quarta-feira, 31 de outubro de 2012

dos dias...

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"porque há palavras que rangem entre os dentes..."
Julio Carvalho
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fog
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dia

um solo de insônias

e diante do sono
eu estou aqui
amanhecendo

daqui a pouco

diante do mundo
direi o indizível:
a boca entre aspas

diante do mundo

amanhecendo
a nudez do dia
me observa

diante do mundo

amanhecendo
procuro um silêncio
no horizonte

diante do mundo

amanhecendo
excluo a insônia possível
a numeração
das palavras
o dia feito pedra

porque

há dias inteiros
de pedra
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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

dos vinte...


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O belo não é senão o começo do terrível.  
Rainer Maria Rilke
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furia
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por isso vinte

começo:
não consigo me encaixar nas beiradas da vida
e tudo me põe em excessos
no momento dos mínimos.
tudo me coloca errôneo
nos momentos de calma.
do nada sou possível

Por isso tenho vinte reais 
e uma calça caindo
Por isso emagreci 
de tanto cansaço
e acessos múltiplos
de raiva
o dinheiro não vem nunca
e devo favores 
como quem tem  sede.
me alimento das esperas
e dessa raiva que me sustenta.
Por isso vai durar
até que tanto?
quais mais perdas 
me aguardam
por perto?
Por isso mesmo 
que hajam outras 
nas primeiras noites
que foram escurecidas 
de propósito 
pela desumanidade
dos outros.
Por isso revólver:
se houverem perdas
que sejam sem surpresas.
tenho dias em que amanhecer dói
quem inventou esse dia 
e me deixou perdido dentro dele?
maldito dia que cavalga lento e enorme 
abrindo pausas para o silêncio passar
(ter vida e errar não é defeito)

meio:
a calma fede 
a calma tem cheiro de coisa normal
a calma deveria ser abolida
a calma deveria ser a loucura verdadeira
a calma é a alma em estado de nada

Por isso comigo 
tudo é quieto e insuficiente
e o triste do meu coração
é que ele confunde o ato de estar vivo
ao de estar amando
Por isso vivo tão errado
Por isso trago a conta perdida
de cada segundo da minha vida
misturada
nessa imensidão de poros
do enorme lençol de pele
que me embrulha os ossos
Por isso doente
pelo contorno de tudo
o que há em mim:
algumas vezes excessos
outras confundem vazios.
tenho profundidades
onde nem chego perto
tamanho é o afogamento.
depois eu choro
agora estou raso

fim:
por que não me deixam enlouquecer em paz?
quero enlouquecer
quero melhorar essa falta de insanidade
quero olhar pelos olhos dessa imoralidade divina
cuspir até cegar os olhos dos normais
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domingo, 28 de outubro de 2012

dos coletivos...


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‎"Nada mais natural 
que eles façam propaganda 
de uma arte coletiva,
de uma poesia coletiva: 
os rebanhos desconhecem 
a primeira pessoa do singular."
- Mario Quintana, in: Da Preguiça como Método de Trabalho, 1987.
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timeson

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meu lu (g) ar

quero botar o luar no sapato errado
quero botar o lugar no sapato errado
quero brotar o sonhar no sapato errado
quero errar de solar no luar

quero brotar o lugar no sapato errado
quero solar no luar errado
quero brotar o luar no sapato errado
quero botar o sonhar no sapato errado
quero sonhar no luar errado
quero sonhar no lugar errado
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dos atropelos...


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"O riso cativa-me. Gosto de almas cheias de riso. 
Gosto de ver o sorriso no olhar das pessoas. 
A língua inglesa tem uma palavra recente, 
smeyes (não sei se dicionarizada) 
que significa sorrir com o olhar. 
E se o riso me cativa, as sombras fascinam-me. 
É a eterna dualidade que sempre me seduziu. 
A luz e a sombra, o bem e o mal. A nossa essência. 
Suponho que existem pessoas genuinamente má
e pessoas verdadeiramente boas. 
O comum dos mortais, onde me incluo, 
parece-me ser ambas as coisas."
O riso e as sombras - Missanga
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forcamor
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atropelo

desatar a correr pelo poema afora sem tentar perceber onde começa e onde termina cada estrofe ou qual é a hora de terminar o que não tem meio nem conteúdo ou final feliz e querendo viver no limiar da realidade virtual em que se avista a linha do meio poema onde finalmente se solta uma criança radioativa dentro de nós e só nos apetece desatar a correr pela umidade do poema adentro sem tentar perceber o tanto dele que se foi embora...
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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

dos instantes...

