terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

das fisionomias...


"gosto dos amigos
que modelam a vida
sem interferir muito;
os que apenas circulam
no hábito da fala
e apõem, de leve,
um desenho às coisas."
Sebastião Alba
.

.

eu maestro no corpo que flutua
Fernando Schubach
....................................................................................

eu quero o mínimo exuberante!!!
....................................................................................

compra-se olhos vazios
enche-se de esperanças
....................................................................................

sou das tempestades:
metade granizo 
metade furacão
....................................................................................

o corpo cansou
o que a mente
pedia
....................................................................................

árvores
em pelo
com folhas
ainda verdes
agarradas ao tronco
dos tempos
presas a
raízes de aço
inoxidável
....................................................................................

a paciência é a lama do negócio
....................................................................................

ressignificando
en plen air
....................................................................................

a minha principal certeza é o chão
onde pisam meus pés doloridos
....................................................................................

eu tenho o sol por toda parte
em forma de luz
eu tenho o sal por toda parte
em forma de lágrima
se eu salgo a luz
então pequenos lagos se acrescentam
e na superfície
formam-se taças de estrelas
toda tristeza é um sono
que se estende obliquamente nessas águas
e em suas margens
aparece o traçado
que dá o contorno
do continente 
do meu corpo
....................................................................................

chispa faísca do isqueiro
acende pavio de vela de cera
espanta o breu
o sinal da luz é a sombra trêmula na parede
essa sombra que cresce a olho nu
....................................................................................

casem-se os poetas com a inspiração do mundo
....................................................................................

esqueça o céu 
e a cidade morre
esqueça o teto
e a casa morre
o esquecimento
é um porre
....................................................................................

a sombra da figura é a figura da sombra
....................................................................................

quero ficar acordado
pela tua voz
a noite inteira
pelo teu dorso
vem como pássaro
desce dos ares
baixa na terra
vem trazer flor 
à minha pele nua
vem no meu sonho
no meu grito
no meu braço
vem sustentar
o meu desejo
vem espantar
consciências
desesperadas
sou um mistério
enquanto não vem
vem me tirar do sério
vem arcar com minhas
inconsequências
....................................................................................

não sei se a tristeza
era o vento
só sei que atravessou estes restos
e levou para longe 
o fundo negro
da minha escuridão
....................................................................................

vou arriscar uma noção de silêncios
e produzir palavras
impondo à luz da tela
sem meus óculos
o testemunho de uma memória poética
onde a minha percepção se faz
madura
....................................................................................

trago sempre uma sílaba 
na palma da mão
para conjugar um ver
borrar uns olhos
compor
lágrimas
....................................................................................

um cego de verdade
nunca perguntaria como é o céu
perguntaria como é o azul
nunca perguntaria como é o sangue
perguntaria como é o vermelho
nunca perguntaria como é a neve
perguntaria como é o branco
um cego de verdade
saberia a sensação
das cores e coisas
....................................................................................

o esquecimento são coisas
que acontecem com certas ideias
que já vêm com epitáfio
....................................................................................

confuso como
um rastro de formigas
embaralhadas
....................................................................................

se sou um poeta
decerto que sou do tempo futuro
os poetas prevêem antiguidades
(os poemas são esperanças)
poesia é um modo de adiantar
alguma vontade futura
....................................................................................

em cada tristeza
uma trágica lucidez
....................................................................................

mar do outro:
brotam espinhos
porque velo eu
uma rosa murcha
entre longos navios
de silêncio
dentro
a nostalgia resignada
de países distantes
....................................................................................

entre as coisas sagradas
e as coisas perdidas
a morte recolhe nenhuma
o joio é joio
o trigo é trigo
a morte nivela os corpos
....................................................................................

preciso manter a carne dura
os olhos turvos
que o meu fim dure
enquanto se curve
um arco
....................................................................................

alter vega:
quero alguém nu
começando pelos olhos
seguindo-se pelo
abandono das necessidades diárias
atirando ouvidos e bocas
no asfalto
os pés espremidos
tropeçando no desejo
que se arranque toda a pele
que fique exposta à luz do dia
que nenhum espelho veja esse corpo
tão novo para a vontade
da minha alma
então que eu descubra uma nova lingua
um outro planeta
daquele que eu vim
(just visiting this planet)
alcançar um alien
de mim
....................................................................................

a noite abrindo o zíper do desejo
....................................................................................

cumprimento:
sou esse silêncio 
no meu prazer 
em te conhecer
....................................................................................

assexuado:
não sou o plástico que te carregue
ao diabo
em artifício
em um fogo qualquer desavisado
sou concreto 
e entre o silêncio dessa cama e esse teto
passo longe
sem seu sexo
.


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

dos truques...


"Nunca te amei tanto, ma soeur, 
Como quando de ti parti naquele pôr-de-sol. 
O bosque engoliu-me, o bosque azul, ma soeur, 
Sobre que já pousavam as estrelas pálidas a oeste. 

