sexta-feira, 19 de maio de 2017

dos bandidos...


"Na música, na dança. 
Ai de nós se uma grande parte de Dionísius sadio 
não permanecesse viva. 
Uma parte da componente “mal”, 
que existe em todos nós, 
anda se sobressaindo e solta, 
sem que as outras partes se entrosem e aceitem o mal. Temos de aceitar o mal, 
mas não deixá-lo solto a ponto de sufocar 
as outras componentes da psique que são o bem."



.

.


a poesia é capilar
ela cresce entre as mechas
e não importa a cor
o corte a lisura
ou a textura
dos fios
ela resiste ao corte
sem pudor
ao corte rente
sisudo
do homem de terno reto
ou da mulher de fino trato
a poesia rente e cortada
a fios
rende muito
as palavras que sobram
vão crescer
nas cabeças
dos outros




e quem vai nos salvar

agora e na hora
de nossa
sorte
até na morte
além

o pássaro da poesia
soma de tanta asa
tanta pena
tanta amplidão
de dar pena
de dar dó
é animal de grande potência
e autonomia
os poetas
não
gotas de sangue eles são
das veias do pássaro original
e têm de cuidar de si
e do ávido bico alado
que se alimenta
dos filhos que gera
a poesia voa
fazendo tamanha sombra
mas o poeta vai a pé
sob olhares e zumbidos
junto a pessoas invisíveis
sente frio
sob o sol
sente febre
e solidão
por onde os pés vão
os dedos apontam o vagabundo
ele prossegue entretanto
desligado
ou acuado
é seu destino.
e ele não o troca
por nada deste mundo
única coisa que vale a pena
e não voa sempre que pode
poesia
e o poeta pousa
e se sacode

adaptado de "O pássaro da poesia" - Abel Silva

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na gaveta está a chave da palavra
a gaveta está fechada
de que lado ela está
nem a chave sabe de nada
da
palavra
trancada


a poesia
alcançou
o máximo da sua folga
falha
até
atravessar

falta

eu 
caio
onde
tem
espaço


[dor de cabeça]
Coração é metáfora 
a gente sente
porque pensa 

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minha atitude é de pleonasmo
(vicioso)
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o ciúme atrai mais que o outro
enquanto o
"dinheiro não traz fidelidade"
Samuel Luis Borges
------------------------------------------->
o fracasso implica intimidade
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/vocacional/
a vida
que se estenda

o problema é que nem todo dia dá errado
o problema é que nem todo dia dá certo
o problema é que nem todo dia dá

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gaivota
poeta porque poeta
quando dei por mim
poesia
que não tem princípio ou final
me mantenho poeta
luto contra meu corpo desde o início
essa vontade de excessos
me tenho
mantenho
poeta
no teclado
ou com a caneta
ou lápis
mesmo com pouco papel
mas devido à rapidez
com que penso e esqueço
devia usar um teclado
o mais antigo de todos
que casa melhor com o gesto incisivo
que imagino
preciso
aquele que foge
com sua penugem de asa
com o bico
de um pássaro qualquer
de rapina
mergulhando
veloz e voraz
repentinamente
no gargalo
na garganta do tinteiro
na ponta dos dedos
para pegar
pescar
a voz úmida
submersa
contínua
escura
intensa
que não pode secar

"Escrevo com meus erros rigorosos.
O poema resiste, não pode comigo
não paro, ele estanca, atropelo
deixando marcas da derrapagem:
correção raivosa, rasura de grafite
de manchas/ cheiro/ som de pneu freando
para não sair da margem cautelosa
e perder-me semimorto na mata virgem
no perigoso desastre do sentido.
Sinto, no entanto, que deveria."
Armando Freitas Filho


out_ono
fora de um
lugar
qualquer
menos
aqui


a luta do poeta não é com a solidão
vê-se que sabe usá-la
percebe a sua natureza
transforma-a em poema
começa a digitar
assim
do nada
tem um ar sóbrio
com palavras embaraçadas
o corpo não dança
vê-se que há muito venceu o medo de não ser igual aos outros
escreve o poema
passa a mão sobre a orelha
é um poeta
em definitivo