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"¿Qué más que la poesía como esfuerzo y ejercicio espiritual, 
en los presentes tiempos de decadencia, amando y sirviendo 
según la santa voluntad del misterio en la PALABRA?"

Milton Medellín

Apizaco, Tlaxcala, Miércoles 27 de Junio del 2012

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dog vomit
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novos motivos porque os poetas mentem: 
porque no instante 
em que a palavra feliz é pronunciada
não é nunca o instante da felicidade
e quase sempre é o outro
quem diz
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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

dos cúbicos...

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"Quem lê tudo o que fiz diz que são cismas."
Julio Carvalho
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digital_arts
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zeros cúbicos

nego às vezes que sou 
inteligente demais
sensível demais
bondoso demais
o óbvio é o muito
tem pouco que se agrada mais
mesmo em mim ou nos outros
eu quero a condescendência do corpo
ejetando tudo
ferozmente
quando o último de mim for embora
fico todo escuro
num dia qualquer eu sou coletivo
mas meu único me agrada mais
fico onde tem poesia
o resto é abandono
é onde a palavra
não significa nada
um beco sem falta
e a coisa mais longe de tudo
é uma estrela de constelação 
duvidosa
fico pouco
onde não vale a pele estar:
com pressa 
fujo
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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

dos esféricos...

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Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto
alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. 
Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. 
Ele via aquele mar, aquela paisagem. 
Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema 
Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. 
Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.
O mundo aparentemente está explicado, mas não está
Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. 
Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. 
Então de vez em quando o não explicado se revela, 
e é isso que faz nascer a poesia. 
Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.
Com o avanço da idade, diminuem a vontade e a inspiração. 
A gente passa a se espantar menos. 
Tem poeta que não se espanta mais, mas insiste em 
continuar escrevendo, não quer se dar por vencido. 
Então ele começa a escrever bobagens ou coisas 
sem a mesma qualidade das que produzia antes. 
Saber fazer ele sabe, mas é só técnica, falta alguma coisa. 
Não se faz poesia a frio. Isso não vai acontecer comigo. 
Sem o espanto, eu não faço.
Escrever só para fazer de conta, não faço. Eu vou morrer. 
O poeta que tem dentro de mim também. Tudo acaba um dia. 
Quando o poeta dentro de mim morrer, não escrevo mais. 
Não vou forçar a barra. Isso não vai acontecer. 
Toda vez que publico um livro, a sensação que tenho 
é de que aquele é o definitivo. 
Escrever um poema para mim é uma grande felicidade. 
Se não acontecer, não aconteceu.
Ferreira Gullar
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who will love you now
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Poeminessências

No mundo poético, o tempo é esférico.
Roberval Pereyr

inocente é quem acredita que o poeta é um ser polido
o poeta é aquele que mantém fixo o olhar no tempo,
para nele perceber não as luzes, mas o escuro
o poeta é aquele que sabe ver essa obscuridade:
é das sombras do tempo
que o poeta retira a matéria prima
para a poesia
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terça-feira, 23 de outubro de 2012

dos fôlegos...

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Velho é criança de fôlego diferente. 
Já não lhe interessam as correrias nos jardins, 
o sobe e desce das gangorras, o vaivém dos balanços. 
É tudo muito pouco. O que ele quer agora é desembestar no céu, 
soltar os bichos que colecionou a vida inteira. 
Os bichos todos - domésticos, selvagens, úteis e nocivos. 
Os pesados répteis que ainda guarda no coraçã
e as borboletas, peixes e passarinhos, 
tudo solto lá em cima!
Francisco Azevedo
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generator
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Estranho esse entendimento de lugar. É como se eu contivesse tudo. 

Entender até do absurdo. Sem falar muito. Mudo.

