sábado, 24 de dezembro de 2011

dos espólios...

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‎"os poetas fuzilam pétalas,
metem balas, riscam solidão.
os poetas atacados
de revolução."

Romério Rômulo
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blood_falls
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relicário

você prefere viver
como poeira
ou como vento?
quero selecionar
as mentiras inventadas
que eu sei
que aqui
a todos interessa
uma segunda vida
necessária
mas que infelizmente
não existe
santificado
seja o meu
seu nosso
outro modo
de viver
aqui onde
não se encontram
vestígios
de todos os outros
meus seus nossos dias
perdidos
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

dos mergulhos...

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"se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro
volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
eu morro de desdém em frente dum tesoiro
morro à mingua, de excesso."

a queda - Mário de Sá Carneiro.
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falling_sunset_double
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poetography

escrevia pra abafar a angústia de ser humano pela metade. o poeta antes de tudo ecoa.acordava com pouca alma e dormia com o coração apagado. jogava dardos pro alto, sem alvo. nutria-se do os que desertos ainda retinham de água. procurava oásis pra vencer tudo aquilo.arquitetou alguém, ainda que seja chuva provisória onde brincava de não se molhar.notava nada de novo no silêncio líquido do barco, mas era melhor passar ali que boiar em um campo distraído qualquer. passou um tempo só pensando nisso. desistiu. tinha mais água nos olhos que no mar além. preferiu as águas. mergulhou.
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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

das espadas...

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"Et tuam ipsius animam pertransit gladius..."
São Lucas, II, 35
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parede dói
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desvios
para Natália

esperança e fé
são palavras rarefeitas pra mim
são como nuvem, vapor, poeira e pó
quase irrespiráveis
como a poluição dessa cidade grande
como a imposição dessa cidade grande
e das gentes que desanimam
mas tem um outro lado
que dizem esperança
bem no fundo esperança
se ajuda eu não sei
mas é necessária
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poemágua
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

dos manuais...

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"A palavra amor anda vazia.
Não tem gente dentro dela."

Manoel de Barros
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desasas
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manuais de barros

quero a poesia cuidada em dom de árvore

(faz toda diferença entre permitido e permissível)

tenho dores em pontas de faca e agudezas no peito em flores

daqui minha janela me permite nuvens

entendo o sol como alimento e as pessoas como coisas apaixonadas

(sentia um medo inteiro das correntezas dos rios

mesmo assim pulava entre as pedras

o sorriso era o outro lado)


entendo a melancolia como um passeio por dentro

ainda conto as árvores como pássaros e raízes como asas

tive três escolhas na vida: viver, viver e viver... optei por todas...

(quando mais novo, vivia fugindo e dormindo em pastos

era meu jeito de dizer bom dia às estrelas)


poesia é voar fora de casa. sair pra rua sem rumo

(tive pouco mas tive tudo

o mais de fora era o que contava)

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

dos modelos...

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"...parar de pensar nos erros e começar com acertos..."
Julio Carvalho
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vitruvian originalvitruvian modern
vitruvian modernvitruvian original
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o homem moderno
fez a cópia errada
do homem modelo
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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

das criaturas...

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"Quero lhe implorar
Para que seja paciente
Com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar.
As perguntas como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira.
Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las.
E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora.
Talvez assim, gradualmente, você sem perceber, viverá a resposta num dia distante."

Rainer Maria Rilke
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O cheiro de todas as criaturas

Eu nunca sei quando as histórias acabam. Por isso sempre fico preso entre uma e outra, ou entre nenhuma e nenhuma outra; entre um recomeço sem fim e um fim sem término.
Por isso prefiro nem acabar os anos. No ano passado esperei muito. Obtive um nada e um outro modo de viver que não era nem de perto o eu esperava. Esperava dias melhores e só tive desvios. Agora espero portas e almas entreabertas. Olho pelo buraco da fechadura com medo. E vivo a vida com algemas leves. Muitas vezes tenho vontade de me livrar delas.
Talvez tudo aconteça assim por eu ser mais espectador ou coadjuvante, do que protagonista da minha vida. Tenho essa enfermidade de não dar conta de quando alguma coisa acaba.
A noite chega, as pessoas se aproximam, tomam seus banhos e eu continuo lá: com a vida na cabeça. Tudo muito pensando aguardando alguma deixa. A deixa que nunca vem.
Sempre tive medo das coisas e das pessoas. Um pavor e uma falta de fé muito grande. Talvez por isso eu tenha criado minha própria companhia, onde anoto, escrevo; edito; e finalizo meus textos solitariamente. Escrevo só para mim uma tragicomédia poética.
A realidade me faz tão mal e me deixa tão fraco que fico, no fundo da vida, muitas vezes, a sussurrar poesia a mim mesmo. Às vezes não ouço. Quase sempre não ouço, porque sussurro baixo e minha voz é trêmula… Quem lê não entende, e logo, não responde.
Eu, furioso, me escondo de todos: do leitor; dos conhecidos; dos estranhos… Expulso todo mundo e ateio fogo a tudo. Eu sempre adorei o fogo como resposta. E ali dentro fico eu, junto aos pensamentos, remoendo tudo incendiado. Incandescente por dentro: queimando, queimando, queimando…

Livre adaptação de “O fim da estória” de Alejandro da Costa Carriles
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dos fluxos...