escrevo um pouco depois do café
e o gosto ainda fica
e o cheiro abandonado na cozinha
tem coisa de muito tempo atrás
na borra atirada no lixo
interditar a memória
tornar a memória bela é voltar ao esquecimento
só é belo o que não é lembrado
porque a memória é o não imediato
é o imaginado
um passo atrás ou à frente
enquanto o belo é o instante
a superfície tão fina que a frente
fica igual às costas
o início é o mesmo que o fim
interditar a memória
a memória é ocupação do espaço agora
a memória é o não imediato
a memória é o inteligente lembrado
estar presente é inteligente
mas não é o corpo porque corpo é estar presente na memória agora
por completo
e o inteligente
repito o inteligente é o não-imediato
um passo atrás ou à frente
a dança não tem memória
o café passou o passado
a criatividade não tem memória
a poesia passou agora
café e corpos passados
começam agora no momento que acaba
o corpo começa no mesmo lugar que acaba
o corpo é
UM lugar e
UM tempo e depois
UM outro lugar e
UM outro tempo que não recordam o tempo e o café passados anteriores
o tempo é a borra

MINHA 
RELIGIÃO É O NOVO

eu não domino o reino das palavras
como um domador
um administrador cruel
sem planos
eu não sei bem nem como usar as palavras que me contém em acessos de fúria e receio de não pensar em momentos de pânico 
passo por cima dos erros e devaneios onde o que expresso é só um tempo de desvario ou delírio
eu não domino bem as palavras que não reconheço dentro dos homens
eu não dou o mínimo para as palavras que não me pertencem
eu não esqueço o domínio das palavras
eu não minimizo a raiva medo silêncio ou categoria do instante de cada palavra
não reconheço a palavra sem nada
existe um espaço negro nessa fuligem
eu limpo esse espaço para ocupar com outro nada
limpando a palavra
encontro outro sentido mais raro
tenho medo desse encontro
pode ser que a palavra bruta seja mais dura que o espaço sólido de um diamante
pode ser que a palavra corte não importe
pode ser abrupto
que o sujo seja o lado da palavra mais forte

porque ainda temos vergonha
se somos todos 
só pele
e osso?

ter- a-tral
criar(ação)
teatr (ação) sentimental
ter atração sentimental
ter um oco emocional
ter um outro emocional


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todo mundo anda à beira de um buraco
alguns imóveis por causa dos ratos
esses seres que fazem um barulho que incomoda
os mais sensíveis
pense que não é nada fácil andar ente ratos que andam entre os mortos que ficaram pelo caminho
mortos por guerras de dentro e de fora
que ainda assim temos que andar
através do cheiro de morte e da falta de vida
e cada passo dado é mais sorte
do que sentença de morte

o sexo no escuro
restringe-se
aos buracos
à pesquisa dos lugares
sem fronteiras
só pelo cheiro dos ossos
e reentrâncias abertas
umidade e línguas soltas
sem luz e sem vergonha
não existem palavras
na falta da luz
no escuro
todo sexo de puto
é
puro

galho

é muita mãe
e eu órfão
sou pai-mãe
de mim mesmo
agora enfeito
mãe-de-memória
viva

amizade é mais uma aprendizagem,
igual um pequeno rito gastronômico:
é como se comêssemos um prato
envolto em naufrágios e segredos
– os cozinheiros estão todos esquecidos
os livros, porém, guardam a receita

começo de um poema:

tenho o dom do esquecimento 
mas lembro do que não necessito

"brinquedo para homens
embora eu seja adulto,
não me seduzem os brinquedos eletrônicos
que a moda, irônica, me oferece.
e excogito:
que brinquedo inventar para o adulto,
privativo dele, sangue e riso dele,
brinquedo desenganado mas eficiente?
tenho de inventar o meu brinquedo,
mola saltando no meu íntimo,
alegria gerada por mim mesmo,
e fácil, fluida, pluma,
pétala.
sem o pedir às máquinas e aos deuses,
que cada um invente o seu brinquedo."

