"ao suspender o tempo,
o olhar procura
o que não pode encontrar"
Vinícius de Moraes
.
os olhos de meus olhos
onde estarão
se a paisagem muda
o tempo todo
que olhar é este que ainda mantenho?
o olhar é fútil e troca
o que acontece
pelo que não
apenas observar de um lado a outro será suficiente
para tantos lugares diversos?
os olhos nos olhos
já não são os mesmos
tudo o que está escrito
se vira contra um espelho
observa-se um pouco mais
ou se trai suavemente
olham para a chuva
como para uma promessa já feita
cópia de lágrimas antigas
mas em mim
o vento ainda recita
outros dias
no rosto
sobre uma imagem
que me desperta
em parte
no mesmo espelho
onde qualquer poesia me ofusca
na porta dos dias claros
e o sol é uma aliança condenável
quando se apartam nuvens
meus olhos se entregam
no fundo geme
mas briga com a luz
mas os olhos já estão aqui
sem responder
olham mesmo sem se adaptar
às formas
que ficam guardadas na memória
e os passos um pouco mais lentos
de acordo com o olhar mais lento
atento
para os ecos
para os dentros que ficam
sob a suspeita
de que não voltem mais
agora que o tempo que se escuta
é em vidro
no fundo dos olhos
um véu disparado em tudo
agora que o tempo
ou a luz
fere
fala
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quando é mentira
ou dor
ou maldade
o mar apaga tudo
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acorda minha alma:
é madrugada
surgem as lembranças
de quem amo
e dobram sonhos da noite passada
memória de um instante
de alguém que chamo
e a outros braços
lentamente me entrego
restos dos jardins
entre lençóis que aqueço
ao longe ladra um cão às cegas
na noite ambulante
escutei seus ruídos
um vento que o dia espalhou
durante a noite que meu
sono destinasse
a um amor, amor
enquanto luz
amanhece
dormido e claro
eu acordo do vasto escuro
ouvindo as asas brancas
de outro dia claro
cantar baixinho
sem despertar minha alegria
num silêncio feito de felicidade
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todo mundo tem um anjo
um guardião que cuida de nós
nós não sabemos a forma que ele toma
num dia um velho
num outro
uma menina
ou um amigo
mas não deixe que as aparências te enganem
eles podem ser ferozes como um dragão
ainda assim
não estão por aqui para lutar nossas batalhas
só para nos inspirar
lembrando quem somos nós
e que nós temos poderes
sobre os mundos que criamos
e estes anjos ou dragões
os recriam
o
tempo
todo
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gargarejo-te
até o fundo da garganta
mas não te engulo
cuspo
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trocaram o bem pelo belo
perderam tudo
e aqui
estamos
humanos
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a memória dá sede
e a vida dá fome
uma em círculos
e a outra
uma linha
inesperada
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as vinte e quatro horas
do suicídio dos dias
todos os dias
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procuro a história de alguém
que seja equivalente
à minha busca do tempo perdido
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os sonhos não se penduram
se perduram:
os sonhos
só vivem
soltos
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a noite os espelhos não funcionam
os rostos se deslocam
em branco
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a tatuagem dos olhares
se reflete no amor
como sexo por dentro:
- nem se usa uma palavra
qualquer felicidade
é o que mais parecido
com uma semente
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exercício:
buscar algo ou alguém
que não esteja contaminado
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escrever como um pássaro
com uma asa caída
mas voando alto
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junto o que estava separado
tiro as fibras do que estava mal conectado
limpo os músculos
de forma natural e alheia
preciso de esforços
o coração demanda
tempo
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sentado aqui
escrevo
minha sombra
deixou o sol do lado de fora
deixei muita coisa por hoje
do lado de fora
depois virá
o resto do dia
do lado de dentro
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meu coração é uma unha encravada
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capricho
é fazer o relógio voltar no tempo
sem ressentimentos
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alguém me compreendeu por um instante
fazendo o meu nome
passar através do seu corpo
sonoro e profundo
como o badalo de bronze
no interior de um sino
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quando acordo
ando pelo quarto
suportando a ansiedade
fora do quarto
o dia é mais leve
hoje faz sol e o verão me inunda
escuto passos no andar de cima
do madeirame solto me lembrando vida
sinto fome
mas a poesia engana a fome
a fome some no meio das palavras
e me causa
alguma
forma
de
alívio
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estava mal mas não estou mais
estava bem mas não estou mais
estava mal mas não estou mais
estava bem mas não estou mais
a vida bem em variáveis
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saudade
não é coisa de arquivo
é coisa de amigo
By Fernando Schubach |
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sinto o alívio das coisas passadas
sinto os desejos e suas pontas
menos ligados à mim
às vezes perco o sol da cabeça
e vem todo o resto me escurecer
mas enquanto eu posso
eu crio ventos e falésias
e escapo do jeito que penso
dos mares revoltos
eu tenho um barco frágil
e uma alma navegante
os portos
raros
quando lanço âncoras
me desvario
essa alegria de encontrar o afago da terra
me anima
depois volto ao mar
como um peixe grande
o medo das ondas
e as marés me guiam
solto
escapo das terras distantes
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felicidade é feita sob silêncios
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o delírio de ser um poeta estampado no rosto
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o fauno
é falho
enquanto
é hábito
o fauno
é falta
enquanto
é hálito
enquanto
na falsa
floresta
vive
o fauno
falha
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o que acontece
na minha cabeça
é um momento
de asas
passadas
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fingindo que aconteço
enquanto nada acontece
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falta
me
ame
alta
me
fatal
me
em
pauta
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você só só me incomoda quando se acomoda
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