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"quero uma porta entreaberta, mas só o necessário.
quero ver sem ser visto, entrever as coisas, saber cada vez menos.
quero cada vez mais portas entreabertas.
não por proteção, mas por delicadeza."

Julio Carvalho
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poema com todos os vícios

viciado em muito
viciado em sorte
viciado em jogo
viciado em corpo
viciado em homem
viciado em mulher
viciado em esporte
viciado em telefone
viciado em internet
viciado em chiclete
viciado em cocaína
viciado em esquina
viciado em heroína
viciado em codeína
viciado em morfina
viciado em tráfico
viciado em droga
viciado em estricnina
viciado em carne
viciado em arte
viciado em livro
viciado em capítulo
viciado em papiro
viciado em tiro
viciado em arma
viciado em moda
viciado em foda
viciado em música
viciado em vídeo
viciado em virgem
viciado em peixes
viciado em aquário
viciado em tempo
viciado em horário
viciado em viagem
viciado em coragem
viciado em corte
viciado em morte
viciado em pó
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viciado é pouco
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

dos passos...

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"às vezes o corpo dói
e é por dentro"

ondjaki
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mirror
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passo dado é passo

o homem caminhava
entre a crença e o espanto
pela beira do indizível
a verdade vivia acesa
apenas entre seus ossos

o homem caminhava
à margem dos outros homens
entre sonho e solidão
entre o único resto de mar que tinha
para se transbordar

o homem caminhava
em azul na maresia
em busca do encantamento
da palavra salgada
entre a mão inquieta e o corpo em cio
na madrugada

o homem caminhava
antes que chegasse a noite
mas o peso do seu castigo se arrastava
sob o sal dos seus olhos
não descansava

o homem caminhava
sem saber nada
não desabava
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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

das reedições...

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"O fim está no próximo."
Julio Carvalho
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no way
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por um fim
reedit

o fim está próspero com o esquecimento global
por isso eu prefiro um virus de grife
que mata todo mundo bem vestido
e coloca num caixão chanel
com botão de cinema bunuel
e caixa de presente em tom pastel
a torre de babel fica no seu pé
e qualquer língua já vale o que é
algum problema aqui na renderização
e não tem quem aguente mais poluição
cd dvd pirata em promoção
mais um problema de comunicação
não transparelho o que pareço
e não tenho preço no varejo
eu vejo um outro dia assim atrás de mim
não tem mais jeito não
o mundo vai acabar
e eu pagando o mesmo preço
feito um cão

Julio Carvalho (1 de junho de 2010)
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dos distanciamentos...

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“Ninguém pode pois escrever sem tomar apaixonadamente partido
(qualquer que seja o distanciamento aparente de sua mensagem)
sobre tudo o que vai bem ou vai mal no mundo.”

Roland Barthes
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videovisãoavisoávido

estranhamentos no que se vê
estranhamentos no que se ouve
estranhamentos no que se sente
estranhamentos na ansiedade
estranhamentos da sociedade
estranhamentos na saciedade
estranhamentos tais que causam
estrangulamentos
em pescoços remotos
e os terremotos internos
encontram-se em
cada vez mais infernos
a mais
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dos arrastes...

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"Cada qual tem um gosto que o arrasta."
Virgílio
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populi diversity
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o gosto
o gosto do outro
o gosto do outro que se discute
que se anima quando se gosta
que se precisa quando se falta
do cheiro do outro
que resiste
na boca
na língua
na hora
deixa o gosto da coisa toda

mas o mal é
o líquido e certo
pouco
que todo mundo
toca e
nunca
tem
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domingo, 4 de dezembro de 2011

dos desconhecidos...

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"Existem barreiras tanto fisicamente quando afetivamente entre nós
e as pessoas que nos cercam e me fez pensar em como construímos mundos particulares,
inacessíveis muitas vezes, cujo acesso só pode ser descoberto por um momento de decisão...
Por um salto no desconhecido."

in Amor Wabi Sabi
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as coincidências precisam ter um fim*


Falo como qualquer um...
A coisa precisa ficar séria.
Estive muito sozinho, mas nunca vivi sozinho.
Teóricamente.
Quando eu estava com alguém, me sentia feliz...
Mas, ao mesmo tempo, tudo parecia coincidência.
Aquelas pessoas eram meus pais, mas poderiam ter sido outras.
Por que esse rapaz de olhos castanhos é meu irmão
E não aquele de olhos verdes, do outro lado da rua?
O filho do balconista era meu amigo
Mas eu poderia igualmente ter colocado o braço
Em torno do pescoço de um cavalo.
Estive apaixonado por várias vezes.
Eu poderia igualmente ter abandonado qualquer paixão
E partido com qualquer pessoa que passou por mim na rua.