Não me ri nem um pouco, nada, ma soeur, 
Eu que a brincar ia ao encontro dum destino escuro — 
Enquanto os rostos já atrás de mim 
Devagar empalideciam no anoitecer do bosque azul. 
Tudo era belo naquele anoitecer único, ma soeur, 
Nunca mais depois e nunca antes assim — 
Verdade é: só me ficaram as grandes aves 
Que ao anoitecer têm fome no céu escuro." 

Nunca te Amei Tanto - Bertolt Brecht








































as paredes tem ouvidos


velho truque

aquele coração 
foi devolvido
à toque de caixa
em papel de seda
com fita de cetim
irretocável
todo cuidado
é louco
quando é abra
cada
abraço devolvido
cada caixa
tem seu nome
encaixa-se bem 
onde menos se despreza
o desespero nos olhos dos outros
é um poço
resguarde
o que lhe presta
em olhos unânimes
lavados a seco
entre os cortes
o nó que veda
o fim
não some
..............................................................................

a verdade não é um estado
um estar em si 
- a verdade é um caminho
.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

das resistências...


"não haverá lugar. nunca houve
herdeiros 
do não lugar
tomemos posse. é hora
agora ou nunca
nunca
bom tempo. pra não lugares 
comuns"
nydia bonetti

.

























.

discórdia

e esse visgo
incômodo
pregado na pele
do lado de fora
não significa
que seja meu
resisto feito ímã
meus contrários não se traem
evito desencontros
e colapsos internos
mas minha vontade
quase sempre 
surta exageros
(resultado da rebeldia do discordar)
- vezes em que a vida e pessoas
me incomodam tanto
que sinto-me ficção
.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

dos acolhimentos...

.
"acolher
o vazio.
dissolver-se.
refugiar-se
no abismo."
Orides Fontela
.




















.
não me serve
nenhuma paixão
homeopática
por isso
o amor
em dose
dupla:
e sem gelo.
............................................................................

meu cupido
não entende nada
de kyu-dô
............................................................................

pequenos detalhes
em formato
de flores
............................................................................

a cor
dante
de
leão
............................................................................

meu sonho é ser simultâneo
............................................................................

estou vivendo
uma espécie de limbo amoroso-emocional
.

das ansiedades...


"pois mais fácil é passar um camelo 
pelo fundo de uma agulha
do que um desejo sair 
do coração de um homem"
Julio Carvalho
.










































via crucis

(meu corpo está muito seco
então me dissolvo 
em um desejo
qualquer)

meu nome lateja
nas minhas digitais
em forma
de ansiedades
me acalmam as palavras
quando o desejo
alivia
no gozo
(mas não muito)
enquanto não encontro
a cura
as feridas
continuam abertas:
aguardo a infecção aguda
de alguma
vontade
mas de longe se vê 
que esse desejo todo
não se trata apenas
de um tecido
e sim de uma constelação
e essas estrelas 
são impecavelmente separadas
os desejos tem uma forma
invisível
vestidos com a mesma via lactea
e as mãos já esperam por afagos 
e escapar do mesmo lugar
de sempre
e que importa se somos diferentes?
o desejo nos torna iguais
parece que
o desejo são raízes invisíveis 
que me prendem ao tempo
por isso dói tão fundo 
a longitude das minhas vontades
preciso de mapas
para cada rumo
que cada desejo
me toma
o meu desejo
não tem legenda
esfrego o danado entre minhas mãos
e ele não se esfarela
cai inteiro aos meus pés 
eu piso
eu chuto
e ele se agarra
a cada minuto de mim
queria poder afogar o desejo
num mar de rosas
num mar de bálsamo
e ter as mãos livres
sem naufragar
ainda assim
o desejo 
fica ondulando 
como uma garrafa flutuante 
na maré dos meus dias
como um descompasso:
enquanto escrevo milhares de cartas
o desejo envia de volta
um papel em branco

.

das demandas...

.
"demanda:
sobra tensão
falta tezão

minha pele aos picos
deve às setas
de algum Cupido"
Julio Carvalho




























desaninhado

há um vocabulário do mato
que se desdobra pelo asfalto
em dias em que eu procuro
ninhos pelos faróis
eu que do interior venho
circundado por montanhas
com casulos de cachoeiras
morro dos medos e não das mortes
dessas violências 
em forma de frascos
invioláveis
das faltas das estrelas
compensa essa sombra de palavras 
em terra
segredos fechados nos limites mais absurdos
dos esgotos
das valas 
das ruas
epicentros humanos
urbanos
radioativos
desmemoriados
ágeis pedaços de velocidade
em carros
e dentro dos trens do metrô lotados
de pássaros
doentes
sem  nem um sinal de liberdade sequer
nestes faróis
desaninhados
pétala por pétala
as portas
se abrem
e os pássaros
acabam
seus dias
economicamente
dispensáveis
sobra então
o luto da palavra
no fim de cada dia
(um ninho novo se faz
sem ovo
no dia 
seguinte)
.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

dos ensinamentos...

