terça-feira, 4 de abril de 2017

dos prolongamentos...


.
"...não tente me convencer que é uma questão de coragem intelectual crer que a vida é um amontoado de células ou um ponto ocasional do percurso histórico do universo, não venhamos a cair na tentação de reduzir a vida à majestosa mediocridade da modernidade. Vamos além, nós precisamos ir além. "



orientação





encomendei esta caixa limpa de memórias
quadrada como uma cadeira
pesada demais pra carregar
diria que é o esquife de um anão
ou de um bebê quadrado
não fosse o ruído que dela escapa
como deixá-las fugir?
o barulho é o que mais me apavora,
as sílabas incompreensíveis.
são como uma fera ruidosa
não são nada
separadas
mas juntas
meu Deus!
ouço este som furioso.
eu sou um Cesar
só encomendei uma caixa de manias
que não podem ser devolvidas
podem morrer
encontram outras
não preciso dar comida
sou o dono
bem eu podia ignorar
em meu lugar
meus enterros
não sou fonte de mel,
o que querem de mim?
amanhã terei um doce adeus
vou soltá-las enfim
a caixa é apenas temporária

SYLVIA PLATH - #reinvented

há palavras escondidas
nas curvas desses olhos
nas dobras das orelhas
de pés no chão
esfregando as mãos
na contagem das horas
.
entender
o argumento das manhãs
não dando respeito
aos detalhes
irrelevantes
do dia
aprendo a olhar
objetos nos olhos
a ver esconderijos
onde só coisas podem
estar
.
então ontem
percebi
que em minha janela
habita um pé de estradas
e as coisas
tem
rumo


"vai vir o tempo
em que você, orgulhoso,
vai saudar a si mesmo chegando
à sua própria porta, em seu próprio espelho,
e vão trocar sorrisos de boas-vindas,
você vai dizer, sente-se. coma.
vai amar o estranho que um dia você foi.
 dê vinho. dê pão. devolva seu coração
pra ele mesmo, o estranho que o amou
por toda a sua vida, e a quem você ignorou
por outro alguém, que o conhece de cor.
pegue da estante as cartas de amor,
as fotografias, as anotações desesperadas,
descasque seu reflexo do espelho.
sente-se. sirva-se da vida."
Derek Walcott. "Amor depois de amor".
Trad. Rodrigo Garcia Lopes. 


são tantas
as mãos
quanto os
enganos

poeta vive
de aspas
\/
asas



















prove
que eu não existo 
que eu provo
o quanto eu
insisto
/
resisto



eu devo a você tudo além do que recebo
e quero um mundo de ruas e casas e quero todas as cidades que fizemos existir
mais ainda
os campos a perder de vista
como aquela vontade de ver você de novo
tudo sempre outra vez
já em relação a você
meu amor
não posso dizer o mesmo
eu lhe devo
a todos os lugares que vou
e a muitos pensamentos em que você está presente
mesmo ausente

Mia Couto











































homens
em
mais
mãos
menos mãos
vazias


atitude
antigravidade

fato
rosto
retrato
empresto
o olho
olfato
tato
pro outro
entender
quem sou
no
ato


prolítico
sujeirasugerasujeirasugerasujeirasugerasujeirasugera
sujeirasugerasujeirasugerasujeirasugerasujeirasugerasujeira
a quem se sujeita


"Com o amor se paga amor, e o ditado é quem diz, a gente ama assim, sem dar desconto..."


jogo de palavras
jogo de palavras
jogo de palavras
jogo de palavras
jogo de palavras
onde jogo a palavra?

o acaso faz muito bem à poesia

"aos que não amo.
O alívio com que aceito
que sejam mais benquistos por outros.
A alegria de não ser eu
o lobo de suas ovelhas.
Estou em paz com eles
e em liberdade com eles,
e isso o amor não sabe dar
nem sabe tomar.
Não os espero
num ir e vir da janela à porta.
Paciente
quase como um relógio ao sol
entendo
o que o amor não entende
perdoo
o que o amor jamais perdoaria.
Desde o encontro até a carta
não passa uma eternidade,
senão simplesmente dias ou semanas.
As viagens com eles sempre são um êxito,
os concertos são ouvidos,
as catedrais visitadas,
as paisagens nítidas.
E quando nos separam
longínquos países
são países
bem conhecidos nos mapas
É graças a eles
que eu vivo em três dimensões,
em um espaço não-lírico e não-retórico,
com um horizonte real feito do que se move.
Nem sequer imaginam
quantas coisas há em duas mãos vazias.
“Não lhes devo nada”,
diria o amor
sobre este tema aberto."
Agradecimento
– Wislawa Szymborska