Olhe para mim ou não.
Me dê a sua mão ou não.
Não, não me dê sua mão, desvie o olhar.
Hoje é noite de lua nova
Noite muito tranquila
Sem derramamento de sangue pela cidade.
Raridade
Nunca brinquei com ninguém
Apesar disso, nunca abri os olhos e disse: “Agora é sério”.
“Finalmente é sério”
Assim, fiquei mais velho.
Era eu o único que não era sério?
O tempo não tem nada de sério?
Nunca fui solitário, nem quando estive sozinho nem acompanhado.
Mas eu teria gostado de ser solitário.
Solidão significa o seguinte: finalmente estou inteiro.
Agora posso afirmar isso, pois hoje me sinto solitário.
As coincidências precisam ter um fim.
Lua nova das decisões.
Não sei se existe destino, mas existe decisão!
Decida!
Nós agora somos o tempo.
Não apenas a cidade, mas o mundo todo
Tem parte na nossa decisão.
Agora nós dois somos mais do que dois.
Encarnamos algo.
Encamamos algo.
Eu estava no meio da praça
E a praça esta cheia de gente que deseja o mesmo que eu.
Estamos decidindo o jogo de todos.
Estou pronto.
Agora é a sua vez.
O jogo esta em suas mãos.
Agora ou nunca.
Você precisa de mim.
Você vai precisar de mim.
Não existe história maior que a nossa
A história de duas pessoas juntas.
Será uma historia de gigantes.
Invisível, contagiosa
Uma historia de novos ancestrais
Veja os meus olhos
Eles são o retrato da necessidade
Do futuro de todos que estão na praça.

Ontem a noite, sonhei com alguém
Com alguém que eu amaria
Apenas com esse alguém eu poderia ser solitário
Me abrir totalmente.
Receberia esse alguém como como um ser inteiro.
Envolveria num labirinto de felicidade partilhada.
Eu só não sei quem é.

Esse alguém diria que
Algo aconteceu.
Ainda está acontecendo.
Me prende.
Foi verdade à noite e é verdade agora, neste momento.
Quem foi quem?
Estive dentro de algo em volta de mim.
Quem nesse mundo pode dizer que já esteve unido a outro ser?
Eu estou unido.
Nenhuma criança mortal foi concebida
Mas sim um quadro imortal compartilhado.
Aprendi sobre estupefação esta noite.
Alguém que me levou para casa, e encontrei o meu lar.
Aconteceu uma vez.
Aconteceu uma vez, portanto vai acontecer.
A imagem que criamos me acompanhará quando eu morrer.
Terei vivido em seu interior.
Existe somente a estupefação entre nós dois.
A estupefação entre duas pessoas me tornou humano.
Eu agora sei
O que nenhum anjo sabe.

*Adaptado de "Asas do Desejo" de Win Wenders
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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

da preguiça...

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"bom humor é mito
o fato é que eu não vivo sem ele
então
vivo de um mito"

Julio Carvalho
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fogo dobrado
fogo dobrado
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fogo dobrado

tenho preguiça de gente que fala sobre o amor
que nem água
tenho preguiça de gente que fala
quem fala não faz
quero fazeres
aconteceres
com ou sem amor
tanto faz
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terça-feira, 29 de novembro de 2011

dos engasgos...

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"Podemos estrangular os clamores,
mas como vingarmo-nos do silêncio?."

Alfred de Vigny
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shameless
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um lance de idéias

ou então um gole
ou meio
intragável
não há garganta que o mereça
se esconde
entre os dentes
enrosca de vergonha
mas é tarde
a boca engasgada
justifica
o sim
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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

dos downloads...

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"Somos amigos em pólos confusos da paisagem,
mas com as sombras intrincadas na mesma moeda.
Amigos além da linguagem do agora."

João Pedro Wapler
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Click Here To Download

no princípio era o download
era o crime
a pirataria
não se roubavam corações
e as essências eram mais fáceis
hoje tudo é mais complexo
as coisas vivem dentro de nuvens
busca-se o invisível
guarda-se o transparente
antes era a distância
hoje a distância é só um detalhe que nos habita
então
agarre urgentemente o tempo que nos resta
e transforme-o finalmente no que ele é:
um instante
breve
de nuvem
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terça-feira, 22 de novembro de 2011

dos ajustes...

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«Fica só com o verso, segue a vida com o acréscimo do sonho que dele nasceu, leio-o sempre, a obra toda!
Não o tenha para si, pois ele é a própria asa, pois ele se dissolve se preso,
pois ele se escorre quando atado, pois ele desaparece, se for pego.»

Betina Moraes
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roses are man
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caminho não tem hora
inspirado por Leonardo B.

o tempo de mudança está adormecido
não quero um ajuste de contas
nem um sair de cena
repentino
só preciso andar
senão definho
uso aqui as letras todas
para dizer o que pouca gente entende
e um outro resto de gente ignora
porque não sente
ou não sabe
ou tem preguiça
de entender

(a preguiça de entender qualquer poesia
pressupõe falta
do mínimo sentimento)

cansado de ouvir que sou louco
deixo agora de lado o cansaço
e assumo a loucura
definitivamente

é hoje a minha loucura
a vida inteira

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domingo, 20 de novembro de 2011

das insistências...

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"o poeta inscreve
no cristal vivo dos teus olhos
a breve palavra amor

o vento vem
e apaga"

Inscrição - Roberto de Oliveira Brandão
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red love
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Nada de Poema de Amor

há muito tempo já que não escrevo um poema
de amor
e é o que eu sabia fazer com facilidade
a minha natureza
mineira
tinha essa humana
graça
feiticeira
de tornar de cristal
a mais sentimental
e sem graça
bebedeira

mas que vou envelhecendo
e ninguém me deseje apaixonado
ou que qualquer antiga paixão
me mantenha calado
o coração
num íntimo despudor,
— há muito tempo já que não escrevo um poema
de amor.

