sábado, 15 de novembro de 2014

das incursões...

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"ali chega o poeta
e depois regressa à luz com seus cantos
e os dispersa

desta poesia
me sobra
aquele nada
de inesgotável segredo"

Giuseppe Ungaretti . A alegria. 
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tudo depende
quando tudo é pêndulo
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e agora
sem amor
eu trabalho com
impossibilidades?
está junto à minha carne
a raiz das impossibilidades
e por isso faço o que eu
quero com o que eu temo
e o fim da tarde me diz 
que tenho um encontro
com o que me resta
da vida
lá fora
a vida
se tornou
uma inalação
de impossibilidades
e a expiação
de carícias
abandonadas
retomo
as
como
se possuísse
uma distância
líquida
entre os olhos
tudo
por sobre
a carne
aberta
na terra
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queda

nem sei
quantos degraus eram
fui cair no último
justo aquele que não vi
torci meu pé
porque
meus olhos distorcem
tudo
o tempo todo
preciso vigiar
as coisas que me furtam
a calçada
a luz dos carros
a noite imensa
e o dia ofusca
não permitem
fuga ou invasão
vem o sono
e de olhos fechados
ninguém sabe
que quando
meus olhos abrem
ainda é sonho
arestas, pensamentos
e os cuidados com
as escadas
infinitamente
com veneno
deslizam
entre a luz
e as coisas
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o retrato falado
de tanto ser
procurado
ficou calado
não adianta
tapar os olhos
com a peneira
a primeira impressão
a laser
ou jato de tinta
por pior que seja
é a que fica
a correção
está a um pincel
dos seus olhos
os passos
são as linhas
dos adeuses
o mundo parou
mas os passos
continuaram
os adeuses
são aquelas coisas
que não voltam
o tempo todo
o tempo todo
o tempo todo
é uma tatuagem
acima do pescoço
não se trata de um rosto
adeus
é a palavra
último
encosto
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calmaria

cansado de ser julgado
ele se mudou
pro país da poesia
onde a palavra
simples e tranquila
o aceita
e vira
poema
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tempos em que já não dá pra duvidar
que alguma coisa vai acontecer...
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a melancolia
debruça-se
sobre mim
como quem 
abre as janelas
de um brechó
talvez eu queira chorar
até onde não existam
lágrimas
um mero subproduto
de sentimento
como esse pó
sobre esses
objetos
antigos
que o tempo
vai esfarelando
sobre todas as coisas
religiosamente
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tudo depende dos homens
da firmeza com que lutam
pelos seus amores
da simplicidade que colocam
em suas ações
do respeito que tem
uns pelos outros 
depende da luxúria
e da vastidão
das suas palavras
alguns tem um gosto
elevado para o não
outros preferem o chão
porque querem raízes
e deixam sementes
outros tem um gosto
elevado para o sim
e projetam as mesmas
sementes
são pessoas dentes-de-leão
flutuantes
semeando
coisas boas
(até as ruins)
que mesmo 
assim
florescem
fosse assim
com minhas
palavras
que
semeassem
no chão
e no vento
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discurso sobre as meias verdades

a água é que faz crescer
novas coisas na terra
é preciso
que a verdade
esteja desenhada
em sua forma
perfeita
para existir um significado
nela
as suas metades
são angustiantes
e sobram
trajetos
a maioria são mal desenhadas
apenas rascunhos 
rabiscos
há um sem número
de metades
verdades atrasadíssimas
que as pessoas conhecen
há muito pouco tempo
é a ausência de verdades
que deixa o fim com ar
oblíquo
e o número delas
meias
é imenso
inumeráveis tolices
tolices que não somam
não subtraem
não dividem
não multiplicam
meias verdades não engendram
cortam o olho
o rosto
o corpo inteiro
cortam
dividem
não enxergam
são míopes
dolorosamente
cacos 
projetos de bestiário
são uma piada 
para alguém
que não necessita de nada
para rir
só esses
se contentam
com metades
meias verdades
são o advérbio do medo
para as verdades
inteiras
basta completar
os espaços
vazios
a verdade inteira
como metáfora
da água:
fora dela
não há vida
.

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