domingo, 25 de outubro de 2015

das consequências...

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"sentas-te ainda à mesa – escreves
palavras tão compactas, tão opacas
como a luz que te cega. cada dia
promete o infinito em meia dúzia
de palavras – o amor,
a vida, o tempo, a morte, a esperança,
o coração. repete-as,
repete-as muitas vezes em voz alta
e escuta a sua música
até não quererem dizer nada."

Fernando Pinto do Amaral
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o que é bom
dura
torto

o que é bom
surta
muito

o que é bom
surte
efeito
em
tudo
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alguma coisa
deixa
a
desejar:

coração 
tamanho
estranho
líquido 
em queda
d'água

coração 
vulcão 
aberto
perto
do
mar
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saudade estranha essa
do que eu nem tive
dessas nuvens
emaranhadas 
e desses
rios
arrancados
de
dentro
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poetas são seres estranhos
saem dos lugares
sem dar satisfação 
como se não fizessem rimas
poetas são aquelas confusões 
que não sabem 
onde se encontram
quando o poema
é exatamente
aquele
instante
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o poema
é onde o poeta
se estende


o poema 
é onde o poeta
se entende
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como fazer
um poema
sobre o silêncio
sem o som
do infinito?
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intervalo blues

"quem vai mais longe 
deve partir antes"
O Livro do Travesseiro
Sei Shônagon
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agarre-se
às
folhas
vivas
mortas
secas
as coisas
desaparecem
................................................................

palavras
sente-as
à mesa
com garfo e faca
entende-se
prato principal
e saborear
poesia
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sei que até errei
em te querer
muito
e ali no canto
seu violão
em silêncio
observava
toda
essa música
que vinha
de 
dentro
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tenho problemas com sequências. 
coisas que começam, se desenvolvem e terminam. 
coisas com coisas. coisas que são causas de certas consequências e vice-versa. 
parágrafos com ideias principais. conclusões. e por quê?
porque não conheço nada assim, nem na mais intensa e luminosa - ou obscura - imaginação. 
menos ainda na vida. na vida, e mais ainda no sonho, 
o tempo se espreme, se alastra, se comprime e se propaga. mas não segue em linha reta. 
nada continua como começou, 
nem mesmo começa antes de terminar. 
aliás, nada termina. não se pode, pelas consequências,
determinar a causa e estas se proliferam 
de acordo com necessidades, desejos, medos 
e uma memória falha e que só faz, 
quanto mais o tempo passa, puxar a coisa para o seu lado
ou o lado para a coisa ou mesmo por a coisa de lado.
inutilmente.

adaptado de Noemi Jaffe

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