sexta-feira, 27 de março de 2015

das síndromes...

.
"Se eu fosse parar pra saber
o sabor deste instante
não iria jamais perceber
do que é feito o durante,

a carne de cada segundo,
minuto de cada poente
de que é feito este mundo,
sangue, esperma, poeira,

não ia jamais me lembrar
da trama da tarde, museu
onde moram as velhas horas,
nem o duro rosto deste outro
outono, matéria, mistério,
nem a memória, esse mármore
em fluxo, rugido em estéreo
de uma incessante cachoeira."

Rodrigo Garcia Lopes. "Império dos segundos". 
In:  Experiências extraordinárias. Londrina: Kan, 2014.
.









































syndrom*

tudo são 
introduções 
algumas construções
suportes que marcam
arranjos temporários 
de acordo com os
ensinamentos
ao meio dia
ao meio sol amarelo
queria 
ver o mar
aberto
dentro de alguém 
me embriagar da espuma
e me tranquilizar
estou sem mar
sem porto
e sem um rumo
devido
as ondas
que é o que tenho por dentro
quieto 
lento
atento
um fio de silêncio 
costurando
minando
o tempo
feito estrela
um homem cadente
na arrebentação 
numa tal noite
numa sal noite
o mar por um fio
d'água
costurado
eu desconfio
no cruzar dos caminhos 
esses
arranjos
temporários
verdades ou mentiras 
desqualificadas
procurando um solo
onde o coração 
possa voltar a nascer
desassustado
não fale disso
o susto atrai
tempestades
não acontece comigo
um simples caçador de ausências 
que olha 
tudo através de um semáforo 
siga
atenção 
pare 
pare
PARE! !
falta o verde do menino-eu
que faz versos
queria versos em todo artigo
em todo abrigo
minhas rimas
gentes e coisas
ficariam mais leves
seriam mais livres
um livro claro
sem perguntas
só respostas
só as respostas
me interessam
não quero gente
que me assuste com perguntas
ou a arrogância 
da pequenez das almas 
eu sou um homem do mar e da rua
não entendo essas
paredes
os outros que sejam demolidos
abolidos os ressentidos
e tristes de alma
não os assalto
nem me assaltem
eu sou de trigo
quando querem ser pão 
nem o diabo amassa essas almas 
não creio nisso
o inferno são os mortos
de coração 
não quero uma voz gotejando
já bastam meus dilúvios 
e as várias vezes 
em que queimaram meus olhos 
antes do choro
e ainda me pedem para
escrever regozijos
faz algum sentido
se o pedido 
vem de alguém aflito?
entre o caso
e o acaso
prefiro eu
escrever
de ilhas
e ir-me
para meus 
a_mares interiores
quando o outro
me pareceu amargo
não sou o navio
dentro da garrafa 
tomo meu banho
lavo eu mesmo meu cabelo
tenho cuidado ao abrir a torneira 
e não produzir dilúvios 
eu sou meu próprio mar
vermelho da cor que gosto
uma alma com cuidado
meus meio-olhos voltados
para alguma outra alma com cuidado
se ela existe 
resiste como a minha 
se reconstruirá
pela mutabilidade 
amorosa
a inconsistência do tempo
o fio do silêncio 
a importância 
das ondas
a imponência dos mares 
dos faróis 
dos sóis
(meu deus 
quantas luzes 
me cegam!)
e tanta escuridão 
sem dizer nada
homem satélite 
homem asteróide 
homem cadente
sempre desejando
insistentemente
(minha falta 
não é só 
de m_ar)
tenho que me acalmar
imediato
uma crise
após crise
após crise
o pânico
é estéril
mesmo de olhos abertos
.

*revisão de Fernando Schubach

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