.
- Carlos Drummond de Andrade, no livro “Amar se aprende amando”. 


nom de plume










"você precisa de grandes palavras para expressar grandes ideias"


no amor 
a gente demora mais para inspirar do que para suspirar
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o melhor poema contém o lado errado da palavra certa
a melhor poesia
é sempre um resto cultural
uma resposta
ao protótipo do mundo
- o lado errado da palavra
aí está um sentimento de uma região de dentro
de um país estranho
do sentimento único do poeta
aí o problema central é o tempo:
o crescimento
e o desgaste da palavra
irrecuperável
 e o que resta no final
é a sobra como resíduo vital
que permanece
em construção:
um poema
entre ruínas

















objeto/
internet 
supre a falta de memória 
lembrando o que desejamos esquecer

"Tem um lado com
Tem um lado zen
Tem um lado zoom
Outro desfocado
Tem um lado chão
Outro lado alado
Tem um lado não
Tem um lado vim
Tem um lado voz
Tem um lado mim
Tem um lado algoz
Tem um lado sim
Tem um lado sou
Tem um lado quem?
Tem um lado zero
Tem um lado nem
Do lado de lá
Tem um lado além
Tem um lado lei
Toma então cuidado
Vem para apagar
O teu braseado
Tem um lado solto
Tem lado soldado
Esse lado aí
Te deixa confuso
Pronto pra arrochar
Feito um parafuso
O lado soldado
Me deixa lelé
Me imobilizando
Do pescoço ao pé
Preso na armadura
Eu fiquei fundido
Frente à solda dura
Me senti banido
Quero me sentir
Desencadeado
Com meu lado em
Tudo quanto é lado, a-
brindo um contrabando na
Contramão da pista eu
Finjo que sou cego
Pra não dar na vista
Eu procuro enfim
Qualquer endereço
Que não me dê um nó no
Meio do começo
Tem um lado aquém
Bem descontrolado
Tem um lado assim
Tem um lado assado
Um fermenta ali
Outro deste lado
Tem um lado sem
Mesmo acompanhado
Tem um lado tem
Com mais nada ao lado
No meu lado 1
Não fico à vontade
Ele só me dá o
Dobro da metade
Entre o não e o sim
Não quero o talvez, me-
lhor me embaralhar
Junto com esses três
Tem o lado 3
Lado bem bacana
Desde que caibamos
Quatro numa cama
Tem o lado light
Esse me seduz
Pois além de leve
Ele me dá luz
Lá no lado dark
Nada é tão festivo
Mas até no inferno
Eu me sinto vivo
Tem um lado mas
Que chega atrasado
Avisando a mim
Que tudo somado
Só resta a raiz
De um metro quadrado
Todo o resto é lero
Para o boi dormir
Múltiplo de zero
Pra me dividir
Entre o lado bom
E meu lado B
Entre o aqui e o lá
Fico lá e aqui
Sem saber dizer
Onde vou chegar
Nem tentar saber
Que lado seguir
E neste translado
Eu só quero quem
Queira vir comigo a-
lém do verso 100."








































tédio do Carvalho! 😓



















------------------------------------------->não se torne aquilo que te feriu

o poema esperado
todas as coisas
são mesa para os pensamentos
onde faço minha vida 
num peso íntimo de alegria
ou da tristeza liquidada
como um existir da sua mão
fechada puramente
sobre o meu ombro
como um toque desejado
junto a coisas intensas de água
e almas livres
casas e prédios e asfalto
consumindo-se lentamente
levas de faróis altos
– meus pensamentos criam-se
com um poema lento
um sabor
de coisa antiga
e pão diurno
isso explica tudo
e o vir e ver para mim
– como se levantassem paredes brancas
e a vida ser redonda
com seus ritmos sobressaltados e remodelados
onde tudo é alimento que se come
e a vida
é o trigo sagrado das coisas
o único sentido do que acontece pelos dias dentro
cada momento
como se espera o rebentar dos frutos
e a suavidade das sementes sobre o mundo

o resto é uma loucura oculta
um deleite
e uma vontade de cantar
furiosamente

classificação
(quase)
morfossintática:
desejo é verbo
presente divino indicativo do olho de um deus à primeira pessoa não singular em forma
de luz
e
métrica
compõe a tecitura das coisas no tear do tempo
navega ocioso entre o mar branco e as rochas
e
durante as ondas
costura cruzes e pontes
rarefeitas
Julio Carvalho e Vini Miranda

eu gosto mais de imaginar
do que de lembrar














olho
me
de 
lado
olho
me
de
frente
olho
me
de
todo
olho
me
de
monstro



não tenho metas
porque
metamorfose
não tenho planos
porque são
oblíquos


Nicolas Nardi













a lua 
fica
de saco
cheia
onde tem
mais bobo
do que lobo


pomada
tomada
poesia
tópica
não
utópica




nós não temos vagas
porque
nós não somos
vagos



as palavras são meu ofício e às vezes meu ofídio-veneno.
sem antídotos...


palácios
apoderar-se de um reino decadente
predestinada a retocar sobras de uma riqueza esquecida
orná-las e coroar-se em segredo
uma rainha
na penumbra
dos portais
de um castelo
de areia

A Poetisa.



