domingo, 29 de janeiro de 2012

dos inevitáveis...

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"o tênue fio
entre o virtual
e o desafio."

Julio Carvalho
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breaker
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diz tino

um copo quebra
sem nenhuma culpa
diz que caiu
mas não é
diz que é do tempo
dos fatos
das coisas
dos cacos
mas não é
diz que é do acaso
do apocalipse
do oposto
do aposto
que não é
é das coisas.
assim no geral.
das coisas que acontecem de forma inesperada.
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

das desculpas...

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"Não sou homem de Igreja.
Não creio e isso me dá uma tristeza.
Porque, afinal, tenho em mim a religiosidade exigível a qualquer crente.
Sou religioso sem religião.
Sofro, afinal, a doença da poesia: sonho lugares em que nunca estive,
acredito só no que não se pode provar.
E, mesmo se eu hoje rezasse não saberia o que pedir a Deus.
Esse é o meu medo, só os loucos não sabem o que pedir a Deus.
Ou não se dará o caso de Deus ter perdido a fé nos homens?
Enfim, meu gosto de visitar as igrejas
vem apenas da tranquilitude desses lugarinhos côncavos, cheios de sombras sossegadas.
Lá eu sei respirar.
Fora fica o mundo e suas desacudidas misérias."

In Noites Abensonhadas, Mia Couto
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ampare
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mea culpa

odeio pedir desculpas
me sinto diminuído
é como se eu fosse falho
antes não fizesse
antes não desculpasse
antes pensasse
antes de falar ou fazer
mas quem sabe disso
e o que nem adianta
porque se humano sou
e humano erro?
antes não nascesse
antes nem fosse
assim não desculpasse
a minha atitude
a minha pequenez
diante de toda falha
a vida tem dessas calhas
por onde fluem defeitos
e quando vê
não tem como
dar-se um jeito:
está morto
enterrado
abre a terra
encontra um centro
volta vivo
descobre um meio
de se redimir
e retomar
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dos desavisados...

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"Às vezes o homem que tenho me prejudica."
Julio Carvalho
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desavisados

não vi nada lá no fundo
imundo
a mão lamacenta
o outro
diz o mesmo
e eu repito
a coisa não é só de um
quem pensa
pensa junto em dobro
e a faca entra fundo
sempre do mesmo lado
cuidado:
em uma alma quebrada
existe um medo que revela o tempo
em que ela brincava de fingir
o próximo a virar
alvo
pode
ser o outro que não foi convidado
pode desviar de tudo
mas ninguém se orienta
pela flecha que não lança
tudo em espera
stand by -
até esperança

cruzo os olhos
no alvo

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

dos sangues...

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Drummond: "Eterno (mas até quando?) é esse barulho em nós de um mar profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos afundamos..."
E o Vinícius, que confessava o "terrível medo de renascer dentro da treva."

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glass view
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via crucis de um medo

meu sangue lá se revelou então
porque eu não tive tribo
meu sangue lá se escorreu
da mão do outro pobre bandido
quem não teve nada com isso
ficou ferido, largado
do medo da outra esquina
a volta para casa sem tamanho
meu sangue lá se enroscou
em um título que pouco importa
de onde vim se censura
cada coisa, toda postura
passei várias portas arrastado
meu sangue lá se misturou
senti o medo dos outros
ouvi o que nem me falaram
pela boca de lobo só o uivo
meu sangue lá se acabou
vi sujeira e sarjeta embrionada na rua
meu corpo ainda penduro
em cada lugar afastado
meu sangue lá só drenado
eu triste num canto abandonado
pedindo por sangue
coagulado
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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

das chuvaradas...

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"Tudo o que é forte acaba sendo inexoravelmente injusto."
João Pedro Wapler
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eyes
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chuvarada

o sol ocorre sozinho
à semelhança dos pássaros
essa pedra brilhante
acende o céu
sem asas
só pra fazer um calor danado
chamado chuva
quero me vingar
me molhando
na rua
nessas tardes de afeto embaralhado
no meio do verão
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dos nublados...

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"nem toda lua
é cheia
nem toda santa
é ceia
nem todo são
tomé
nem toda receita
cura
nem toda pedra
dura"

Múcio Góes
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CHOVE E ARDE
readaptado de Múcio Góes

essa tarde
chegou tarde
e essa chuva covarde
que na tarde
invade
faz um grande alarde
não sabe o bem
que me arde
molhar
até os ossos

essa tarde
chegou tarde demais
sem saber
que só os ossos
molhados até o fim
é que sabem
do que a quase noite
é capaz
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

das pescarias...

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"e no andor de nossos novos santos
o sinal de velhos tempos."

Milagre dos Peixes - Milton Nascimento
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estende-se água

tenho lá nas mãos
a água que me faltou
minha alegria maior
foi quando vi o mar
voltando em maré alta
eu vi o mar com mais de mil peixes
dentro de mim
um barco aceso a vela
meu fogo
foi de fato
inundar o que eu tinha
em sonhos:
eu faço a vida
pescar
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dos azares...

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"meu símbolo hoje
é isolamento."

Julio Carvalho
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walk on air
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treze

conheci sorrisos inacabados
que se pagam na mesma moeda
um ponto no mapa
que não significava
nada

saio de casa
mas marco regresso para o próximo sonho

eu resolvo
se continuo

fico aqui
onde
já nem é rio
nem fim do mundo

meu tiro no peito
eu desvio
rasgo de bala partida
mais uma vez

azar mesmo é de quem não entende
como estamos sós
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das omissões...

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"não tenho nada a ver com isso
que dói."

Julio Carvalho
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praticamente omisso

o certo e o errado
o louco e o errado
o certo e o louco
o errado e o errado
o certo e o certo
o certo e o incerto
o deserto
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dos jardins...

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"a fumaça ou nuvem
(como preferir) não
só caminha ou passa, deixa
rastro discernível, marca"

Leandro Jardim
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diário de luxo*

eu vim em nada
comecei mudo e não parei
tiro hora ou outra
sem colocar tempo no lugar
usei a terceira rosa
dele a terceira pessoa
fiz algumas formas
e criei da flor
algum chocolate
não percebi o piquenique
que estava lá fora
devorei rápido
tudo feito com flores brancas
como fumaça ou nuvem
de um outro poema

cadência de letra, coisa
ou música
é tudo de longe
alma criada
no mesmo
jardim

*qualquer semelhança é boa coincidência
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