domingo, 24 de agosto de 2014

das tensões...

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"nem sempre procuro a morte
mas sempre corro algum risco"
Fabrício Corsaletti
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tenso
perdi dois dentes
e quebrei vários outros
dissecando minha sombra
medos e neuroses
ansiedades violentas
maiores que o desdobramento
de qualquer ódio
ou revolta
a trilha sonora dos dentes
rangendo
e do coração acelerado
batendo
eu tenho uma vida
traduzida
dentro da boca
e na falta 
dos olhos
nas unhas roídas das mãos
nas unhas manchadas dos pés
no sangue marcado 
por dentro
em cada pílula
nos vários medicamentos
minha vida feita em frangalhos
como resposta do corpo
soma
adiciona
aumenta
e cada dia é uma cilada
um cuidado 
com qualquer movimento
assim me reparto em extremos
continuo a vida
mesmo quando não entendo
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como tantos poemas que faço
sumiu o último que escrevi
outros nem somem
eu os adio
certo de que jamais os farei
causa certa melancolia
da impossibilidade
da reconstrução
em um instante apenas
uma estranha sensação 
de perda de peso
quando o poema
desaparece
da memória
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paquidermes:
tudo o que não 
conseguimos
engolir
(bem maiores que os sapos)
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o tempo derrete na boca
quando é doce
o tempo é âncora quando existe o desejo
o tempo não suporta ânsias
nunca se acalma
nas esperas
transforma todo relógio
numa perigosa arma
tic tac
um estampido
um tiro
direto no peito
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quando eu morrer
queime meu corpo
com o fogo da palavra
e quando eu for só cinzas
me amarre numa folha
com um poema dentro
assim 
quando eu for apenas
uma lembrança distante
me assopre
para bem longe
da memória
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todo poema deveria ser
de fogo 
queimasse os pelos
tatuasse a pele
atravessasse feito flecha
o coração
queimado como fogueira
e convidasse os pés
a caminhar sobre as cinzas
como se andasse
sobre folhas e escombros
com o cuidado de entrelaçar
fogo, coração e cinzas
num encontro impossível:
poesia
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zelosamente
criou um poema 
dentro de uma garrafa
como se fosse vida
mas à  noite
quer se soltar
ele borbulha
hoje à noite por exemplo
por pouco não esqueceu
e num momento sem lei
ele quase saiu 
absorvendo tudo
o que foi produzido
durante o dia
se escapa
esmorece a sombra
dos outros poemas
que ficam sepultados
vivos
juntos com suas 
esperanças
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cadafalso

desconhecia a extensão do mundo
palavras mínimas não explicavam minha descrença na esperança
possuía oculto até o que não sabia dizer
trazia de cor e decifradas algumas palavras:
aturdido
suspeito
profundo
deserto
promessa
solidão
e um amor condenado a minguar pelo exílio
queria conhecer mais palavras para nomear o incômodo perpétuo instalado pela dor
a vida com todas essas dúvidas
se torna por demais demorada
vem um cansaço
(viver fica entre parênteses)
aí vem a paciência com tudo
a paciência aconchega a alma 
e adormece a dor
uma calma
mesmo falsa
como
alento
.

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