"as experiências de minhas angústias são a minha vantagem"
Josei Toda

meses
outra parte
crescente
alguma parte
minguante
algum tempo
cheia
um dia
nova

do livro "Casa das Estrelas - o Universo Contado Pelas Crianças"






























"O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é."
Corridinho, Adélia Prado

hoje minto para qualquer um
menos para mim
diariamente

sexo/
alta sua boca
vermelha como monte
que nunca escalei



#dialogos
- como você está?
- me sentindo um lixo que pode ser reciclado
[não pude conter o riso]

escrevo amargo
mas estou mentindo
doce

dor sozinha 
é a dor
medida
adormecida

me desculpa por ser esse campo incontrolavelmente mimado
que muitas vezes
só quer
flores

me desculpa por ser esse campo incontrolavelmente minado
que muitas vezes
porta
dores


sou de excessos mesmo:
sou bala alojada no próprio peito

é verdade que as minhas memórias são ridículas
a verdade é que eu as deixei
enferrujar
de propósito


eu não ensaio
eu sumo
enquanto
passo
a limpo
enquanto encerro
outros começam
o que eu já
terminei

quero ter as asas de propósito
de um pássaro
e penas dos outros
sem dó

voejei
nos olhos de outros
beija
flores
ocultos
em gerânios
gerando
flores

mas eu acho que será sempre assim mesmo
um determinado dia a gente cansa
e se joga
uns na cama
uns de tédio
uns na lama
uns que acertam
e se amam
na cama
no tédio
na lama

você é capaz de reconhecer as suas partidas?
você é capaz de reconhecer as suas chegadas?
você é capaz de reconhecer as suas pegadas?
você é capaz de reconhecer as suas amarras?
você é capaz de reconhecer
você?

o bem mais preciso
não é o bem mais 
precioso

mas se for a_mar:
[onda]


ou você me deixa extremamente
feliz
ou você me deixa extremamente
triste
ou você me deixa
extremamente

te encontro dentro:
no espaço do meu suor
então
me diz tudo 
o que eu sempre quis ouvir 
de mim

às vezes
as pessoas precisam estar
num mesmo patamar de loucura
íntima
para se entenderem

eu vou rir de tudo 
como se não doesse
nada


ficamosesperandoamorfazernossopeito
ardercomoseexplodissemfogospordentro

mas amor é coisa simples

amor não é sobre conseguir voar 
é sobre ter onde cair


enquanto você rasurava
eu estava
a
limpo


mas aprende a não depender
de ser
do outro
[tanto]
para ser
tem dias
que
só seja
um

não sou tão grande
mas por dentro
sou vastidão 
- quase infinito

zumbimissos:
você precisa entender que o amor não é uma brincadeira onde você segura a minha mão e solta ao primeiro sinal de que algo não vai sair como esperado.
não se pode fingir ao amar;
não se pode fugir ao amar;
quando te mostrei fotos de prédios devastados por conflitos e quando cantei caetano pra você e quando te mostrei meu poema favorito e quando falei sobre eu estudar o universo para ser capaz de amar pessoas, era sobre encarar.
era sobre abrir um zíper em algum lugar da minha essência e estar exposto.
e quando eu te falei, também, sobre o fim irreversível de nossas consciências, tentei te fazer entender sobre os fins inadiáveis de nossas experiências. eu quis te mostrar que ir embora não é o mesmo que sair correndo.
mas você calçou os sapatos e foi.
teve medo.
eu tive também.
mas recuei.
está aí a diferença de quem ama e de quem quer ser amado.
eu ultrapassei meus limites
você entendeu que não era capaz de receber tanto amor.
você estava errado.
eu não.
sinto muito

fala pra ele
que a vida é um balão
se soprar
voa longe
pra onde ela vai?
embora
ou não sei não

tenho dessas de receber a mão e oferecer o braço.
tenho dessas de oferecer a mão e não receber nada.



