quinta-feira, 17 de novembro de 2011

das montanhas...

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"Dobrei o oceano e guardei na caixa. O grito!
Só Deus entende que as coisas miúdas existem enquanto o mundo segue vasto.
Por isso me emprestou a caixa dos segredos e pediu que eu guardasse
mil pedacinhos de beleza - todos os que eu visse"

Carla Jaia
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bosque color
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SOBRE O POBRE J.C.
Adaptação do original SOBRE O POBRE B.B. de Bertold Bretch (reeditado)

Eu, Julio Carvalho, sou das montanhas verdes.
Minha mãe me trouxe para o mundo
Dentro do ventre. E o frio das montanhas
Estará comigo ao me cobrir a laje.

Na cidade de asfalto estou em casa e a caráter,
Com todos os últimos sacramentos
Ministrados: jornais, livros, vinhos:
Desconfiado, descrente e insatisfeito.

Sou amável com os outros.
E visto minha roupa como todo o mundo.
Digo: as pessoas são bichos de cheiro esquisito
Entendo: e daí? Também sou, no fundo.

Às vezes, nos lugares que experimento,
Coloco algumas pessoas num lugar,
E digo: em mim vocês têm, eu garanto,
Alguém a quem não podem alegrar.

Algumas tardes me reúno com amigos.
Tratamo-nos com respeito, então.
Eles dizem, com os pés à minha mesa:
As coisas vão melhorar. E não pergunto: quando.

Na madrugada cinza, postes mijam
E piam os pássaros, que são seus vermes.
Na cidade, meu copo se esvazia,
Largo um livro e durmo um sono leve.

Assentamo-nos, uma geração leviana,
Em prédios que quiséramos indestrutíveis
(assim construímos os arranha-céus em todos os lugares
E os grandes satélites sobre o Atlântico a nos divertirem).

Destas cidades ficará quem as atravessou, o vento!
A casa faz feliz quem nela come: quem a esvazia.
Sabemos sermos efêmeros
E que depois de nós o que virá será sem valia.

Nos terremotos futuros, que não seja meu destino
Deixar por amargura o meu lugar se apagar,
Eu, Julio Carvalho, largado nas cidades de asfalto,
Vindo das montanhas verdes, do ventre da mãe,
quarenta e seis anos atrás.
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