sábado, 31 de outubro de 2015

dos uivos...

.
"a consciência mente, dissimula,
ilude e deixa-se iludir quando convém
a carne não
a carne é sempre sincera
come ou bate
mata ou morre"

Sandro William Junqueira
.

































defino paciência
como a capacidade
de fingir
que não
me desespero
diante
de determinadas
situações
......................................................................

o que
nos
falta
é o que
nos
assalta
em sonhos
todas
as
manhãs
......................................................................

pode ser que sim
pode ser que não
pode ser que sarna
pode ser que cão
......................................................................


devoro
com a raiva dos nervos
tudo inteiro
pedaços grandes
como se acabasse
antes de começar
as fomes
não adianta
porque a carne
não sabe de dentro
que a fome é outra
é a ansiedade
da falta
de sempre
nociva
e perpétuo
vazio
do mundo
só quando
raramente
preenchido
acende
sacia
a fome
de tudo
e corpo e alma
e copo e prato
tudo se vence
se enche
de alegria
a boca e a barriga
cheias
de algum lugar
inteiro
......................................................................

uivo

a lua
responde
aos lobos
e aos cães
pálida
e
em absoluto
silêncio
conforme cheia
se arrasta
a
noite
................

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

das alturas...

.
"por que nada permanece inteiriço
em sua casca,
protegido?
um dia racha
e pela fenda
passam peixes e navios
fantasmas que na noite ganham vulto:
fogo, chama, fumaça
nada permanece inteiro
tudo se esgarça
assim é o intervalado texto do destino,
forrando a mesa
por que não se estende eterno,
se é tão fino?
por que não dura a inteireza?"



































braço direito
esquema livre
braço esquerdo
pensamento
absurdo
nada é destro
quando se
ama

................................................

nos meus desertos
de areia
movediça
candelabros falsos
iluminam
ampulhetas
perdidas


................................................


essa 
emenda
em mim
sangra mais
quando é
passado


................................................


manhã de fórceps 
contra a parede
num ponto de ônibus
passa
gente
aos solavancos
nada é polido
nesse
tempo
cinza


............



quarta-feira, 28 de outubro de 2015

dos itinerantes...

.
"sou um filme eternamente clichê
cheio de lugares comuns
e cheio de sentimentos comuns.
um poeminha clichê:
"no meio do amor tinha um clichê
tinha um clichê no meio do amor"
sinopse: 
a vida acidentada de alguém em busca do reconhecimento pessoal 
através de fragmentos morais 
lidando com a solidão de uma nova responsabilidade social 
e seus desejos de interação
tudo bem clichê
adicionado de desejos estranhos
insanos
talvez aceitar um copo de veneno e uma desculpa qualquer 
de como o mundo engole as pessoas inteiras
talvez seja precioso
um ficar só necessário
caso
se alguém me disser que eu sou forte 
ou que eu tenho de ser forte
vou chorar um mês inteiro
com a impressão de que as pessoas 
estão me empurrando para frente 
mesmo que eu diga que talvez não queira ir
aí então
eu vejo os homens
- do que são feito os homens?
- são feitos de água e sal.
e sabe pra onde foi todo meu amor próprio?
todos os lados
todos os sentidos
e juntar está dando muito trabalho
talvez de água e sal falte açúcar
falte interesse
se tem algo que eu sou bom nessa vida 
é enrolar o meu desinteresse 
até que ele pareça interessante
no fundo eu sou uma senhora trintona 
meio a lá Hollywood 
querendo que o amor me encontre 
nos lugares mais improváveis
só para poder provar que o amor existe
e claro, depois cuspir 
que nenhum outro homem me fez feliz
porque é uma frase clássica
mais um clichê
então me vêm as escolhas
quem realmente escolhe?
tenho a impressão de que no fundo quem escolhe 
sou sempre eu.
uma vez uma mãe de um amigo me disse uma coisa: 
o histérico ou mulher é sempre quem escolhe,
é sempre quem quer ser seduzido e rejeita ou aceita.
sou mesmo uma mulher trintona brincando de amor
muito surreal
uma mulher de fases circunspecta
eu gritaria pra mim mesmo: "vai viver porra"
mas certamente eu ficaria magoado
mas viver a porra é o que nós mais precisamos
celebrar a dádiva de dar uma trepada sem drama.
me entendo
quase um cordeiro
se eu fosse um filha da puta talvez eu não sofresse metade
mas a vida me manda ser uma boa pessoa
e eu sou um cordeiro
não sou um lobo
e alguns lobos me consomem
mas eu continuo sendo um cordeiro
desses
sempre criando garras de aço"

conversas itinerantes
Vinícius Miranda - interceptado por Julio Carvalho
.