Passo apertado na vida porque não há sobras. Eu me con_sumo.

Estou num mundo sozinho de dentro.  Quem entende?

Aqui vivo o vacilo de um vício que não me convence.

Adivinhação é perder a chuva e saber do estio em plena luz do dia.

Desfazendo enganos. Refazendo engodos.

Emprestei meu rosto para outro espelho. 
Emprestei meu gosto para outro. Estou velho. 
Estou na idade das ideias emprestadas.

Para onde você esta vindo?

Alinhou a vida.  Alinhavou com a morte.  Pura falta de sorte.

natureza morta / natureza torta

Tenho tentado me encontrar. Por enquanto só linhas. 
Algum rascunho já basta.

Tive um convívio intimo no dia de hoje com meus pés: 
meias molhadas de chuva.

Estava fraco. Entendi a lama, as pedras e uma mão aberta.  
Sorri feito praga.  Ácido e infeliz.

O tempo entendeu tudo errado: temporada.

Eu dos degraus igual a vida: só sei mal equilibrar e subir.

Não fiz nada ate aqui. Só escrevi. E muito. 
Meu muito é de letras. E basta.

A sua língua sempre parada no centro da sua boca. 
Vicio. Silêncio é vício. 
A minha língua anda a míngua
Um muito mais que cala. Um pouco mais que fala.

A poesia da falta de absurdo.

Entranhas: o estranho oposto em mim.

Morreu? Não devo mas posso. Vivo por descasos.

Eu sou um homem com um único inferno.

Errar é comigo mesmo: eu vivo o desencontro dos erros.
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dos desentendimentos...

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"ainda vou a tempo de desentender de que sou"
Julio Carvalho
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aaaart
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dedicartória
para Luciano Gagliano


arte é surto

arte é susto

arte surta tarde da noite 
sempre do lado de dentro

arte faz coisa que arde aparecer

arte de alarde
não faz verdade


acho que eu surto poemas
sou doente da loucura poética
não profetizo
o poema simplesmente enlouquece 

e faz


gosto de coisa que ninguém vê
gosto do não olhar, 
o desolhar desavisado
o mundo que o olho vê 

quando ninguém presta atenção...
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sábado, 20 de outubro de 2012

dos comigos...

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"Bebe comigo, joga comigo, ama comigo, 
usa comigo uma coroa: comigo, 
quando sou louco, sejas louco, 
e sábio comigo quando o sou."
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mode off
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descasos

desentender
despudorar
desfazer
desarrumar
as coisas fora de ordem
entendem-se
por si mesmas
não entendo quando o organizado
representa:
as flores fora do cais
os vasos fora do mar
aqui vim do desgaste
não preciso de ferida 
aberta
agreste agride ao grosso modo agridoce chão
a foice se entende 
estende lâmina
abro a mão
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domingo, 14 de outubro de 2012

dos rebocos...

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"a ausência é a Vida
e os Poetas
retirados dela..."

Sabina Fernandes

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ambos
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reboco

quero me movimentar entre palavras
coisa que  eu sei bem
as pessoas não sabem se mover bem entre palavras
por isso que sempre ficam no silêncio
mesmo que falem muito
o muito é quase nada de real
e significa mudo
quando se trata de verdades
sinto o movimento das palavras
como salvação de verdades inteiras
e de sentimentos inacabados
a palavra quando pouca
é o mesmo que zero
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sábado, 13 de outubro de 2012

das figuras...

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Margot Berthold: a máscara “ampliava o poder da voz,
 conferindo tanto ao rosto como às palavras 
um efeito distanciador” 
(BERTHOLD, 2003, p. 114)
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figura
photo by Roberto Laplagne


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porta-retrato

minha figura padece de dificuldades
minha figura não aparece
ou padece
tão simples
não parece minha figura
em carta nenhuma
que não seja minha figura marcada
continuada por terceiros
do jeito que minha figura atualmente anda
rasgada
levada a extremos sem trégua
minha figura implanta
distanciamentos
minha figura sustenta
o impossível dos álbuns
frequenta o maior dos templos
dos livros, dos ventos
minha figura nem tão imponente
se olha de cima
e sorri ainda
semente
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