"dentro de um beijo caminham coisas duras
como objetos com gosto de semanas
como as arestas do tempo nas paredes
como o não beijar-se há muito tempo
caminham coisas duras com atropelo
guarda-chuvas, sapatos e resquícios
de ternuras mal beijadas pelo tempo
caminha dentro dos mais lentos beijos
e o escarpado suave das meiguices;
a preguiça experimenta as suas rodas
e da língua escorre uma espessura
de achados e encontros e perdidos
- conquistar um voo, decifrar um signo -
coisas de antes de nós havermos sido
coisas duras com sabor de antigamente."
Amálio Pinheiro em Tempo Solto
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Foto de Sebastião Salgado
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os meus olhos como dois silêncios
olho o meu retrato no espelho
e sinto-me a entrar na solidão de tudo
aqui nesta cidade cotidiana
também saio numa tarde atravessada
por celulares, gentes e as coisas de sempre
e o céu desaba sem lastro
e todo dia fica pequeno quando chove
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são muito íngremes as saudades
por isso sinto sua falta feito alpinista
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registros de família
cansei das ameaças de afago
quero saber de gente que se abra com ternuras
feito aquelas janelas antigas
da casa da minha avó Lourdes
(um casarão tombado
contra as minhas esperanças)
cheiro de biscoito no forno
com os olhos nos ventos das cortinas
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não sei se eu achei a resposta para tudo na vida
mas sinto que achei a possibilidade
de como trabalhar uma possível resposta
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não vamos jogar amor aos sete ares
quero amor de mares
- daqueles que vão de barco até o fim do horizonte
sem afundar
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gosto de gente que pede Amor pro Arco-Íris
e que os potes dourados no fim
não sejam lenda
são sete as cores
e uma crença
para Magda
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não é possível ser um
sem ser um pouco do outro
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eu gosto de coisas com capricho
e coisas que são pensadas para o agrado
mas às vezes me revolto
revolvo a toalha de mesa
com tudo que está sobre
e faço uma confusão
reviro os panos dos dias
e reflito
(e a refeição vira fome)
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