quinta-feira, 30 de outubro de 2008

das mudanças...

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changes
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CONTRAFLUXO

Eu faço parte daqueles que têm conteúdo.

Conteúdos...

E tenho medo em certos momentos de perdê-los por causa dos outros
que querem mudar tudo, com suas mesmas formas-estátuas e seus deuses escritos.
Talvez por isso meu desapego das palavras.
Eu brinco com palavras moldes e tomo outras já prontas e soltas.
Na verdade, eu queria palavras elásticas, que esticassem e se virassem de modo a não se encaixarem em página nenhuma e eu queria dançar junto com essas palavras num baile de máscaras e tirar as máscaras e descobrir novas palavras e outras máscaras e mais palavras e nunca acabar.
Eu não queria me prender aos formatos, aos vínculos, aos medos, aos credos e às verdades absolutas dos textos.
Eu queria ser livre e poder dançar numa página.
Eu queria fazer isso sozinho.
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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

das modernidades...

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mata mickey dois
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na modernidade
os velhos ícones
desaparecerão
apavorados
no meio
de tanto lixo reciclável
do material reutilizável
do mundo globalizado
e no meio ambiente
excessivamente
esterilizado
pensamentos
politicamente
absurdamente corretos
flutuam
entre pouco, nenhum ou algum
bom senso
ainda
desacreditado

com tudo isso
procura-se
alguma consciência
decentemente
aparentemente
clean

(como se deve ser
sendo alguém
um ser
moderno
se
hoje
em
dia
o que é moderno se espalha como um vírus?)

deverei
vir a ser
um dia
um ser viral?

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terça-feira, 28 de outubro de 2008

das outras pessoas...

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dito
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SEGUNDO TEMPO

Outra pessoa acorda pela manhã com outros olhos talvez até mais atentos que os meus. Prepara-se para um dia que ela havia esperando faz tempo. Um dia que outra pessoa qualquer não teria. Que seria uma única vez na vida dela. Outra pessoa escolhe a melhor roupa, o melhor penteado, o melhor perfume, o melhor ângulo na frente do espelho. Tudo milimetricamente calculado para aquele dia que não é um dia qualquer. Outra pessoa toma seu café da manhã, seu almoço e seu jantar, ansiando pela noite.
Outra pessoa não teria nem a mesma fome que eu. Não seria tão faminta e nem tão exata na sua fome.
Na verdade não existe assim uma fome declarada. É uma fome de alguma coisa que não sei bem o que é.
Outra pessoa saberia melhor que eu que fome é essa.
E não passaria fome tão fácil. Iria a alguma padaria ou lanchonete e comeria fartamente até se cansar.
Mas não seria bulímica. Comeria sadiamente. Viveria sadiamente. Talvez até mais do que eu. Teria sais de banho no banheiro e perfumes e cremes e xampus que eu já tive e outros que nunca terei. Outra pessoa será tão elegante que entrará na festa e todo mundo perceberá como ela é fantasticamente bela e iluminada.
Terá frases brilhantes na ponta da língua e um sorriso encantador. Mas todos sabem secretamente que outra pessoa tem algo a esconder. E ficam nos olhares escondidos feito animais à espreita. Outra pessoa pressente isso mas não faz questão de procurar saber.
Outra pessoa toma calmamente uma bebida de um garçom desavisado qualquer e devolve a taça intacta na beirada de uma mesa. Outra pessoa não se sente bem. Outra pessoa esteve no médico ainda ontem. O médico disse que poderia acontecer aquilo a qualquer momento. Outra pessoa cai no chão e todos a olham assustadas mas entendem, porque previam aquilo, sabiam daquilo. Outra pessoa acaba morrendo ali mesmo, naquele momento. Outra pessoa morreu. Poderia ter sido outra pessoa qualquer. Até eu.
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sexta-feira, 24 de outubro de 2008