.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

dos trânsitos...

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"parar o tempo é fácil
deixar o tempo cumprir sua tarefa
é muito mais difícil
deixar pra trás é sempre mais complicado
ou não"
Julio Carvalho - Adaptado
.


life on mars
.


amar de olhos fechados é amar
igual a um cego
amar de olhos abertos
é se entregar ao abismo
plantar no escuro
sem saber 
se vai receber
algo
ou
nada
qualquer algo válido
acreditar
em deus 
ser ateu 
acreditar
na ciência
acreditar 
no amor
e hoje em dia
quase que só acredito
quando imagino
....................................................................

percebi que posso criar memórias
em outros
quando de uma conversa
antes do teatro
"Pergunte ao Tempo"
conversei com uma senhora
sobre determinado filme
que ela não se recordava
era algo como alguém preso
junto com um padre e que foi traído 
pelo melhor amigo
não sei nem que filme seria esse
poderia ser o "Conde de Monte Cristo" 
poderia ser qualquer outro
até citei Alexandre Dumas
ela ficou eufórica e dizia 
- sim é esse mesmo!
e eu nem sabia qual era
ela me disse então que talvez tivesse
alzheimer e médicos disseram
que alguns esquecimentos
eram "normais"
e eu nem sei se feliz ou certo
cumpri a tarefa de recriar
uma lembrança
que nem mesmo eu 
me lembrava ao certo
então me veio uma sensação terrivel
de que as minhas lembranças
também poderiam ser outras
e não as que eu sei
que existi
....................................................................

quando
me olhares
direito
encontrarás 
a chave
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instáveis 
as coisas 
não tem
paz
....................................................................

no momento
antes que
quebre
perto do som
que se
aproxima 
numa pressão 
na medida que se fecham
com uma respiração 
profundamente 
presa
....................................................................

para terminar 
um café, claro
pequenos cheiros espalhados
queijo e chocolate 
como é que você sabe?
olhou nos olhos com saudade
já do sentimento acabando
no fundo do copo
o outro solta uma risada
desculpa, foi uma atitude idiota
e na caixa?
sim
um violão 
ótimo 
vai tudo correr bem
você vai ver
eu sei
acredito
nunca duvidei
ouve
um ou outro toque de mãos 
o quê? 
cara. para. ouve só. 
o outro fechou os olhos e deu ouvidos ao silêncio 
instantes necessários ao escutar 
o que é? 
não ouviu?
da caixa
música 
os dois eram cordas 
quase 
vibravam
juntos
....................................................................

Bowie em dois momentos de vida
recentes
no filme "Perdido em Marte" - Starman
e na peça "Pergunte ao Tempo" - Space Oddity
música
música
ídolo-arte e contemplação
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quero coisas 
que levem 
vento
....................................................................



















ontem
e já
quase
curado
....................................................................

trânsito

inicio a linguagem
quando a minha palavra
termina a sua
essa coisa
de beijo
e línguas
presas
no cruzamento
de bocas úmidas
....................................................................

quero os versos
que até os ossos
possam ter

quero os versos
que até os ossos
possam ler

quero os versos
expostos
até
cicatriz

quero os versos
respostas
na ponta da língua
sangrando

..............



domingo, 25 de outubro de 2015

das consequências...

.
"sentas-te ainda à mesa – escreves
palavras tão compactas, tão opacas
como a luz que te cega. cada dia
promete o infinito em meia dúzia
de palavras – o amor,
a vida, o tempo, a morte, a esperança,
o coração. repete-as,
repete-as muitas vezes em voz alta
e escuta a sua música
até não quererem dizer nada."

Fernando Pinto do Amaral
.





















o que é bom
dura
torto

o que é bom
surta
muito

o que é bom
surte
efeito
em
tudo
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alguma coisa
deixa
a
desejar:

coração 
tamanho
estranho
líquido 
em queda
d'água

coração 
vulcão 
aberto
perto
do
mar
................................................................

saudade estranha essa
do que eu nem tive
dessas nuvens
emaranhadas 
e desses
rios
arrancados
de
dentro
................................................................

poetas são seres estranhos
saem dos lugares
sem dar satisfação 
como se não fizessem rimas
poetas são aquelas confusões 
que não sabem 
onde se encontram
quando o poema
é exatamente
aquele
instante
................................................................

o poema
é onde o poeta
se estende


o poema 
é onde o poeta
se entende
................................................................

como fazer
um poema
sobre o silêncio
sem o som
do infinito?
................................................................

