sábado, 30 de junho de 2012

das divisões...


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"A paixão é o mundo a dividir por zero." 
Mia Couto
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CDA
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queria ser poema e não poeta.

cálculo de vida não se faz de cabeça. faz-se de coração.

não se preocupe: até o fogo se cansa.

vou caranguejando: sonhando de lado e andando entre mar e areia.

sou como a palavra: nasci escrito com cara de poeta.
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sexta-feira, 29 de junho de 2012

dos íntimos...


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"tanta coisa tem poesia 
mas 
falta a canção."
Julio Carvalho
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49
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loco in loco

o que cabe numa casa
é o que cabe numa coisa
o que cabe numa pausa
o que cabe numa praia
é o que cabe numa onda
o que cabe numa vaga
o que cabe numa calma
o que cabe numa ilha
o que cabe numa ave
é o que cabe no seu voo
o que cabe numa página
é o que cabe numa alma
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das entrevistas...



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“Poeta:
sujeito com mania de comparecer
aos próprios desencontros.”
Manoel de Barros
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triangulation
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suposta entrevista

o senhor se considera um otimista?
sim, um  poeta é uma condição.

o senhor se considera pessimista?
sim, só até a testa.

de onde o senhor se inspira?
sim, sou um idealista.

quais foram as suas fontes?
sim, da poesia filtrada na hora.

qual foi o maior medo que o senhor já enfrentou?
sim, de um dia acabar minha poesia.
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quinta-feira, 28 de junho de 2012

das inter-relações...



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“Em sua luta contra a língua falada,
as letras sorvem para si a vida da língua: letras são vampiros.  
As linhas, criadas com essas letras que ganharam vida, chamam-se textos. 
Etimologicamente, a palavra texto quer dizer tecido
e a palavra linha, um fio de um tecido de linho. 
Textos são, contudo, tecidos inacabados:
são feitos de linhas e não são unidos 
como tecidos acabados por fios verticais.
Textos não contém tramas. 
Portanto a literatura  é um produto semiacabado.
Ela necessita de acabamento. 
A literatura dirige-se a um receptor,
de quem é exigido que seja completada. 
Quem escreve tece fios que devem ser recolhidos pelo receptor para serem urdidos. 
Só assim o texto ganha significado.
O texto tem, pois, tantos significados
quanto o número de leitores.”
Vilém Flusser in A ESCRITA – Há um futuro para a escrita? 
(Adaptação livre do original traduzido por Murilo Jardelino da Costa)

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tempo
x2
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po(u)sologia
letras são séculos de coisas 
que algumas vezes arranjadas 
são incompreendidas

quero a venda da poesia
por alguns contos
por alguns cantos
de lados a lados
equiláteros
e sonoros
como voz de maquinaria

existe explícito
rastro de ruído poético
num excesso de polimento

em poesia polida
não se remete a língua
se mete ao modo
circular
de lamber suas
voltas
aos versos
aos berros
aos erros

sinestesia
os poetas são nossos órgãos dos sentidos
então
ler poesia é como pegar, cheirar, ver e ouvir as coisas 
em seu estado de maior permanência
de quase alma.

susto
não passei de
um  papel em branco
corado
de giz

creatio I
eu disse abandono?
abandono da cor e alma
do poema
não fiz

eu disse letras e não besteiras
eu não abortei
eu pari poesia

naquele momento
no rascunho do meu corpo
eu nasci

creatio II
poesia é a palavra alfabetizada do zero
é o beabá do poeta
poesia é a volta da infância da palavra
é a cria do poeta
poesia é a palavra filhote
é o leite do poeta
e quem lê
ordenha
o poema branco
recém nascido
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quinta-feira, 21 de junho de 2012

dos partos...


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"Poesia desesperada: 
será o início da nova língua
agora que estou desmoronado?"
Julio Carvalho
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ink creation
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pariu

assim o desejo se cristaliza em poema
assim como por dentro
assim em coma livre
o corpo obedece o poema
e surge
do nada
pelo pulso
apelo pulso cortante
assim nasce um poema mínimo:
de um desejo cortante
assim ficamos íntimos
dois toques
um teclado
e um corte
ínfimo
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quarta-feira, 20 de junho de 2012

dos escapismos...


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"A realidade é a pedra."
Maura Lopes Cançado
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escapism
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onze tempos

Taxidermia: dia de saco cheio.

Material didático: cara e coragem.

Quis ser mais humano e virei poeta.

Comecei dentro da normalidade e até hoje a normalidade me procura.

Indivicionário: não bastasse escrever todas as palavras, queria entendê-las.

Não sou pessimista. Sou realista com pitadas de sarcasmo.

Omitindo pessoas com a chave falsa do paraíso.

Ora direis ouvir estrelas e/ou mentiras.

Nasci de olhos mortos de sono. Por isso o gosto de sangue na boca.

Não se meta onde não dívida. Não se meta onde não é achado.

Perdi só o tempo porque dinheiro eu não tenho.
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terça-feira, 19 de junho de 2012

das perturbações...

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"Quase Hegel: 
Há uma lógica por trás das paixões que tumultuam as ideias."
Julio Carvalho
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buque
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desa(l/r)mado

tinha a alma num presságio
para pedras
metais
águas e plantas
coisas mais confiáveis
que outras almas
(menos)
humanas

era assim
melhor que muitos outros homens
mas errou -
enlouqueceu
de uma vez só
por alguém

a culpa foi do coração
que não sabia da dureza
daquela alma
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domingo, 17 de junho de 2012

dos isolados...