"o barulho de dentro já é suficiente.
e é desse caos que brota em mim o silêncio mais potente!"

mesmo
do mais
mesmo
dói
mais


um pedaço de linha vermelha
na pele branca
a cortina imóvel
um ruído qualquer na rua
vejo a vida que meus olhos alcançam
através da janela
os sons
relapsos

que todas as horas são?

eu gasto de tudo um pouco
e quando gosto muito gasto menos 
pra gostar mais

eu quero o que começa
não o que acaba

sobre o veneno
anti
dote
fatal

enquanto
as pessoas vão escorrendo
sumo
de 
mim

sempre escrever 
o mesmo poema

e acabar
perdido


escárnio
você é parte do horizonte
quando
fica em um silêncio equidistante
a qualquer gesto que te envolva
ao desamor e suas formas rituais
parte dos desejos dos mapas
das cidades e dos corpos desconhecidos
e das formas que fazem o desencanto
do sexo mecânico e consentido

periferia
meu coração são todos os polígonos
num sábado às seis da manhã
quando está amanhecendo
e as ruas estão desabrochando
todos os desejos proibidos
dos noticiários

arritmia
eu tenho um coração que bate um pouco
diferente dos espaços de tempo
horas de sono de acumuladas noites
voltando sozinho à casa úmida
com amores de impossíveis desenganos
eu tenho um coração que bate como
se fosse voltar em qualquer manhã
como se a morte não o importasse
um coração que hospeda em sua memória
um monte de nomes que nunca regressam

pornomelancolia
os olhos batem
num balão
de seios
tristes

coordenadas para fazer um mapa
um ponto
desorientação
vida
a bússola
é um instrumento
confuso
o norte
quem o acerte
está livre
dos destinos
o sul é breve
e não se alonga
muito
o oeste
perde-se
na língua
o leste
na boca e no ouvido
lambe/ouve
o trajeto
alguém sente
que a chegada
é perto do
nunca

o puro não
o não
não me envolvo
não me calo
não dou palpites onde o não é chamado
nesses pseudocosmos de opiniões difusas
não
e não
o pluriamorfo não
não deus
não demônios
não sexo
só sim
se for em um só módulo
em um só poro
senão
não
em nenhum buraco entroso
não
se não for de puro uso
não me movo
não escuto
me volto mais que tudo
revolto
não

politica de privacidade:
o vaso sanitário
sujo
de madrugada
denuncia
a falta do pudor
público

quando acorda
o espelho
a luz reflete
pelo lado
oposto

devoção ao tempo
quando o tempo é arrastado pelo ar dos dias
pela queda de algum acontecimento
invalidado pelo gesto mínimo
você pode ter os dias contados
pelo murmúrio da existência
só que fica difícil encontrar um lugar
para lembrar de alguma verdade
que não retenha algum interesse
como árvore que resiste ao sol
como rio entre suas sombras
como a pele na sua superfície
como a lâmina de uma espada afiada
nada se detém por um instante no tempo
qualquer revolução imensa
envolve uma palavra
é o hábito dos beija-flores
rápidos cujas asas nem são vistas
o tempo é essa sombra entre asas
a sombra do céu que em seu rudimentar cenário
acumulam nuvens em torno das tormentas
deixando a calmaria
a brisa fresca e tonificante
dentro do olho
do furacão

apelo poema
um poema negro voava
voava no meio da página
não sei se sombra ou palavra
ou verso no branco da página
sei que era negro e voava
voava no meio do branco
no verso da linha da página
pousava
em bando

semiótica
é um meio
olhar

...porque é cada vez mais difícil relativizar ideais, não planificar a vida, não abraçar respostas fáceis, não impôr um padrão bizarro sobre todas as pessoas...em palavras mais razoáveis: perceber no torto do galho da árvore sua beleza e sua singularidade. difícil né? não seria melhor serrar esse galho e deixá-lo retinho igual ao outros daquelas fábricas de tábuas? não, não seria melhor - insisto. sou galho torto. feito de folha de poesia.