Transcrito e adaptado de Miguel Torga, in 'Diário V'
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das existências...

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‎"Ser forte é parar quieto; permanecer."
Guimarães Rosa
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alma
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sobrevivente
é aquele que faz poesia além do poema e insiste nisso
sabe também que faz isso por acréscimo e não por vontade
(desconfio que escrevi um poema)

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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

das traduções...

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imprint text
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outro infinito

quando falo de começo falo de um lugar onde quero estar
falo de procura
falo de um jogo
o jogo da procura de qualquer movimento
o movimento que acontece
que transforma as coisas
por exemplo
a palavra sozinha não diz muito
a palavra desejo não diz muito
desejo sozinho não diz muito
é preciso do outro para acontecer o desejo
sozinho também não acontece
é preciso de outros aconteceres
é preciso encontrar o movimento com outro
nada se move sozinho
nada se encontra sozinho
nem o desejo
nem o outro
nem o desejo do outro
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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

das montanhas...

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"Dobrei o oceano e guardei na caixa. O grito!
Só Deus entende que as coisas miúdas existem enquanto o mundo segue vasto.
Por isso me emprestou a caixa dos segredos e pediu que eu guardasse
mil pedacinhos de beleza - todos os que eu visse"

Carla Jaia
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bosque color
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SOBRE O POBRE J.C.
Adaptação do original SOBRE O POBRE B.B. de Bertold Bretch (reeditado)

Eu, Julio Carvalho, sou das montanhas verdes.
Minha mãe me trouxe para o mundo
Dentro do ventre. E o frio das montanhas
Estará comigo ao me cobrir a laje.

Na cidade de asfalto estou em casa e a caráter,
Com todos os últimos sacramentos
Ministrados: jornais, livros, vinhos:
Desconfiado, descrente e insatisfeito.

Sou amável com os outros.
E visto minha roupa como todo o mundo.
Digo: as pessoas são bichos de cheiro esquisito
Entendo: e daí? Também sou, no fundo.

Às vezes, nos lugares que experimento,
Coloco algumas pessoas num lugar,
E digo: em mim vocês têm, eu garanto,
Alguém a quem não podem alegrar.

Algumas tardes me reúno com amigos.
Tratamo-nos com respeito, então.
Eles dizem, com os pés à minha mesa:
As coisas vão melhorar. E não pergunto: quando.

Na madrugada cinza, postes mijam
E piam os pássaros, que são seus vermes.
Na cidade, meu copo se esvazia,
Largo um livro e durmo um sono leve.

Assentamo-nos, uma geração leviana,
Em prédios que quiséramos indestrutíveis
(assim construímos os arranha-céus em todos os lugares
E os grandes satélites sobre o Atlântico a nos divertirem).

Destas cidades ficará quem as atravessou, o vento!
A casa faz feliz quem nela come: quem a esvazia.
Sabemos sermos efêmeros
E que depois de nós o que virá será sem valia.

Nos terremotos futuros, que não seja meu destino
Deixar por amargura o meu lugar se apagar,
Eu, Julio Carvalho, largado nas cidades de asfalto,
Vindo das montanhas verdes, do ventre da mãe,
quarenta e seis anos atrás.
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dos locos...

‎.
"Todas as coisas já foram ditas,
mas como ninguém escuta
é preciso sempre recomeçar"
André Gide
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astro vire
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in locos

tenho medo de algumas respostas
de qual será ela
de ela não vir

a vida, solidão, toda impotência
caminha numa pele delicada
onde ela rasga a carne arrancada
a demonstrar ao mundo sua carência


aceito o sono insano dos loucos como sendo sempre uma primeira vez de tudo
experimento muito porque do pouco não se aproveita nada

eu quero andar rico de novidades

o diabo, quando não vem, manda a insônia

Mateus não dorme.
Porque não dorme Mateus?
Mateus está vivo.
Tão vivo quanto a sua insônia.
Mateus está dentro do sonho.
O sonho de Mateus não acorda.

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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

dos adiantamentos...

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"O mal da ficção é que ela faz sentido demais.
A realidade nunca faz sentido."

Aldous Huxley
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la piel
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lovers written

assim começo
de trás pra frente
descrevendo
alguma parte do amor
escrevo porque não conheço outra forma de amar
ainda que posso não estar diante de nenhum amor
espero um dia que todas as minhas palavras
internas ou não
estejam prontas para tamanhas mãos e abraços
que todas as minhas letras merecem.

meu corpo sabe até onde ele pode escrever
os rostos são essas páginas procurando letras
quero um livro gente que bem tem que merecer
meu universo inteiro de poesia

ando mais adiantado nas letras que no amor
.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

das névoas...

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"Art is a guaranty of sanity."
Louise Bourgeois
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beauty altar
foto: beauty altar by Julio Carvalho
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neo névoa

diziam que
antigamente
reaprendia-se o amor
no andar das carruagens
agora
é no teclado

muito rápido
aprende-se
a desamar

os rituais do corpo substituídos
beijos por mensagens
abraços por desejos
virtuais

o amor em nuvem
por aí se perdendo
numa densidade
de névoa

não há vestígios de quem espera amar
online
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das formatações...

