sexta-feira, 25 de novembro de 2016

das heresias...

vou da poesia 
à heresia

















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coisas bem fáceis

olhar nos olhos
até se perder
de vista

tirei os sapatos 
para desandar

poema é coisa que se arruma
dentro da desarrumada vida

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meu desejo não consegue 
se alimentar de sobras
nem de
sombras

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dali do canto do olho
saiu 
de repente dele
uma lágrima 
poética 
onde se consumou
a palavra
que iniciou
esse poema


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estou com dor nas pernas
se eu fosse um pássaro 
seriam dores 
nas penas

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até minha língua 
tem origem
poética

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todo desejo
é uma forma de oração
se não acontece
é sepultado
viajo na velocidade
dos meus desejos
e visito minhas sombras
entendendo
os desejos
como mantras
calo um a um
desejos calados
imunes
às paixões
mas a carne é franca
desaperta e solta
o desejo-fênix
que não se queima
e dos séculos
renasce

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o rosto
é um lugar
onde os sentidos 
mostram o significado 
da carne

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odeio gente gentil
gentileza não é coisa natural
é sem princípios
gentileza é invenção de vendedor
valorizo gente verdadeira
e a atenção e o cuidado
que se enraízam em sentimentos
deixam de ser gentileza
são
atenção e cuidado
verdade
da verdade eu gosto
ao menos da minha verdade
a verdade é quando reconheço
os olhos
os olhos sempre ficam
testemunhas
o rosto muda em volta
transforma-se
abre poros novos para respirar
a boca também muda
esquece palavras
troca sílabas
fabrica vincos ao redor
para não sorrir
mas os olhos
se mantém
intactos

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testemunha

do corpo de delito
ao corpo de luto
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paradoxal
além de calar 
é possivel mentir 
sair impune 
mesmo sob juramento
não sei
não vi
não fui eu
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amores secos
securas sem amor
mesmo que tivesse riso
muito
nenhuma
assim de alma em branco
mais para ser bravo
mesmo num canto
e tanta secura assim
é que nem chão de rio
abre umas rachaduras
a terra escancara as carnes
sem sangrar
separa as coisas
tudo escorre para longe
até perder de vista
uma margem sem ver o outro lado
pedaço de terra que desgarra
vaga para mais longe ainda
umas ilhas boiando no mar
pedaços sem serem um do outro
aí vem a busca
em outro lugar
outro território
aprender outra língua
desaprender a antiga
economizar encrenca
recuperar até achar o lado
de lá
seu próprio lado
inesperado
ali solto
sem algemas
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con
senso 
humano
eu bem digo
essa coisa não 
con
tenho
nunca
mais
denso
#tenso
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no princípio
era o verbo
sim
com o tempo
o não
interveio
sem desculpas
sumiu
no meio


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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

das limitações...

.
"para que este sopro não nos abandone, 
tratemos de revesti-lo com palavras, 
alegorias, 
pensamentos e encantações."

.





























dias de festa 
dias de cores
fáceis
onde
o
sol
segure
se
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nebulosa

por tempo limitado
sons recorrentes
dei-me afoito
às desorganizações
interrompendo
o voo
dos vaga-lumes


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ocultar bibliotecas 
até a morte
dispor poemas
em estantes
instantes
são 
pontes

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eis o mundo
do lado
de
fora


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"gente
vem com a gente
o trem nascente vai com carga
o trem nascente vem com gente

o trem nascente é o trem de sempre
chega terça volta sexta
passa o campo cruza a ponte
na fumaça no vapor
o trem nascente é o trem pra longe
toca apito e a bitola
recomeço na sacola
esperança no motor"
João Paulo Vereza

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vizinhança

manhãs adiadas
enquanto deus
não abandona o DNA
acordo
com areia
nos dentes
percebendo
quem mora
ao
lado

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um dia eu volto
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nada a não ser luz
onde fica
qualquer
memória

evitar
a secura que cresce
até tocar o céu
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vamos seguir
o outro mundo
o outro muro
do outro do lado
o outro amigo
desconhecido
vamos fazer amizades
com o desconhecido
aquele que menos se parece
comigo
vamos dar liberdade
vamos dar mais vontade
de escapar do incerto
insetos que somos
voando em torno
de luzes
vamos dar outras chances
para a escuridão
de desconhecer
o outro
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"eu sei que o mundo tá se despedaçando 
de um jeito sinistro ultimamente
mas
que se foda o mundo...
apenas me abracem 
e vamos nos amar enquanto tudo explode lá fora."