mora em mim um cruzamento 
torto
obscuro amor faz eu não ter 
volta
entorta o meu ser fechando a 
porta


combinam
o beijo roubado
e a língua
solta?


manobrou desastrado o carro preguiçoso
afobado
gestos incontidos
displicência
ainda assim saiu-se mais ou menos 
com seus cuidados redobrados
dentro da casa ficaram coração e cérebro
carbonizados
ambos desajuizados
com as cinzas de um amor
por
vir

viuver é um olho só
sem o outro
é como desolhar dedilhar o cílio

#dialogos
- não posso ser poeta
eu ainda nem sei quem eu sou
- você é um mar
no cais esperando o navio chegar
- que navio é esse que nem rumo tem só me deixa mais confuso ainda
e na desesperança de não ser ninguém
(eu tento
mas eu não consigo) 
- eu lento
te oriento

visão de poeta vira foto sem revelar

eu quero mais
indevido
lugar

#extincao

só o sistema solar
é que vai passar

a minha loucura
não comunga 
com o mundo
comigo 
a minha loucura
é única 
e salva 
a minha vida
da mesmice
dos dias


a minha loucura
é dádiva 
e poesia


a minha loucura
é uma sã
inconsciência
vertendo 
vértices

#dialogosamorosos
eu acho que eu te amo
eu te beijei naquela noite
eu não sabia como

preso à sua
mesa escreve
um poema
de madeira
sobre um fino papel
creme percorrido 
de águas 
escreve versos 
de plantão 
carregados de futuro 
que se desprega do poema
e o globo
ocular aparece 
e volta-se
de novo para o
papel continuando 
a metrificar suas andanças 
e espera o poema
olho no olho
sem perceber

eu tenho medo
de ficar 
são

minha loucura não tem data 
não tem pasta 
não tem marca 
minha loucura 
é uma dor de cabeça 
que se estende 
até o estômago 
uma azia ácida 
minha loucura basta
para que minha razão 
parca
funcione

eu passaria
por qualquer 
universo tangente
para salvar o que eu amo
e salvaria a calma
e depois o amor 
para depois poder salvar
todo 
o resto
e salvaria a esperança
(não a esperança de esperar)
mas sim 
a esperança de fé
a que demora 
mas não tarda
a chegar

caindo
escadrovários
pecados
ausentes

estou verovociferando
com a 
poesia
.............................................

tudo isso é um poema só

hoje
arrumei
minha mesa
como quem
arruma o céu
para amanhecer
cada coisa em seu
desdevido lugar
desarrumando os fatos
como as gavetas
cheias de meias
sujas
e lavando o piso
mas deixando pegadas
molhadas de orvalho
da manhã
limpando os sustos
recolhendo perdas
recrutando a poeira
dos olhos secos
e secando tudo
no final
com lágrimas
antigas


novamente uma tela
telas já são comuns
ordinárias
dela abre-se um pássaro
bestiazul belíssimo
encantado
colorindo melodias
de amor
e exibindo cantos
de pura liberdade 
então inicia-se o software
alguém dentro dele
randomizado
novo
um personagem completo
criatura fantástica
em seus pelos penas
poemas alados
seus dedos
seus braços
transformaram-se em asas
letras
lentas em cena 
literárias ao azul
do céu 
contrárias 
ao ar poluído da realidade


especial
espaço e verdade
verde
em intenso
azul


surge outro pássaro
como a ave do paraíso
anestésicamente colorida
afastando o tédio 
de qualquer vida
prometendo guiar os passos
sobrevoando
memórias 


eis que passa uma revoada
de andorinhas apressadas
soltas a migrar
iniciando sua jornada


um outro 
o conduz ao passeio
em meio a tantas asas


revoando


entre nuvens
acima de oceanos
de qualquer circunstância


acima de tempestades
livre


volante
etéreo e inviolável
.............................................


"Tenho o privilégio de não saber quase tudo.
E isso explica
o resto."
.
- Manoel de Barros, em "Menino do mato",
na II parte: "Caderno de Aprendiz".