"Para alguns homens, chega o dia finalmente
em que é necessário o grande Sim ou o grande Não
dizer. Percebe-se quem trazia, nessa ocasião,
o Sim já pronto dentro de si, e dizendo-o sente
seu valor aumentado, sua confiança crescida.
Não se arrepende quem diz não. Di-lo-ia outra vez
se lho perguntassem, embora saiba o mal que fez
aquele não — por mais justo que fosse — à sua vida."
CAVÁFIS, Constatinos. "Che fece... Il gran rifiuto".
Trad. por José Paulo Paes. In: PAES, José Paulo.
Poesia moderna da Grécia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
a poesia ergue-se por espelhos
reproduzindo diferenças entre o reflexo e o original
duplica-se não na cópia
mas na diferença
o que lemos diretamente não é o mesmo que vemos
reproduzindo diferenças entre o reflexo e o original
duplica-se não na cópia
mas na diferença
o que lemos diretamente não é o mesmo que vemos
pelo reflexo da palavra
esta é uma fronteira física que é rompida pelo olhar
emaranham-se as letras individuais
e consequentemente as identidades
o ato de ler se multiplica
dois ou mais leitores habitam o espaço
esta é uma fronteira física que é rompida pelo olhar
emaranham-se as letras individuais
e consequentemente as identidades
o ato de ler se multiplica
dois ou mais leitores habitam o espaço
conjuntamente com o poeta
no princípio ainda é possível distinguir identidades
no princípio ainda é possível distinguir identidades
onde poesia e leitura pulsam
quieto
o poeta entorpece
inquieto o leitor dança.
no embate
sujam
bebem
gritam
fervem
picham
correm
surtam
implodem
caleidoscópio de palavras que pulsam
quieto
o poeta entorpece
inquieto o leitor dança.
no embate
sujam
bebem
gritam
fervem
picham
correm
surtam
implodem
caleidoscópio de palavras que pulsam
subjetivamente
entre os corpos
entre as palavras e as coisas que cruzam
os poemas
e no meio de tudo
temos reflexos de caminhos
construídos com as identidades e diferenças
entre leitor e poeta
entre os corpos
entre as palavras e as coisas que cruzam
os poemas
e no meio de tudo
temos reflexos de caminhos
construídos com as identidades e diferenças
entre leitor e poeta
........................................................................................
da minha janela
quando criança
a poesia
era interminável
e confusa como o raiar
antigo e esfumaçado
do inverno
que vinha do vale
musicado de enxurradas
longas e fios brancos
dos seus aguaceiros
quando anoitecia
ensopado
de chuva lírica
a cidade parecia
literalmente
maior
era o meu interior
no interior
aprendendo
a fazer rimas
junto com o nascer
do sol
da minha janela
quando criança
a poesia
era interminável
e confusa como o raiar
antigo e esfumaçado
do inverno
que vinha do vale
musicado de enxurradas
longas e fios brancos
dos seus aguaceiros
quando anoitecia
ensopado
de chuva lírica
a cidade parecia
literalmente
maior
era o meu interior
no interior
aprendendo
a fazer rimas
junto com o nascer
do sol
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... e que a vida para sempre inacabada
agora
tenha
misturas de vento
e mistérios
num relógio infinito
de areia
... e que a vida para sempre inacabada
agora
tenha
misturas de vento
e mistérios
num relógio infinito
de areia
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rugas
são
passos
que deixam
marcas
ecos ali onde se encontrou
o tempo
sinais da paixão
por este mesmo
tempo
rugas
são
passos
que deixam
marcas
ecos ali onde se encontrou
o tempo
sinais da paixão
por este mesmo
tempo
........................................................................................
eu tento viver
como se nada tivesse acontecido
mas sempre tem essa pedra
no caminho:
o acaso
isso quando não deixa
pedras no sapato
eu ando fora de foco
e longe das pedras
mais um pouco
viro
abismo
eu tento viver
como se nada tivesse acontecido
mas sempre tem essa pedra
no caminho:
o acaso
isso quando não deixa
pedras no sapato
eu ando fora de foco
e longe das pedras
mais um pouco
viro
abismo
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curiosidade
é uma seta que aponta para o novo
no lugar de ficarmos apenas repetindo o antigo
o antigo é uma teia
quanto mais lembrado
mais a gente se enrosca
e memória não é coisa para ficar presa
se a memória é viva
que seja solta
nenhum bicho preso
na memória
consegue
viver
bem
esse bicho preso
sem novidade
devora
curiosidade
é uma seta que aponta para o novo
no lugar de ficarmos apenas repetindo o antigo
o antigo é uma teia
quanto mais lembrado
mais a gente se enrosca
e memória não é coisa para ficar presa
se a memória é viva
que seja solta
nenhum bicho preso
na memória
consegue
viver
bem
esse bicho preso
sem novidade
devora
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e a velocidade das coisas
é assim mesmo
...........................................................................................
tédio
os sentidos rarefeitos
como se não houvesse raiz
e as coisas
correndo sempre atrás
das mesmas
coisas
como um círculo traçado
exatamente exato
existindo bem no centro
um raio
imóvel
cercado
de
toda espécie
absurda
de
rotinas
insanas
e a velocidade das coisas
é assim mesmo
...........................................................................................
tédio
os sentidos rarefeitos
como se não houvesse raiz
e as coisas
correndo sempre atrás
das mesmas
coisas
como um círculo traçado
exatamente exato
existindo bem no centro
um raio
imóvel
cercado
de
toda espécie
absurda
de
rotinas
insanas
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