sábado, 28 de setembro de 2013

das postagens...



"Vamos, dedique-se por inteiro
às aparências, às coisas propriamente
ditas. Procure frequentá-las,
trazê-las para dentro de si mesmo,
incorporá-las dia a dia,
a cada instante,
por mais irrisório/absurdo que pareça.

Pode ser, no entanto, que você
não resista o tempo todo
e, de vez em quando, se afaste
da consistência das coisas
e se deixe levar
pelo hábito de transformá-las
em encantamento ou profundidade.

Não se perturbe. Ao persistir,
voltaremos mais uma vez a elas,
imperfeitos e concentrados
- como no amor -, decididos
a alcançá-las, embora adivinhando,
e já pouco importa, que ainda
não estamos preparados."


MACHADO, Duda. Margem de uma onda. São Paulo: Editora 34, 1997.





e se um homem 
lhe parecer forte
à mão limpa
confundindo
delitos
com poesia
muita atenção
enquanto o poema dorme
a palavra foge
num sopro
e a inspiração
se esvazia
(dizem que a culpa é
da primavera)
coisas
do dia a dia
.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

dos calores...

.

"prefiro um verso livre 

do que um verso livro"
Julio Carvalho








eu gosto de gente que eu não tive culpa de gostar
...........................

quente viu quente vê
............................

as memórias
em bolhas
coloridas
de um tempo
breve

(em pausa)


as escolhas

por futuras que sejam
precisam
de medidas
incontáveis
de anos luz

porque não há um hoje que se negue

não há um destino que se pregue
na corda
na orla
do fuso
horário
presente
olha o ponteiro sobre a tela
do relógio em horas
a beira
da vida 
transborda

sete anos não são sete dias

e não se adia
uma constatação
de que se faz no tempo
uma confissão
nobre

a vida é cobre

em horas
.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

das citações...

.
"Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida"


Hilda Hils
t





canção natural do mundo

os dias passam ausentes.

não nos muros
o futuro, em disfarces
coube antipático sobre
a linha do horizonte às cinco ta tarde

os dias passam rápido

não no trem, não o ônibus, ou a espera
os dias, como os cigarros,
como a esperança,
como os cadernos de rascumho
acabam.

Fabiano Calixto

.......................................................

da rotina


varrer o dia 

que ainda resta pela sala
o dia que persiste
quase invisível
pelo chão
nos objetos
sobre os móveis da sala
varrer amanhã
o póde hoje
varrer
varrer hoje
(e domingo quebrar nos dentes 
o copo
e sua água de vidro
segunda, não esquecer:
varrer  todos os  vestígios)

Marcelo Montenegro
.

dos interesses...

.
"o que fui verdadeiramente
não interessa
ainda vão me marcar
por causa de uma frente
ou verso
que não pude evitar"
micro adaptado de Assis Freitas

































nude - Julio Carvalho


o poeta vê o retrovisor em 
vice e versos
o poeta desfaz as horas em que não há mergulho
nem piscina
o poeta quer recuperar aquilo 
onde a beleza fugiu do assunto
o poeta vê o improvável na feira dos sentidos
e um rasgar de peles onde a noite trocou de lua
o poeta constrói sua própria temporada de caça aos versos
e no meu caso
não sou um poeta de leve 
nem de leva e trás
sou um poeta que relevo
ou não
não revelo
o verso
em paz
.....................................

aprendi  a viver contando com vitórias provisórias
recuperando a arte de construir constelações
......................................

habito um corpo que gosta de novidades 
e que veste sempre 
essa roupa velha inventada de anos
.....................................

experi_mentes aguçadas

olha
eu amava assim por analogia
imitando a lógica dos dias
até que descobri o amor nos catálogos
de entrega
e nunca mais me soube 
de onde 
encomendar
.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

dos tolerâncias...

.
"a gente carece de fingir às vezes que raiva tem,
mas raiva mesma nunca se deve de tolerar ter.
Porque, quando se curte raiva de alguém, é a
mesma coisa que se autorizar que essa própria
pessoa passe durante o tempo governando a idéia e
o sentir da gente; o que isso era falta de
soberania, e farta bobice, e fato é."
Riobaldo
.



























