quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

das fatalidades...

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"há algo de intransferível no poeta.
ao homem comum não custa muito mudar os hábitos, mudar de mulher, 
mudar de casa, trocar de carro, de corte de cabelo, de loção.
o poeta não pode mudar seus hábitos.
segue Universo sem fragmento.
não pode cortar nada, amputar-se, diluir.
os homens comuns levam uma vida assim:
terno, família, futebol, financiamento, férias.
o poeta leva uma vida distinta, plena de diálogos interiores:
- a flor amarela cresceu um pouco mais e segue agarrada ao muro.
- há dois dias não ouço aquele pássaro que lembra Gardel.
- morro de pena dos anjos, pois sei que eles nunca dormem.
- voltei a pensar em Chopin noite e dia e em sua dor de tísico em Nohant... 
na dor de perder a amada: aquela mulher-areia - Sand. 
aquela que lhe concedeu uma filha emprestada e paraísos de orvalho. 
os homens fogem do amor, e com razão...  quem decifra estes corações com asas? 
e apenas as mulheres com asas nas artérias seguem inesquecíveis... Chopin que o diga.
em dias de dor insuportável o poeta pensa: - ah! quem dera uma vida morna, um terno lindo, 
reuniões plenas de gráficos e cafezinhos.
mal seca as lágrimas, continua assim:
casa de areia com vista para aldebaran."

Bárbara Lia
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faltalidades:
foi ceifando o chão com os olhos
enquanto despedaçava o coração...
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urgência

muitos dos meus poemas saem da condenação
do erro ou da extrema verdade
tudo exagerado
urgente
como urgente não digo ser uma atividade de socorro
é como se fosse um lembrete
eu coloco em palavras as qualidades do momento 
ou da sensação que me incomoda e que eu me esforço para alcançar
isso gera a urgência
creio que a poesia não é chamada de poesia por nada
ela é uma coisa urgentemente trabalhada
eu paro tudo o que estiver fazendo para escrever se uma boa ideia acontece
preciso alcançar o poema o mais rápido possível antes que ele desapareça
é uma sensação e tanto 
tudo está ligado ao fato de os poemas em si 
causarem uma sensação que me afeta violentamente
se um poema evolui e fica bom, você se sente inteiro e pronto
a urgência acaba e´passa a ser parte do outro
ou dos outros
de repente você descobre que o que fez afeta a outra parte
esse é o elemento da arte
é assim que eu me sinto, ou não me dedicaria a escrever
muitas vezes o poema acaba se fazendo sozinho 
ele não quer que você faça mais nada
o que está escrito já bastou
e então você prossegue e pensa em continuar
e aí vem o erro
que erro!!
é o erro pela urgência
e eu volto nela
às vezes mesmo por urgência
decisões fortes resultam em coisas excelentes 
que se você fosse repetir não causaria a mesma impressão
o acaso entra no que acontece
a sorte pode estar ligada ao ritmo ou à velocidade
mas também ao tempo
a escala afeta tudo
fazer poemas em escalas diferentes 
é uma coisa que me mantém vivo
faz com que se preste atenção
mesmo acelerado
a velocidade é uma coisa egoísta
mas que algumas vezes produz coisas interessantes
algumas vezes resultando de uma agitação ou desespero 
vindos de alguma situação particular
- e os excessos de pensamento -
se quanto mais velho se fica mais se pensa e eu penso poesia sempre
talvez eu já tenha nascido um velho poeta de pensamento
então
trabalhando sempre em velocidade
aí é onde não envelheço
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alimentados pelas chuvas de verão, os poetas
estão no mundo de pijama, se ainda não sofreram
de pijama, que ridículo! saindo da cama de manhã?
ninguém recebe visitas estranhas com roupa de acordar
entre o sono obscuro e a vigilância clara
mas de pijama estão de fato os poetas no mundo
se ainda não olharam de frente 
para o tumulto inexplicável da natureza
ou se por amor ainda não sofreram
vão saindo da cama devagarinho
agarrados aos seus poemas

adaptado de Uma Viagem à Índia _ Gonçalo M. Tavares _ Ed. Leya
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