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pega tudo
joga fora
faz de novo
repita
a
estética
anestésica
para as dores do mundo
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Adrienne Myrtes










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a palavra certa
reverbera
porque se verterá em outra
boca
aberta
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"existir é uma pergunta 
que queima sem resposta"
Claudia Barral 
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com
Dona Rosália 
aprendi
a
dançar conforme
a música
arrumando
os porões
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céus
em
quatro
tempos
seus
aos
quatro
ventos
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clicamo-nos
mas não 
tocamo-nos
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"eu me busquei no vento e me encontrei no mar
e nunca
um navio da costa se afastou
sem me levar"
Sophia de Mello Breyner. "Eu me perdi". 

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olhando direito
qualquer teclado
é um
dicionário
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quase tudo
quase todo
o que expresso
tem um
direto
no peito
ou tem
avesso
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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

dos compassos...


.
apostasia
(em grego antigo απόστασις [apóstasis], "estar longe de") tem o sentido de um afastamento definitivo e deliberado de alguma coisa, uma renúncia de sua anterior fé ou doutrinação. Ao contrário da crença popular, não se refere a um mero desvio ou um afastamento em relação à sua fé e à prática religiosa. Pode manifestar-se abertamente ou de modo oculto.


























de 
parar-se
com
os
fogos

acre /
ditar-se
imóvel


onde

o tempo
não se
identi / fica
parado


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só quem não vê
direito
entende
os
esquerdos


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o mau humor
é o humor torto
de direito
é o demônio interno
fora da jaula
e fora de hora
mas é o respeito
o mau humor
é a verdade
mesmo que fora
do
agora



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a poesia é a descoberta
das coisas 
que eu sinto

muito


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catalog
ON



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poesia não compra sapato 
mas como andar sem poesia?
descalço
menos
e
em seu encalço me estrepo
contemplo
me encaminho
desvio
atalho
rumo ao infinito
conflitos nas encruzilhadas 
pendem
nas palavras 
perdem 
mas não desequilibram
passadas firmes 
de comprometidos pés
nus 
ou pudicos
com
passados
únicos


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"Ficar quieto. Quase em silêncio. Não se fazer notar. Reorganizar os sentidos. Desejos negociados em troca de paz interior ou sei lá como é que chamam isso por aqui na capital. Fechar a conta do boteco e sair sem dizer quando volta. Continuar falando as mesmas coisas, mas com um novo sotaque, só pra parecer que a gente foi cuzão a ponto de mudar a trilha sonora do cd player teimosamente acoplado em nosso cérebro viciado. Sentir que os passos se aproximam de nossa janela. Não ouvir. Eu disse, sentir. Engatilhar a porra da arma e esperar. Ansiosamente, esperar. Abrir a Biblia em alguma página aleatóriamente e esperar. Esse mix mortal religioso que faz com que cabos de alta tensão se desloquem precisos e se enrosquem em nossos fígados violentados. Nosso estomago virado do avesso. Nosso vídeo game de ressentimentos. Esse desgaste com o que chamam de vida. A tortura cotidiana que vai minando qualquer possibilidade de estar amável. Que vai DELETRANDO todos os planos de bem estar...amável. Que vai camuflando nossas boas intenções até que não sobre nada além de ranger de dentes. Quando bons pensamentos se tornam insuficientes.
Quando as palavras que escapam de nossas bocas já nem nos surpreendem mais."