.......
o amor 
peregrina
sem rumo
em meu corpo
vida adentro
.......
poeta é um caldo de gente
que decifra palavras 
e seus escuros
poeta é o coração do outro
terra que ninguém pisa
ninguém ousa
limitar o poeta de terras
distantes é olhar de preguiça de gato
como quem não espera nada
poeta odeia o ato de se dividir além das letras 
e valida o dia conforme o poema
poeta tem o cuidado de colar os amores trincados 
com rimas tão estranhas que amor acaba 
na porta do vizinho na beira da margem de lá
poeta anseia pelas primeiras águas 
atravessando imenso deserto 
com uma sede sem rumo
poeta se faz ao transbordar a vida
se faz lágrima e rola salgando o passado morto 
que dorme no canto da boca
poeta explica na faca o outro lado do corte 
e percebe que viver é legendar o mundo
........
no princípio
era o verbo
amar
que eu guardava
debaixo de muitas palavras
depois ele me escapou
para nunca mais voltar
e entendi
que amor é verbo
escorregadio
e volta
quando bem me quer
ficar
........
meus dentes
quebrados
por vários 
motivos
de
morder
vida
.

domingo, 15 de setembro de 2013

das an_danças...

.
"um dar a esmo
às vezes 
impossível"
Julio Carvalho
.








































a dança de dizer do fundo das coisas

o cheiro era do que?
madeira
limão 
bergamota da calábria?
nada intenso talvez
como  o hálito
precisei de silêncio para não significar
como o hábito
de ficar olhando além das coisas
estrelas, escalas e ritmos
só a dança acredita nas liberdades
e o corpo 
íntimo
ressuscita
se
.

sábado, 14 de setembro de 2013

das iluminações...

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"meu nó na garganta já não amarra nenhuma certeza"
adilma segundo alencar
.





































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primeira iluminação

a luz é uma projeção inevitável

corta o impalpável 
na borda do tempo
é um lugar maleável
é uma projeção da força 
dos dias

.
Eu acredito que o gesto poético é extremamente importante para qualquer civilização, 
porque o homem teve que prever, precisamente, quando inventou a palavra 
para cruzá-la com outra, o que isto iria se tornar. 
A ideia da ligação da palavra com a ligação poética 
surgiu provavelmente à medida que escrevia. 
No nível estrutural do cérebro humano o que existia inicialmente?
A ideia, o gesto ou ambos ao mesmo tempo?

.
Na poesia as formas se encaixam, se complementam como um quebra-cabeça gigante, 
que não difere da partição da vida. O poema é apenas um pretexto para a partilha. 
Ele é a linguagem universal que encarna um símbolo de esperança em um mundo incerto. 
O gesto poético não tem nenhum significado a menos que ele anime um espaço, 
que interpele um passante, que reúna em torno de si; resumindo, 
que ele nos mantenha vivos.
.

segunda iluminação

agora, uma palavra me tomou o corpo e engravidei de mar, 
o mar agitou o peito e amanhã vai ser de vento, furacão e tempestade. 
eu comi estrelas , eu comi estrelas.
.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

dos ares...

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"Entre as coisas e mim, o ar. 
Posso aspirá-lo, posso encher meus pulmões e suportar seu volume, 
a elevação sensitiva, a  overdose de realidade. 
Posso fazer isso, é claro, e resistir um instante, 
apenas um instante, a vertigem nos domínios do que apenas é, 
do que em si mesmo se basta em qualquer lugar invisível, 
tão convencida prepara seu desterro minha ativa corpulência! 
Mas não é a minha, não sou o sonho de um deus, sou líquido e tecidos, 
não quero outra expansão além do necessário suceder que me limita. 
Entre as coisas e mim, a vontade aferrada e o pensamento que afirma o possível.
Não quero deuses aqui entre o seu corpo e o meu, quero o percurso natural do abraço, 
quero apenas isso, o ar de sua voz em minha voz, 
tormenta e repouso e nosso riso que brinca."
AR - Luis O. Tedesco










































Sombra de Arte - foto de Julio Carvalho

QUARTO
A posse irreal de um quarto, seu traçado e o espaço que o contém, 
exige de você uma firme cisão entre vida própria e vida circundante.
Não se olha o terreno próprio como se olha o dos outros. 
Há intranquilidade, receio, e uma alegria nervosa 
que diante da menor contrariedade se transforma em angustiosa introspecção. 
Não se preocupe. Com todo mundo acontece algo parecido.
Tudo é tradicional em torno de: três paredes iguais e uma terceira parede com uma porta. 
É assim algo como um caixão de mortos com um cimento
colocado sobre o perímetro silencioso da subjetividade. 
Deste modo, qualquer intromissão de vida circulante, 
antes de ficar nos seus domínios, deixará sinais, marcas indeléveis, 
o descuido memorioso de outro corpo. 
Mas não se assuste se nos dias de chuva forte, 
o barulho lá de fora for muito grande. 
Você é o dono e as paredes o protegem, tão perto quanto possíveis, 
tão compactas quanto seu medo, 
tão astutas como o seu desejo de ser alguém.
Adaptado de "Cerca" de Luis O. Tedesco