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"Aos olhos do dragāo, Sāo Jorge era um monstro."
Julio Carvalho
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violence blood
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tragédiometria
Julio Carvalho & Roberto Laplagne

ando
em círculos
pelos quatro cantos perdidos
do mundo
procurando os pedaços com
um triângulo
atravessado
na garganta

percorro quadriláteros
buscando metáforas geométricas
para dizer de forma reta
sem ser quadrado
onde está retangulada
alguma resposta
concreta
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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

das navegações...

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"velar o que não se revela a ninguém."
Paulo Neves
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sea lovers
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naveg_antes de ontem

enquanto o corpo fosse tela em branco vivíamos água de aquarela
a tinta líquida que escorria pela pele ainda visível depois do orgasmo
inventávamos desenhos com nossos desejos
até que de tão intensos
ficavam marcados
nos braços largados em ondas do mar após amar

(sobre a mesma pele pintávamos tatuagens de gozo)

encontrávamos em cada dobra do corpo um sentido novo
vindo junto com o cheiro de um perfume breve

(um perfume do mar de amar a maresia)

existíamos dentro das explicações entre as leves mordidas
as mãos deslizavam com incoerência
até que perdidos o corpo a tela o braço e as dobras
nas águas nas aquarelas daquelas
restava
o vento nas velas aqui fora nas têmporas

(até então era só o que se ouvia)

enquanto soprávamos os sonhos
o barco do dia
corria
ninguém sabia que quadro pintava
nem se interessava
em saber

(o único cuidado que queríamos ter é o de não acordar)

e cuidávamos um do outro como se soubéssemos
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sábado, 5 de novembro de 2011

das tramas...

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"Quando escrevo seguindo o coração,
quase tudo me sai bem;
quando escrevo atendendo à cabeça,
não me sai praticamente nada."

Julio Carvalho
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reunion red txt
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tramadrama

poesia não é defloração
poesia é o verso à pele
poesia é a ebulição da palavra quente

despertem poetas
sangrem o círculo dos desejos
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dos inversos...

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"De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido"

Oração ao Tempo - Caetano Veloso
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just_in_time_animated
by ANATOL KNOTEK
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isósceles

quero almas gêmeas ao contrário

um tempo invertido mais divertido
quero o incomum e o inexistente
quero mudar o que todo mundo sente
da paixão à alegria
da causa à consequência
perder a consciência e trazer confusão como troca
fazer tristeza + derrota = amor em todas as somas
fechar todas as portas e abrir janelas com maçanetas
andar descalço sobre espinhos lisos
pular com com uma asa quebrada do alto de um edifício
desmarcar compromissos
dar um sumiço
imaginariamente
matar os chatos, culpados e cínicos
pensar de trás pra diante
e seguir em frente
de um outro jeito
diferente
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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

dos tecidos...

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"Queria um tom de pele que fosse música."
Julio Carvalho.
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2001_wing
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branco
o estranho tecido da pele
brinco
a pele é nua

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das frações...

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"Minha felicidade vem de véspera."
Julio Carvalho
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speed-of-life
foto: speed of life by Benjamin Alexander Huseby
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ANÁTEMA

sou doável em imperdoável analgesia
sofro a dor crônica dos amantes não correspondidos
dos telefonemas sem resposta
da aposta do último centavo quando o jogo deu errado
do último segundo quando a porta do trem fecha
da última olhada
da última chance
da última palavra
do último espaço de tempo significativo entre duas pessoas

me doo a todos eles
a esses momentos de quase ganho
quase orgasmo
quase engasgo
quase fruto maduro que caiu antes da hora

me doo todo a esse último fio breve de resposta
que muitas vezes sustenta uma vida inteira
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terça-feira, 1 de novembro de 2011

dos voos...

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"Vou de A a Z numa palavra:
AvidainteiratemveZ."

Julio Carvalho

factory 02

monólouco

quando era mais novo
tinha a cabeça nas nuvens

hoje
tem a cabeça de vento
soprado pelas ideias mais abusadas

hoje
não se assusta
traça a vida em pedaços
navalhando a morte

hoje
ergue a chuva
para molhar o chapéu

hoje
rente às nuvens e o vento
prefere
o voo
enlouquecido
do pássaro mais alto


só vai parar de voar quando sentir o gosto de alguma ilha deserta
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das chaves...

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"Sinto a secura de quem não afaga."
Julio Carvalho
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500key
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a_ver_são_navios

as chaves que a vida tem
que são pessoas
que abrem portas
que são destinos
que não escolhas
que são encontros
que são bem poucos
que são reflexos
que são tão raros
que são complexos
que são fugazes
que são lugares
que nunca serão
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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

dos alfabetos...

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"Em vão me demoro soletrando
o alfabeto do mundo."

Eugenio Montejo
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alphafont
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VIDA ABC

Para Drummond em seu aniversário.

Atentos às

Brasas que

Consomem

Dolorosamente

Estados d'alma e

Forjam

Grandes

Histórias

Impossíveis.

Jamais

Lamentamos as

Menores

Necessidades vãs.

Outras

Perguntas são só

Quase

Respondidas.

Somente

Temos

Uma

Vida e vez:

Xingar é

Zero
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domingo, 30 de outubro de 2011

das estrelas...

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"Poesia: pretencioso rebuscado de palavras
sobre uma idéia simples
que caberia numa frase curta."