Mário Bortolotto


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sob um céu 
de interferências 
abusado
escondo
minhas
intenções
mais
sérias
as coisas
soltas
são
poucas
quando se movem
com
a
razão



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tem gente
que declara amor
como quem declara
imposto de renda
e depois exige 
devolução



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se sou
tantos
em quantos
eu me divido?
se sou um
é uma loucura
se sou dois é dúvida
se sou três
dívida entre
amantes
se sou quatro
pontos cardeais
ordinários
se sou cinco
vivo
atrelado aos céus
se sou seis
em uma mesa
discuto
se sou sete
nada se repete
no recinto
se oito
espanto
gozo
coito
se sou nove
o que se move
sofre
se dez
um prédio esquisito
todo mundo do lado
de dentro
em
conflito
se sou muitos
multidão
como todo
mundo
muitos
são



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sádico

o amor rebate na cara
e se não arranca sangue 
não vale
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p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s
proibido
faz
ceifar
sentimentos

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respiro
pelos olhos
em meio
à fotossíntese
/
todo gás
é carbônico

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óculos:
tetraedro
por
onde
enxergo
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inventável
/
tudo o que me muda
nunca me restituirá
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"God is Google
Moses is Wiki
Zuckerberg is Jesus
Mohammed is Twitter"

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poesia
alimenta
o espírito
a preços
justos
/
arranco a memória
da horda do tempo
e atiro partes das lembranças
para silenciar a atmosfera
da minha ausência
percorro vezes sem conta
no íntimo das avenidas
que não dormem
na noite desta cidade
nua de árvores e pedras
enxergo edifícios adulterados
pelos olhos
da lua cheia
sem
sono
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buscar a
memória do gesto
antes mesmo
de acontecer 
algum
sentimento
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os ombros
suportam os olhos
os ombros suportam
os homens
os ombros se importam
os ombros se dobram
mas ainda amam
o mundo

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"e nada como um tempo
após um contratempo"

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a lua
é o fogo
do sol
refletido

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desnatur(c)aos
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"Nada causa tanto escândalo, em nosso tempo, quanto o tempo vazio. É preciso 'aproveitar' o tempo, 'fazer render' a vida, sem preguiça e sem descanso. A esse imperativo, como veremos, o depressivo resiste com sua lentidão, seu mergulho angustiado e angustiante em um tempo estagnado, que lhe parece não passar. Ainda que eles não saibam disso, a inadaptação dos depressivos em relação às formas contemporâneas de aproveitar o tempo pode ser reveladora da memória recalcada de outra temporalidade, própria do 'tempo em que o tempo não contava'."
Maria Rita Kehl, em "O tempo e o cão – a atualidade das depressões"

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"esquece os livros por um instante 
e a história começa a ser escrita fora do papel"

Algum Guilherme

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o tempo, o barco e os poetas
os poetas acreditam
em um barco
e entram nele
avançam sobre as ondas do tempo
sem que o mastro se arqueie
sem que haja a necessidade
de se mover
porque o tempo
é coisa rápida
em volta do barco
os poetas esperam
se recusam a dormir
se recusam a morrer
por isso reproduzem
palavras
dentro d'água
para não perder o último momento
quando o barco
estiver
em
alto
mar
mas o que é a imortalidade
de tantas palavras
se não
este barco de pedra
que espera com vontade
talvez
aquilo que nunca se realizará?
nestes tempos
relógios de vez em quando
param
em seguida
funcionam
melhores os poetas
que se entregam à viagem
não sabem quando interromper
e por quanto tempo
também não o quanto devem escrever
para resgatar o tempo
a espera de um final sempre
com um lugar vago
de forma que um poema
possa lá se ajustar
no compartimento de um dia inteiro
se outro final acontece
porém
formam-se ondas de multidões
e erguem-se palavras aos telhados
às escadas
ao algodão
até nas nuvens
e respondo consciente:
“eu tenho cinquenta e um anos”
sem saber que alguns números
são minutos
ou milênios
ou palavras
até poemas inteiros
sem conhecer todos os nomes das estações
onde se encontram
para cruzarem com outras pessoas
por alguma significativa razão
até que desapareçam
as cifras
(esses poetas)
enquanto os ponteiros demoram
e cegos tateiam o mostrador
números à esmo
como incertezas
e acreditam
não haver mais o que marcar
o que não significa
não mais existir o tempo
pelo contrário
ocorre o acúmulo de palavras
em segundos
minutos
horas
milênios
tudo leva consigo
ampulhetas
sinos
relógios de torre
faróis
e os ponteiros desesperados
e os poetas esperados
remam caóticos
próprios em apontar
o fim do mundo
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