quinta-feira, 10 de julho de 2014

dos formatos...

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“a poesia fica adiante ou antes da vida, mas não coincide com ela. 
e é nessas horas - quando eu penso que elas são a mesma - 
que a vida vem e te pega e te lança seguidamente morro abaixo e acima, 
te torce que nem laranja madura e te explica, às vezes alto e outras baixinho: 
eu sou só isso. ou tudo isso.”
Noemi Jaffe
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foto: "fim do túnel" por Julio Carvalho

minha vida:
a vida para a maioria das pessoas
acontece de um certo ponto A
para um ponto B
mas para mim não
eu tenho um problema como o ponto B
mas no entanto
eu bem que gostaria
às vezes
de ter uma linha traçada na vida
ter um ponto B
para a maioria das pessoas
cada trajeto de cada dia
se adicionam uns aos outros
e levam aos poucos
a um objetivo maior
a um objetivo único
definitivo ou não
como uma luz no fim do túnel
tudo é maravilhosamente linear
mas comigo não é assim
eu sempre vivi mudando de rumo
quando penso uma coisa
acontece outra
um barco de papel no meio de um mar qualquer
e mesmo que eu me esforce ao máximo
as coisas quando as coisas são/estão
nunca saem ou são/estão coisas como eu gostaria
ou queria que as coisas fossem 
porque minha vida é assim?
porque essa confusão maluca
sem A, nem B nem C?
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é preciso tomar cuidado com a felicidade
a felicidade é um tabu para a ficção
o drama é o que tem mais interesse
a vida é um drama
todo mundo quer ser feliz na vida
mas isso nem sempre serve para um romance
ou um poema
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fazer o amor dar certo não é só uma questão de esforço
é uma questão de vida mesmo
de deixar de ser amor
é a vida
feita
assim mesmo
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se tiver vergonha não se preocupe
vergonha é mil vezes melhor que a felicidade
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a vida é como um bordado
você passa a primeira metade
olhando o lado bonito dela
o lado da frente do bordado
mas a segunda metade da vida você
passa do outro lado
não é tão bonito mas você passa
a ver como os fios são colocados
podemos ver como as coisas acontecem
como as tramas são feitas
ou desfeitas

adaptado de Artur Schopenhauer

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quando você começa um novo poema
ou uma nova história 
seu trabalho é imaginar
tente visualizar coisas
que ainda não existem
quase igual quando a gente vai dar início
a uma paixão nova
escrever é isso
um poema é isso
se apaixonar
(ou quase)
todos os dias
tentar ir ao encontro dos fantasmas do futuro
este poema aqui não existe mais enquanto é escrito
são fantasmas que morreram
não existem mais
e os fantasmas do futuro
que ainda vão existir
ainda serão imaginados
apaixonados
até o fim
de cada poema
ou história 
escrita
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quando se acha que nada acontece
em alguns momentos em
que nada significam mas que são importantes
porque esses momentos vazios
também fazem parte da vida:
a infância é isso
e isso
faltou para mim
tudo era muito ausente
a única presença
era eu
e agora esses poemas 
escritos no futuro
que nem se assustam mais
com esses fantasmas antigos
porque eles morreram
sem saber
da ausência
da necessidade
e os que tentaram
não sabiam mesmo que quisessem
não entendiam
e eu nunca senti
nenhum préstimo ou pedaço
de sentimento verdadeiro
era só responsabilidade
com gravidade
sem amor
e se houve algum
agora também é um fantasma
em um passado sem nenhuma beleza
exceto as coisas que eu mesmo criava
quase sempre incendiadas
que viraram poemas futuros
nascidos do fogo
isso mesmo:
poemas futuros nascidos do fogo
cada poema é uma cria
de um incêndio do passado
de uma falta
de uma ausência
a alegria mesmo 
felicidade
veio depois de mitos e dramas
quase sempre inventados
para que se pudesse suportar a dor
desses antes fantasmas antigos
ainda uso esse recurso
como escape 
fuga da falta
da ausência
mecanismos fálicos
algumas vezes sexo
outras vezes poema
até nas ausências
eu escapo entre a palavra
o poema
e a realidade
vira uma rima
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quando a felicidade chega 
e não há mais nada a contar
é a hora de parar
mesmo que seja a vida
um poema
ou um romance
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e sobre tudo isso
em que eu estava pensando mesmo?
em poesia
vida
e romance
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*textos baseados no filme "O Enigma Chinês"
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