sexta-feira, 1 de agosto de 2014

dos perfumes...

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"a ternura
como último desdobramento da revolta"

Fabrício Corsalett
i
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Chanel n° 5
para minha mãe

por que os poetas pouco falam do olfato?
por acaso os cheiros
não rimam?
não se inclinam a poesia?
alguma memória antiga
passeia feito cantiga
pelo nariz do coração?
cheiro da chuva e do mato
e das tintas de impressão
maresia na arrebentação
cheiro de café
de janela e tinta fresca
e perfumes de pessoas
antigas
ou das novas pessoas
perfumadas
que até mesmo sem falar nada
deixam um cheiro
que irradia
pelos travesseiros
até a madrugada
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o poema não é algo que se colhe
mas algo que se planta
e vem à luz da palavra
aparece feito pássaro
ou criança
de surpresa
o poema é tão repentino
como um susto
vem em ramos
formando sombras
delirantes
vem dessas sementes
delinquentes
chamadas
de inspiração
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o que dói primeiro?
a vida ou a morte?
com alguma sorte
apenas um
com muita sorte
nenhum dos dois
entre ambos
inventaram a alegria
essa anestesia
das nossas dores
diárias
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absurdos

chegou a hora de falar
disse o homem num bocejo
das coisas:
sopa
papo
pão
e pá
de terra
desenterra
borbulha
barba
jeito
de homem
trejeito
de mulher
e por que ferve a água do mar
e por que voam os beijos
de gente que não consegue
se apaixonar
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partir para um outro lugar
navegar em algum mar
deixar este chão
terra firme
tediosa
deixar a mesmice enfadonha das ruas
das calçadas e casas
e prédios imóveis
em construção
deixar essa coisa sólida
tensa e presa
e embarcar num navio
navegar
navegar
como se a vida fosse agora
um poema de outras alegrias
e dançar, bater palmas, saltar,
alegorizar,
e pular, e rolar
flutuar
ser marujo do mundo inteiro
a caminho de todos os portos
ser o seu próprio navio
perceba as velas que eu mesmo criei
ao sol e ao mar
ser um navio ágil
a torto e a direito
cheio de palavras ricas
e alegrias tantas
sem contar

Adaptado de Navegar - Walt Whitman
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em comum*
você e o mar
só tem a maresia
e comigo
em comum
a poesia
vou me pintar
disposto
a enfrentar as palavras
desvendá-las
despido de mim
mas comovido
em segredo
se você entende as marés
eu entendo os marasmos
em você
o mar calmo
em mim
a velha lágrima
escorre feito
tsunami

*para Fernando Schubach
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