segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

das possibilidades...

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"Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
e o caminho o verdadeiro fim?

Não é hora de regressos
Não é hora

É certo que me perco em sombras
e que, isolado em minha ilha,
já não me atingem as notícias
dos jornais a falar de bolsas,

modas, cidades que soçobram,
crimes, imitações da vida
ou da morte televisiva,
quadrilhas, teias penelópicas

de horrores ou de maravilhas
que dia a dia se desfiam
e fiam sem princípio ou fim
novíssimas novas artísticas,
científicas, estatísticas...
e há na noite quente um jasmim.

É aqui, mais real que as notícias, na própria
matéria, na dobradura de uma folha
em que se refolha este meu coração
babilônico, na configuração
da mancha gráfica sobre a tessitura
do papel tensionado, ou onde se apura
o lusco-fusco produzido por linhas
e entrelinhas, entre o preto e o branco e o cinza,

onde cada ideia, cada ponto e vírgula
dos trabalhos e das noites se confunde
com miríades de pontos de retícula
e meios-tons de clichês, entre o passado
que jamais está passado e alguns volumes,
linhas e planos apenas esboçados,

que súbito os elementos mais dispersos
se articulam, claro-escuro filme negro,
entre a pura matemática, o acaso
e a arte (esta árvore já foi vestido
de mulher) onde meu delírio é mais preciso,
transparece o meu jornal imaginário.

Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
E o caminho o verdadeiro fim?"

Antônio Cícero
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senão
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os pre_textos possíveis

"a criação da poesia é um processo
parecido com o dos sonhos." Beatriz Bracher


quero escrever porque
dói muito é não conseguir escrever
meu refúgio são as coisas em branco
tudo é a fazer
e poder fazer
tudo é um problema de forma
que acaba sendo um problema de alma
toda criação é um acidente de percurso
e acontece dentro d'água assim:
o rio das coisas flui
invisível
aos desavisados
mas aos olhos do poeta
é riso
mesmo sabendo que as estantes de poesia
de todas as livrarias
são bastante solitárias
(como eu)
do rio da vida
rio
em tempo penso
que as pessoas são difíceis
eu queria ser mais fácil
eu queria impersonar
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