@LitaRee_real
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poemasteróide

o poeta confunde autonomia com astronomia
o poeta é um só com todos
o poeta constelaciona-se com as palavras
fazendo estrelas
tão perdidas quanto seus versos

entende-se poesia como um quase amor de galáxias
(colisões são poemas)

o poeta se prende às estrelas
e constrói segredos poéticos
traduzindo nebulosas
em significados

o poeta reduz os buracos negros a luz própria
(tem a sabedoria do objeto que abraça tudo)

o poeta é de lua
de marte da guerra
de vênus do amor
intergaláctico sistema poermético planetário sideralmente recluso
o poeta vai além dos sistemas solares comuns
(o poeta é incomunicável no espaço)

o poeta vai além do corpo celeste
alcança o fundo e o fim de qualquer universo

além do asteróide
pária de qualquer cometa
o poeta vai muito além da colisão
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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

das desgraças...

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"poesia
hoje em dia
poevazia"


Julio Carvalho

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actually
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dentro de um café, foi ouvida a seguinte frase “poética” : uma angústia tal qual quando se observa um fungo no interior de uma tampinha de garrafa. fato: poesia sem limite e sentido. num caso grave desses, tal indivíduo merecia uma resposta assim:

poema da casa da mãe joana

na casa da mãe joana os poemas estão pelo chão nas gavetas compotas portas e pouco importa onde estão as palavras nas paredes redes estendidas e ditas gritadas janelas costelas de adão que criam uma eva morta - a veia poética da casa da mãe joana com barro com tudo misturado na maior confusão encontrada em cada buraco de rato com um laço de soneto solto sofrido apertado em cada ratoeira onde não existe nenhum gato de botas absurdas que cacem seus erros e a poesia de pouco soa já que o barulho é muito mais do que só um relógio de rimas badaladas soadas no meio da noite em que voam os morcegos perdidos sem som sem visão e basta um surto na casa da mãe joana e o poema sem graça se entranha na gente e consome quem come na mesa da sala porque poema ruim não em casa – só naquela outra casa – na casa da mãe joana que fica e entala, essa desgraça.
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domingo, 16 de outubro de 2011

dos impulsos...

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"Talvez eu deva mudar, talvez não.
Mas o que importa é o agora e de resto,
incerteza."

Caíque Rufato
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the king mad hatter
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habitante

querer sem querer
na ausência da vontade
displicentemente
à toa feito um susto
acordar molhado de chuva
sem entender nada
não ter seu gênio e existir igualmente
sem fazer pedido algum
uma fumaça à toa
um elemento

o desejo é espuma

a entrega é sempre
de vento em
pulso
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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

da autossuficiência...

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"Cansei do inabitado
Da brutalidade obscura
Do não reconhecer."

Natália Barros
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trespass justice
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Autossuficiência é o medo do sofrimento.

As pessoas se sentem autossuficientes porque não querem envolvimentos reais. Não querem comprometimento e correr o risco de se deparar com o desconhecido do outro e o desconforto com as decepções, as ausências e seus descontroles. Por isso preferem se manter longe de tudo criando um abrigo autossuficiente de proteção. Esquecem que algum risco é necessário e da necessidade de se deixar levar pelo outro. Usar a humildade como aliado sem se vitimizar, pode ter resultados surpreendentes. Aceitar que se é humano e saber quando pedir ajuda é uma das coisas mais intensas e corajosas de um poder ser mais humano. Não é uma atitude fácil. Mas é só assim que poderemos encontrar o verdadeiro carinho que muitas vezes não sabemos que está por perto e o ignoramos pelo fato de nos sentirmos deuses de nós mesmos.
E os homens enquanto deuses são falhos.
Julio Carvalho

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"quando não for mais tão tarde, tão rápido, tão tanto, então haverá uma curva no ar e a respiração demorará mais tempo para perfazer seu ciclo.
Noemi
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"O universo conhecido tem um amante completo e que é o maior dos poetas. Ele absorve uma paixão eterna e é indiferente a que acaso vem a ocorrer e que possível contingência de ventura ou desventura e persuade dia a dia hora a hora seu delicioso pagamento. O que perturba e choca os outros é o combustível para seu progresso ardente rumo ao contato e à felicidade amorosa. Outras proporções da recepção de prazer ficam menores diante das suas. Tudo que vem dos céus ou das alturas está conectado nele através da visão do amanhecer ou de uma cena dos bosques de inverno ou da presença de crianças brincando ou de seu braço em volta do pescoço de um homem ou de uma mulher. Acima de tudo seu amor tem lazer e expansão.... ele deixa espaço diante de si. Ele não é um amante indeciso ou desconfiado... ele tem certeza... ele rejeita intervalos. Sua experiência e as chuvas e os arrepios não são à toa. Nada o choca.... nem sofrimentos nem as trevas – nem a morte nem o medo. Para ele as lamúrias e o ciúmes e a inveja são cadáveres enterrados e apodrecidos na terra.... ele os viu enterrados. O mar não tem mais certeza da praia ou a praia do mar do que ele tem mais certeza da fruição de seu amor e de toda perfeição e beleza."
Folhas de Relva – Walt Whitman
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dos distanciamentos...