peripécias do não
o não é pior que o talvez
e pior que o sim
mas o não é confortável 
porque estabelece o fim
e acaba com a 
angústia
o sim e o talvez 
são ditos
assustadores
responsáveis pelo
- o que eu faço agora?
o não é um alento
um descanso
um apagador de tudo
um recomeçar.
um talvez ou um sim
dão muito trabalho
.

dos Ma-teus...

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"O oposto da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade, e minha vida, enquanto escrevo isto, é vital, mesmo quando triste. Posse acordar de novo sem minha mente em algum dia do próximo ano: provavelmente ela não ficará por aí o tempo todo. Enquanto isso, porém, descobri o que tenho que chamar de alma, uma parte de mim que eu jamais teria imaginado até o dia, sete anos atrás, em que o inferno veio me visitar de surpresa. É uma descoberta preciosa. Quase todo dia sinto de relance a desesperança, e cada vez que acontece me pergunto se estarei me desestabilizando de novo. Por um instante petrificador aqui e ali, um rápido relâmpago, quero que um carro me atropele e tenho que cerrar os dentes para continuar na calçada até o sinal abrir; ou imagino como seria fácil cortar os pulsos; ou experimento famintamente o metal do cano de uma arma na boca; ou fantasio dormir e jamais acordar de novo. Detesto essas sensações, mas sei que elas me impeliram a olhar a vida de modo mais profundo, a descobrir e agarrar razões para viver. A cada dia, às vezes combativamente e às vezes contra a razão do momento, eu escolho ficar vivo. Isso não é uma rara alegria?"
Final do livro O Demônio do Meio-dia – Uma Anatomia da Depressão, 
de Andrew Solomon










































Mateus
para onde foram
os teus
do teu nome?
é meu dever te avisar
que não foram os primeiros
e nem serão os últimos a retardarem a marcha
esperei-os no ponto
eles não foram depois
Mateus
os teus te desafiam
e correm o cuidado
de mofar sua pessoa
capaz de te deixarem ao relento
a passo de tartaruga
os teus
se vão - menos
eu
os meus
meus Mateus
não passam
.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

dos desligamentos...

.
"sete vidas 
com dois olhos
e um rabo
são quantos os gatos 
em exposição?"


o gato da casa ao lado - Julio Carvalho























pequeno poema pela manhã:

todos os silêncios são um só
o silêncio e nada responderão perguntas feitas à noite
o silêncio será sempre a longa transformação da palavra
o silêncio será o sono

.
.
você não precisa viver assim
- num mundo intacto
.

fim de vela
aconteceu
quando muito fogo
e restou a cera
de precipício
houve um calor
durante a chama
que agora só a cera fria
lembra
.

cuidado com os Impulsos de cobiça 
e falta de caridade 
que jazem perto demais do coração...
.

a noite em meu quarto escondida 
me obrigava a engolir a solidão 
e eu odiava a necessidade de engolir
.

on/off

amar é verbo concreto
e se conjuga
úmido e ereto
e muitas vezes respira
por aparelhos criticos
feitos de nervos
eletrificados
á flor da pele
amor é a cerca elétrica
desligada
fica assim
intacta
até o próximo
interruptor
aceso


(daqui em diante)

este cara pifou
cansou de gente que não resolve
os spams indeletáveis 
da vida real
este cara pifou
e não vai  resetar
nenhuma vontade besta
porque de besta a vida já fez muito dele
este cara pifou
e de verdade
só vai religar
novamente
em modo de segurança
.

às vezes eu tenho vergonha de pensar 
porque eu vejo o pensamento nu
e não sei que roupa de ideias
coloco
nele
.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

das entradas...

.
"tenho teoria
na ponta da pena
e pedra na palma
da mão"




































porta de Magda - photo by Julio Carvalho


quem é que quer flores depois de morto?
eu quero cinzas
eu quero rimas
em cada pétala
da vida
que tive

.

a vida é dela!
a vida é sela!
a vida é fera!
e o cavalo

é a força
e o coice 
é a rima!
.
isso de vida e morte
esses nuncas 
esses poréns 
esses porquês

.