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"muita muita raiva
tanta que
te esqueci entre os dentes"
Julio Carvalho
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teclado
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solo


I
tem dias que é pouco ser um só
assim: se eu tivesse outro eu
nunca ia querer me encontrar 
pra não ser mais um chato 
de mim mesmo


II
quero ficar sozinho
quero ficar sozinho como sem água
tenho sede das minhas ausências
tenho sede de ficar fora dos outros
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sexta-feira, 15 de junho de 2012

dos desgastes...

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"Eu estive ancorado em cada ilha minha.
Eu estive ancorado em cada ilha mínima."
Julio Carvalho

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logo
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solvente

não ateie fogo ao mar
porque não vai haver nenhum incêndio
e além do mais
tudo o que pensar sobre o fogo
vai acabar em onda

(sempre na beira de alguma praia
talvez salvo algum monte de areia
e alguns poucos castelos
feitos com ele)

areia
pelo
menos
desfaz

o fogo consome
se puser a mão no fogo
vai entender
se puser a mão na areia
vai reconhecer
o tempo que desfez
seu último castelo
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quarta-feira, 13 de junho de 2012

dos desnamorados...

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"O humor e a timidez geralmente andam juntos. 
Você não é exceção. O humor é uma máscara e a timidez é outra. 
Não permita que ninguém remova ambas ao mesmo tempo." 

Augusto Monterroso
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descaso amoroso

o amor é um erro
a linha cirúrgica atravessada
quase uma obrigação
o amor é ventríloquo de si mesmo
fala pela boca dos outros e se acha
maior
que a paixão
talvez seja esse o maestro do amor
o poeta
outro que é errado quando ama
que faz das palavras
contos de fadas
fantasmas para ludibriar
na encruzilhada dos olhos
mais descuidados
amor é polaroide
falsa fotografia
quem diz ilusão
diz amor
ou diz desamor  - que é a mesma coisa
amor é coisa que deveria ser esquecida
pois é vício
deveria ser deixado
como depositário de esquecimentos
o amor é uma aposta
de quem ama menos
e quem ama menos
sofre menos desesperança

a você que ama
amargamente
insatisfatóriamente
desesperadamente
ruidosamente
espantosamente
seja feliz

(pelo menos tente)
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segunda-feira, 11 de junho de 2012

das lábias...

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"a mente assim
diante do demasiado
saiu de si
- sobreexcedeu -
e já não sabe lembrar quanto é passado"
Julio Carvalho (Adaptado)
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bucal
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falta falar
que


a palavra-pedra
me cansa muito
tenho vontade de jogar longe e quebrar tudo
que palavra imóvel é útil?
só se for quando peça de biblioteca
e dizem os loucos usarem melhor as palavras pelas paredes brancas da pele
que são páginas arrancadas
porque é pela pele onde a palavra não para
e estas sim são palavras de verdade
- Mas eu não quero possuir a palavra louca
diria  Alice
- Você não pode evitar isso - diria o gato sorrindo sorrindo rindo muito
(sorriso é palavra certa)
- Todos que usam palavras são loucos. Eu sou louco. Você é louca.
- Como sabe que minha palavra é louca?
diria Alice
- Com certeza é – diria o gato sorrindo sorrindo rindo mais
(sorriso é a palavra aberta)
- ou sua palavra não teria vindo parar aqui...
o ideal seria levantar e esquecer
deixar a palavra ir
se reformar
não dar nomes às coisas
quando algum alguém algo tem nome
ele some
tem vezes que é melhor lembrança do que nome

quero mais a sorte de lembrar do que escrever
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sexta-feira, 8 de junho de 2012

dos sais...

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"se tu olhardes as palavras como alma 
verás o significado delas
tu tens os olhos dos signos puros -
desapegue-os."
Julio Carvalho
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temporary
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sal dos olhos

choro vem de dentro
muitas vezes
nem sabe porquê
o choro é de água
nem sempre agrada
nem sempre filtrada
tem choro ruim
de gente amarga
o choro é sempre
de água salgada
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se eu não puder enlouquecer 
num mundo tão ordeiro
de nada adianta 
ser tão eu

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na escala de sol

eu sou de luas
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estou aprendendo a não precisar
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dos aflitos...

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"e quando penso cor
penso poesia"
Julio Carvalho
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all  van
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poema de amor para os aflitos

haja paciência
tanto amor  a curto prazo
vendem-se corações a preço de alma
(os espíritos
vivos
das janelas
aguardam
corpos à porta)
a vida tem pouco tempo
pra conter amor
por isso exigem-se tantas
urgências:
voz incerta de corpos
carentes
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quarta-feira, 6 de junho de 2012

dos semientes...

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"Se eu fosse menos sentimental. 
Assim talvez eu comece, ou termine. 
Ou nunca acabe."
Julio Carvalho
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Antony-Gormley-Domain
Antony Gormley - Domain
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semitudes

semisqueça
semipessoas
semicoisas
#não se misture#
- às semimpossíveis causas
semidramas
semicomédias humanas
semicerradas pálpebras num
semissono
semimeio
morto
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domingo, 3 de junho de 2012

das vertigens...

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"só fui só vou só vai o que me interessa..."
Julio Carvalho
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5
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carne: oficina da palavra


silêncio pouco é bobagem


enterro-me
porque falta
desejo


venha brincar de fábrica de esconder


explícito
incito 
maciços 
versos 
possessos:
vicioso é o cio da palavra


os arrepios são tão poucos que ando procurando pele nova...


na relva
destoam
aquela
meia dúzia
de corpos
nus


puxa rápido esse gatilho:
quero
metalicorgasmos
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