre papel - Fernando Schubach









































azulejo

azul é o rosto do outro
azul é o gosto do outro
azul é o músculo do outro
músculo
mas do coração
que cada um acha que
é seu
é vermelho
não temos sangue
azul
então todo mundo
é plebeu
ou sair um pouco do chão
e voar
outro azul:
o do céu
ou um olhar azul
verdadeiro como o mar
calmo como
navegar
porque não interroga nem espanta
como um pássaro azul
de sangue vermelho
no peito
que 
voa até o céu
voa sobre o mar
voa e entende 
que o vermelho
é por dentro
e o azul
é do olhar
...........................................................................


a dobra azul das coisas - tinta acrílica sobre papel - Fernando Schubach



prisma

todo mundo encena
que é azul
encanta todas as cores
mas no fim do arco-íris
a verdade branca
é um pote de outro amarelo
e nada de vida 
azul
acontece 
que a mentira
é uma cor
egoísta
,