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queria poder lembrar
dos poemas que se perdem
enquanto meu café esfria
enquanto espero o ônibus
enquanto escuto alguém dizendo
que não gosta
de
poesia

desligo

























e torne aquilo que te feriu



segunda-feira, 8 de maio de 2017

dos investimentos...

.
"o começo do homem é o fim do homem
o começo é o fim
o começo é o homem
o homem é o fim
meço o homem pelo fim
o fim é a medida a medida é o começo
a medida é o meio o meio é o medo
o medo é o muro o muro é o vulto
o vulto é o vento
o vento bate na bandeira
parece passo na pressa
o passo é a pressa
a pressa é o modo
o modo é o mito
o mito é a meta
o fim é o mito
o mito é o começo
o começo do homem é o fim do homem
o fim do homem é o começo do homem."
Teoria do Homem
Antônio Olinto








Acho que todos nascemos perdidos e no decorrer da vida 
vamos ficando, talvez, menos perdidos. 
A impressão que tenho é que nascemos 
no meio de um jogo em andamento e, 
pra piorar o quadro de cachorro que caiu da mudança, 
desconhecemos as regras e nosso papel. 
Vamos imitando aqueles que estão perto da gente 
e no final tudo parece caminhar, 
sendo que nunca chegamos a perder completamente 
aquela impressão de fundo que sussurra 
- mano, whatahell eu tô fazendo aqui!?




a linguagem aqui flutua
é o que tem que ser quer aqui
escrevível:
o conserto das palavras
não só um
resultado final do poema
mas o ruído discreto e breve
o rumor de respirar
a relojoaria
do dia e do sentido se fazendo
sem hora para acabar
interminável
imbatível
palavra engrenagem
perfeita
sem acalmar a mesa
sem o clic
final
onde se admite tudo
o eco
o efeito
a falha
o afeto
a pena
a palha
o leve
até para efeito de contraste
para fazer do peso - pesadelo
em paralelo
e em vez de pedra
quebra-dente
atiradeira
para manter a atenção de quem lê
como isca
como risco
a ameaça
do que está no ar
iminente



El amor y el amante
¿Eres amor? Pasa el fuego,
Cruza con alas el mar,
Despierta a la vida en el sueño,
Da hermosura a lo real.

¿Eres tan sólo la sombra?
Cubre con tu resplandor
Tu mentira. Haz que la sombra
Venza al fuerte, al puro amor.

CERNUDA, Luis. "El amor y el amante". In:_____. "La realidad y el deseo". In:_____. Poesía completa. Org. por Derek Harris e Luis Maristany. Madrid: Siruela,1993.

O amor e o amante
És mesmo amor? Passa o fogo
Cruza com asas o mar,
Desperta na vida o sonho,
Dá formosura ao real.
Ou és apenas a sombra?
Cobre com teu resplendor
Tua mentira: que a sombra
Vença o forte, o puro amor.
Tradução por Antonio Cicero


diálogo breve
algumas lágrimas depois
ambos envoltos em um robusto silêncio
ele se lembrou de algo engraçado 
e rimos
recebi aquela risada como permissão para voltar a ser feliz

com Michelle Della Torre

existe um perigo nos segredos
 assim como na pesquisa e no conhecimento 
/
algumas coisas não devem ser vistas


passei por cima da técnica para ser poeta

confundem-se pessoas sem noção 
com pessoas sem emoção


cactus

sinceramente
os imprestáveis
desaparecem
naturalmente
e me livro
da pastagem


há mais gavetas
que poemas no mundo

me preparei para a terapia
a tempo
mas não houve palavra
substituída
pela
conjuntivite
/
eis o olho
superior
à palavra
de
dentro

o chato é o amigo mais querido
o amor aceita
o chato
porque desconfia
de quem é muito
"bonzinho"

apenas digo nomes: tudo existe
muito senhor de si
tudo existe insolente
independente
de mim