intervalo blues

"quem vai mais longe 
deve partir antes"
O Livro do Travesseiro
Sei Shônagon
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agarre-se
às
folhas
vivas
mortas
secas
as coisas
desaparecem
................................................................

palavras
sente-as
à mesa
com garfo e faca
entende-se
prato principal
e saborear
poesia
................................................................

sei que até errei
em te querer
muito
e ali no canto
seu violão
em silêncio
observava
toda
essa música
que vinha
de 
dentro
................................................................

tenho problemas com sequências. 
coisas que começam, se desenvolvem e terminam. 
coisas com coisas. coisas que são causas de certas consequências e vice-versa. 
parágrafos com ideias principais. conclusões. e por quê?
porque não conheço nada assim, nem na mais intensa e luminosa - ou obscura - imaginação. 
menos ainda na vida. na vida, e mais ainda no sonho, 
o tempo se espreme, se alastra, se comprime e se propaga. mas não segue em linha reta. 
nada continua como começou, 
nem mesmo começa antes de terminar. 
aliás, nada termina. não se pode, pelas consequências,
determinar a causa e estas se proliferam 
de acordo com necessidades, desejos, medos 
e uma memória falha e que só faz, 
quanto mais o tempo passa, puxar a coisa para o seu lado
ou o lado para a coisa ou mesmo por a coisa de lado.
inutilmente.

adaptado de Noemi Jaffe

....................

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

das coberturas...

.
abertura para um sol em tuas costas
um pomar na ponta dos teus dedos
sua pele uma música sopra arrepios
a boca assaltada atravessada por águas
as palavras ardendo em silêncio eriçadas
tempestades de desejo enluarando lábios
calmo paralisado olhando atônito
teu rosto esta costura em meu coração
assediado por minha ânsia faminta


Julio Carvalho adaptado de Kleber Lima
.






























.

para André Vareiro

porque escrevi estou assim
menos intenso
e sei de alguns que não escapam disso
ampliam
a intensidade
que eu trago por dentro
e o outro amplia
nessa lupa
de aumento
indecentemente
porque escrevo
ao contrário do outro
que terminou com a poesia
por momentos
esporádicos
entre drogas e sentimentos
de ausência
demais
demais
a poesia também termina comigo
e se desarranja
porque não encontra espaço
me abandona ao meio dia
e no meio da noite
me espanta
e eu escrevo
essas letras
pequenos répteis
arrastados
entre as rimas desencontradas
só para outros morrerem
envenenados:
esses que leem
ao pôr do sol
.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

dos rasgos...

.
"antes que você durma 
falemos dos seus olhos
antes que eles sumam sob as suas pálpebras 
falemos dos seus olhos
ou da voracidade do seu corpo 
ou do açúcar na sua voz
qualquer coisa que me faça entrar abruptamente
em estado catártico 
até que se diluia o engarrafamento.
você sempre se desculpa 
por me chamar tão tarde, 
mas a verdade 
é que eu gosto de reparar
no retrocesso dos carros, 
no cessar das buzinas
nos corpos entre luzes 
e nas aves de rapina:"

Felipe Andrade
.




























guia das paixões transversais
dessas entaladas na garganta
de um lado a outro
uma paixão
é uma ânsia
um rasgo
descontrolado
até o próximo
encontro
.............................................................

poesia
não é cor
que se cheire

(pausa)

e vivam os poetas
e suas imoralidades
em rimas
públicas
.............................................................

cata
do chão 
a memória
como se fosse
semente
entende que não se planta
e nem adianta
nada
esse exaustivo
rememorar
momento
que escapa
não nasce
muda nenhuma
acontece
a planta arde
em cada cabeça
decepada
pelo tempo
.............................................................

não temos nada a reclamar
porque você não veio
não temos nada a dizer
porque você não veio
não temos nada a fazer
nas ausências
não temos nada a sentir
nada a perguntar
nada a declarar
nem eu 
nem meu 
coração
.............................................................

kamikaze*
é o caso
da morte do outro
por 
amorosos
acasos

tiro santo
as tuas asas
não tem chão
nem lhe sobra
pena
nada

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me assusto 
quando percebo 
minhas pegadas 
sobre todos 
os caminhos humanos
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e eu aqui 
alucinando
enquanto 
parece
que você 
só gosta
.............................................................

#homensraros

















sobre  o projeto ‪#‎homensraros‬ a Erick Guerra : 

se você perceber é sempre relacionado ao olhar
preservo sempre os olhos 
e modifico a realidade da foto 
fragmentando ou alterando o entorno

(eu não tenho visão periférica)

vamos dizer no bom sentido 
que é uma vingança estética 
contra um incidente inevitável...
.........................