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"Há uma diferença muito grande entre
saber e acreditar que se sabe.
Saber é ciência. Acreditar que se sabe é ignorância.
Mas, cuidado! Saber mal não é ciência.
Saber mal pode ser muito pior que ignorar.
Na verdade, sabe-se somente quando se sabe pouco, pois com o saber,
cresce a dúvida, que é preciso idolatrar sempre!"

Fabrício Altran
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tudo
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"Tenho medo de quem não pensa
Os que não pensam
realmente são os mais traiçoeiros
pois os instintos podem pregar peças."

Pe Ramon Ferreira

Latrocínicos

a raiva tira as máscaras
toda vítima se isenta de culpa
a raiva é um tipo de afeto
amor é o pódio do desamor
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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

das brutalidades...

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"Eu falo o que eu posso, não o que eu quero."
Julio Carvalho
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Lana-Sutra-Double
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criatório

medo: estado bruto de nada
coragem: estado bruto do espírito
querer: estado bruto do desejo
vontade: estado bruto da força
amar: estado bruto do coração
perfeição: estado bruto da beleza
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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

das danças...

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“O que estamos desejando?
De onde vem toda essa saudade?”

Pina - Doc. de Wim Wenders
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le danse
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le danse

...e a dança começa onde termina a palavra

(reprise)

a dança do corpo começa
onde a dança da palavra termina
têm coisas que não tem como falar
a palavra acaba onde o corpo começa
diferente de
dizer “lua” e retratar com o corpo
e sentir “lua”

usar a tinta do movimento
acontece quando um
talento de corpos e palcos
se unem

é tudo uma linguagem que você pode aprender a ler

os corpos riscados ditando
regras
se bem que as regras do corpo são bem diferentes
são outras
e nem sempre estão
ligadas

(as regras do corpo também têm suas exceções)

há um desconcerto na vida
um desdobramento falho
uma desdança toda errada
muitos corpos não se entendem
não se estendem a outros
corpos corpos copos vazios
pelas palavras todas
amarradas

(será o corpo um copo
o tempo todo vazio de palavra
que não diz nada?)

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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

dos obstáculos...

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"aprender é com os tolos
eu desaprendo sempre
para querer saber mais."

super-ficial - Julio Carvalho
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rope-600x377
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contrapoema

para o poeta
os elementos são muito importantes
areia ou terra
pedras ou água
de alguma forma até icebergs e rochas aparecem no poema
quando escreve tornam-se obstáculos
o poeta tem que ir contra ou através deles
ou passar por cima deles
senão o poema não existe
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das resistências...

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"Não estou nem sã nem salva."
Natália Barros
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resista poética
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poemofilia

parece poeta, o pássaro
que por sobre a velha escuridão
manda um monte de palavras:
achado o pouso
descansa acabado
em qualquer lugar
seja felicidade, água ou rua
deserta

termina abandonado
o coitado
no selo de alguma carta
encostada

não sabe nada, o pássaro
do voo mais que correto
só quer espalhar
poesia
em cada ninho de página
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domingo, 2 de outubro de 2011

das orações...

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"mas nossa reclamação
tanto bate até que fura:
a Seca d´Alma é tão dura
quanto a Seca do Sertão"

Paulo Barja
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reza brevis

nada tive com isso
era só uma oração
a reza feita para querer
toda liberdade de estar no mundo quieto quieto quieto
feito um ninho apassarinhado

em cada coisa era um pedido
um sossego e um desmanzêlo
de ser nada mais que só vontade
vontade de melhorar um dia de outro de um dia pro outro e ter um dia de todo
mundo
sem as mágoas das lagoas secas do verão passado
quando os invernos se vão
e os quereres são amarelos de outonos pedindo água e poucas flores
de onde só queria voltar a ser um pouco mais igual a um jardim de infância
antigo

sem muita coisa
sem parada de meia estação
mas com infinitas primaveras
dentro
das mãos
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sábado, 1 de outubro de 2011

dos apanhados...

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"escrever não é dar de si. é agarrar o fora.
escrever é de fora, para fora,e por isso pode ser tão bom.
de mim já basta eu."

noemi
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cubo³
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surrÆlismo

apanhar da vontade
apanhar da vergonha
apanhar na altura do vício
arrebentar na onda do crime

vão se entender os trajetos
estender as consequências
dos tratos e maus tratos
sequelas de milhas
e milhas da meia vida-espelho

(cada um que se faz)

entre amar e maremotos
entre arrancar e arriscar
entre tanto e um manto
escondendo algum desgosto

(aposto)

entre aspas
as citações e ações da vida tem
outra forma
de dizer
"apanhei,
mas estive
ali
dentro"

(resisto)

(registro)

(aqui)
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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

das corrosões...

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‎"Coragem de levantar e falar.
Coragem para sentar e escutar."

Rita Lee
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red exit
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alter(ego)idade

qualquer medo do outro vir à tona
e enroscar seus medos como se fossem galhos
sem apartar sorrisos ou abraços
que são bem poucos

(invasivo)

observar os espelhos invertidos
reconhecer um cada outro
um todos eus
amontoados
num lugar onde ninguém se entende

(abrasivo)

a cautela começa por dentro:
as pessoas são víboras
mas são vísceras
cada órgão interno
de cada bem ou mal de qualquer um
são as reservas
de cada um
eu

(corrosivo)

o sentimento
indepen
deu-se
à toa

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domingo, 18 de setembro de 2011

dos horrores...