"perto de dormir, cruzo as mãos sobre o peito.
colocarão minhas mãos assim.
parecerá que estou a voar para dentro de mim mesmo."
Bill Knott


eu vi
nem vi
tudo isso
o branco é imagem que pintam
todo o resto é incolor
não entendo
porque falar de preconceito
causa tanta dor
a sua dita
consciência
é o que te
provoca
é preciso ser gente
urgentemente

poeta b.
poeta bom
tem sempre um poema
aflito
e sofre da ansiedade da palavra crônica
poeta bom
tem T.O.C.
/
Transtorno na
Ordem
Crítica
poeta bom
cansa de tudo rápido
e muda a palavra entediada
poeta bom
é da pá
lavra
revirada

poeta bom cansa de tudo rápido 
e muda a palavra entediada



"as coisas importantes
vão
e
voltam"

se eu não represento
não me apresento

não tenho culpa 
se é parco 
o seu muito

espinhas são coisas portáteis
que o corpo carrega
cheias de pus
são lembranças
que ainda adolescemos
depois da meia idade
depois da meia vida
e sangram
e cicatrizam
e marcam a pele
mais velha
que agora
demora
para se lembrar
do antigo
que foi
um
dia

essa flor roxa
do meu perfil
não carrega nunca
/
ela significa
tudo o que não
floresceu
e que não deu
sinal
de
vida

geografia do sono
da topografia dos sonhos
a cordilheira é leve
e os rios mais calmos
a não ser os pesadelos
que são
terremotos
que lembram
a hora
de acordar

descasco-me desta pele
e fico só com os ossos
do
ofício
de 
poeta

eu estava dentro de você
e fui arrancado como um ritual
sangrento
naquele momento 
nem respirar eu pude
mas agora entendo
o fórceps da situação
sair de um lugar
às vezes
nos poupa de algum tormento

o anticristo
é antevisto
atropelado no meio da rua
ou atirado de algum prédio
em construção
esmagado por uma prensa
pede socorro
em
vão

na vida intensa
todos se desentendem
menos os poetas

cubro de infinito
o pensamento
e alinhavo essa tristeza
dos meus olhos que não me contam
mais de tanta certeza
mas eu tenho ainda a sorte
de não ter que ver um todo
e o pouco que avisto
é só mesmo
o que interessa


o amor é um ofício 
concluído
por peritos
desastrados

eu escrevo aos poucos
pedaços
que me atravessam
pela jugular
só não morro
de uma hemorragia
interna
porque as palavras intensas
são estanques
e curam
qualquer corte
profundo

negar a dor é perder a vida
o escondido aparece
intacto

só pertencemos ao espelho
enquanto
reflexos
permanecer
é estar quieto
entre aspas

a vida 
às vezes
se vê dobrada
origami
/
não se 
engane

ficaram insetos
para desenhar pássaros
nos bicos
no alto das pedras
e no alto dos cimos
voaram tão alto
que acabaram perdidos
depois dos ensinamentos das nuvens
até o fim do azul
um pouso do céu
foi necessário
e o chão sarcástico
no pouso livre
cedeu

eu te disse
antes de dormir
que o sonho
são as unhas do tempo
e existe o sonho que vai
e o sonho que volta
um é antes do sono
o outro é a realidade
que acorda

o céu impermeável
como seus desejos opacos
subvertem o dia

costura sol
dentro do peito
com camiseta
rasgada
do lado inverso
escreve chuva
e deságua

"sentir os calores do medo
tocar o medo com as pontas dos dedos
deixar o medo sem língua
arrancar os dentes do medo
e mastigar no café da manhã"
Déa Paulino

a raiva alinhavada
diz que é difícil
morrer

um encontro
é quando rachamos os espinhos
dentro da boca
e ficam difíceis
as palavras
é que o primeiro lapso
nos invade às pressas
nada que possuímos
sobrevive ao que falamos
e nesse diálogo
soldamos as carnes
mesmo quando sozinhos
guardamos segredos
com muitas mãos

te espero
depois
da última
cena
de
cinema

solar tatoo