.
"palavra que não mexe mais
no barril de pólvora
plantado 
sobre a torre
de marfim"
Ana Cristina Cesar
.


.

















cultivar um olhar estrangeiro 
sobre as coisas e sobre mim 
um diálogo de dentro
às vezes angustiante
uma maneira de ser 
e de compreender 
sem as trincheiras comuns
do discurso
onde quase sempre 
todo mundo tem razão
........................................................................................

sobre o amor ensinado

amigo
porque indagar o amor
se o que acontece
está por aí?
se é desejo
é de um 
se é violento
é de um
se é conceito
é de um
mas se é amor
amor mesmo
é de todos
(pelo menos de dois)
falo do amor
como que aquilo
que impede 
o sono
e aumenta
um sonho
.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

das vozes...

.
‘Não deixe as pessoas serem 
seu alicerce.
(…)
Elas são uma aposta ruim, 
a pior aposta que você pode fazer.
(…)
Qualquer coisa 
comparada às pessoas,
é um alicerce melhor a se procurar. 
Qualquer coisa’.
Não Deixe - Charles Bukowski 
.


































.
cara ou cara

queria fazer sentido 
porque o sentido 
eu sempre faço
eu sempre sinto 
- mas cansei de fazer sentido 
de um só lado
sozinho
.........................................................................................

o passado é só uma história que mal contamos
.........................................................................................

o arroz de ontem que era de festa
hoje já não presta
.........................................................................................

camões sabor limões:
rima líquida
para matar sede de lingua portuguesa
(ahhh essa rima assassina!)

Julio Carvalho e Mariano Raffaelli
.........................................................................................

verdade é uma
palavra que se encontra no pé
da escada e
brota fruto maduro
que quando cai
a planta 
humana se move
se for engano
ou se apodrece
a mentira
é sua semente:
cai em terra
e cresce
se essa semente brota
eu lhe dou silêncios
porque a mentira
sem voz
morre
calada
estúpida
.........................................................................................

há um cão em meu pensamento 
que separa
divagações:
o bom gosto
do mau gosto
o vil
do aval
o som
e a trilha sonora de ontem a noite
entre a cama e a televisão
por isso hoje eu acordei
roendo
ossos
por dentro

são essas
as pequenas fúrias
de amor
.........................................................................................

o ser
tão virou 
algo
a
mar
.........................................................................................

informe publicitário:
este lado para cima
em mim
é um cuidado
frágil
.........................................................................................

- oi amigo sumido!
- eu não sumi não. porque saudade é coisa que nunca some.
.

das bagunças...

.
"o bonito fica bem mais bonito
quando alguém também o acha"
trocando uma ideia - geert de kockere & klaas verplancke
.































ilustração de klaas verplancke
.

quando sem pé
encontrou nem cabeça
as coisas foram meio complicadas
um não andava
e o outro não ouvia
e nem falava
restaram aos dois as mãos
era por onde tudo se dizia
no começo era só a companhia que importava
e os gestos eram só de "oi" ou "tchau"
depois os gestos foram
se tornando cada vez mais
difíceis
e mesmo assim
nem cabeça entendia sem pé
e o levava no ombro
pesava um pouco
mas valia cada alegria
desde então
tudo o que fazem juntos
é engraçado
meio doido
meio bagunçado
por isso que até hoje
as coisas
sem pé nem cabeça
são tão divertidas
.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

dos artesãos...

.
“eu sou poeta e sigo em frente
em linhas tortas
eu não lido com palavras mortas”
Ademir Assunção
.



















.
margareth

não faz arte
mas abraça a arte 
como se fizesse
(mostrou isso num gesto de abraço)
pessoas intensas causam inveja
no meio  da fala 
os olhos molhados
quase chorando disseram
que choveu um pouco
e refrescou
e a chuva lá 
do lado de fora
fazia mesmo barulho
do lado de fora
a tarde 
refrescou
do lado de dentro
a arte
pulsou
forte
.....................................................................................

poesia são essas ondas
imagens em movimento 
na tela do mar
são esses navios 
que navegam
sem encontrar
nenhum porto
poesia é uma nudez
uma abertura 
na vergonha da escritura
uma outra luz
na noite
da palavra
.....................................................................................

da existência só conheço
um bom conselho:
aprender a vencer
todos os medos

o medo é árvore
a coragem são folhas
o medo sempre
antigo
a coragem sempre
nova

onde cai uma folha
vence um medo
.....................................................................................

o desejo é uma vontade
que não quer habitar o corpo
.....................................................................................

gosto das demências
e odeio as ferocidades
nem bem ando muito longe
vejo sustos apertados
(uma senhora elegante:
- todo mundo anda assustado!)
sem nem ter andado muito
percebo
que todo mundo anda 
cansado
.....................................................................................

sem nexo sem sexo

ele esteve dentro
(com um pênis)
eu estive fora
(sem minha alma)
.....................................................................................

ansioso
procuro um lugar
a salvo das palavras
mas só encontro essas casas
vazias
.....................................................................................

sonho:
quero ter uma asa
que desconheça o chão
.