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"Não tenho tempo: devoro feito fogo."
Julio Carvalho
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fireman
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sapatos rôtos e outros calçados desnecessários

I

não quero apagar-me
só sinto um susto quando olho do lado
de dentro:
sempre acontece
o medo do dentro desconhecido
desconhecendo o outro alguém
(que é o medo maior)

II

não jogue
uma palavra aos ossos:
ela volta
ressuscitada.

(um zumbi de verbos /faminto de órgãos da razão)
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terça-feira, 13 de setembro de 2011

das torres...

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“Porquê sempre o dizer do amor tem que ser venerado?
O ódio assim como o amor tem seu lado criativo também...
Afinal não são as tensões do grande ódio que fazem melhor o grande amor?”

Julio Carvalho
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Inhotim-Chris-Burden
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torres

decaindo diversas vezes
desde o tempo que cedeu
durante sua ausência
ninguém se perdeu até então poderia ser o ódio ou
a revolta e todo o mal que te pertenceu na queda
(as grandes quedas e seus resultados)
a vida tem disso:
gostodesgosto
não é obrigação de ninguém
nenhuma reconstrução traz alguém de volta
isso que causa intensa dor
e revolta
é desamor
e serve pra qualquer um

(hoje estou apenas exercendo livremente o meu direito de odiar)
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sábado, 10 de setembro de 2011

das linguagens...

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sou ininteligível inimaginável enigma ímã
Julio Carvalho
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lake
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yin yang

a linguistica é dura
é o masculino da linguagem
é matemática
tabuleiro linguistico
a literatura é parte feminina da linguagem
assim
a linguistica é árida
a linguagem é água
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das overdoses...

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“as pedras se encontram”
reloaded by Marcelo Teodoro
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push crucify
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overdosis poiesis II

alguns corpos respondem em separado como folhas de um livro aberto:
só páginas fechadas conhecem a verdadeira intimidade

espero que um dia inventem uma caneta esferográvida de palavras

não é fácil não
tudo isso jogado no chão
não é fácil não
tudo isso cuspido na mão
não é fácil não
fazer tudo isso sem nenhuma razão

quando do esboço de pequenas alegrias
use os meio-sorrisos
use as meias palavras
com nenhuma reação


estética emocional:
na falta do que sentir
encheu o coração de ausências


muitas vezes prefiro esse outro lugar chamado poesia

declaração de duas pessoas quando longe: estamos lutando nossas saudades

o chão de uns é feito para o futuro enquanto o de outros é só um rabisco para a sobrevivência

as últimas coisas
que eu quero
antes de eu secar
peço que peque um pouco mais
mas com certa classe
com a vontade de um cão no cio
e com a leveza de um ladrão
todo pecado é pouco
todo cuidado é louco
enquanto isso
quero ser salvo por uma razão de milagres


o amor é cheio de vãos
e vens
são muitas as
pinturas e várias demãos
sempre
mais de uma camada
no amor o difícil é o outro lado
do quadro não pintado
do ser
amado

degustação
- não tem lógica a minha escolha
- então encolha essa barriga e engula


não adianta ter um fio condutor se ele não pode ser enfeitado
o fio limítrofe é o fio enfeitado do fim

quero
um poema que funcione
quero
um fluxo de consciência
concreto
quero a paciência da palavra
dispersa
quero isso que a poesia faz:
recomeçar
eternamente
um trabalho de palavras
lentas

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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

dos impasses...

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"Existe uma coisa que não é prazer,
mas é uma energia que você cria para ser mais forte
do que as pessoas que machucam você."

Givago Oliveira
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sound onesound two
sound onesound two
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incisão
ou o que fazer diante do próprio silêncio.

com a faca na mão

oriente-se:

entretenhos
entreachos
desvio
do fio cortante
da lâmina
das palavras

(a palavra entrou assim como se não soubesse onde era a porta)

as cartas na manga
são as facas
da língua
dos outros

na boca
o corte afiado
entredentes
rasgados
tortos
inexatos

(a palavra escolheu a discussão para trazê-la à superfície)

não entendo
que sabor
os outros
enquanto
gosto

amargo caberia em uma linha reta cortante qualquer

des
gosto
dessa
meia raiva
indecisa

acabaria com as discussões dizendo:
olhe sua pele e veja o corte que ela realmente
precisa
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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

dos princípios...



"Quem tem um princípio perdeu seu início.
Princípios são para iniciantes.
Melhores são os Princípios Perdidos.
Princípios Perdidos são aprendizados."
Julio Carvalho


FireDancerDuo
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câmbio, desdigo


eu ando bem bom de mim
olhando as pequenas coisas
as pequenas falas
dos diasúteis

me expulso das complicações
e das mutilações cada vez maiores
invento um tempo de reconsiderar
olho o pouco com os olhos cheios
da vida dos outros
entendo das cores
das dores simétricas

- sem exceções

empresto um ritmo mais acalmado
aclarado no pensamento
em noites
de maior solidão

acabo sabendo que de tantas corridas
idas e vindas e suas vidas
que algumas coisas
de outros
completam

estado que faz com que
o medo do mundo dos outros desdigo
talvez a outra palavra seja não julgo
amigo
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