entre os poetas eu sou famoso de mim mesmo.
meu nome é Julio.
assim mesmo. sem acento.
entro nos poemas como um toque suave, deslizo entre as palavras
como uma onda que se espalha sobre a areia.
o poema escolhido, se pudesse falar, me dirigiria somente palavras gentis:
"Senhor Julio, finalmente, sua visita é uma honra, quanto me fez esperar..."
e, quando chego, o poema se abre, generoso e lírico, solícito como uma mão amiga.
sim, porque de mim os poemas não escondem nada. sei escolher a melhor hora,
o momento adequado. adoro chegar tarde da noite. prefiro a madrugada.
é justamente então que a presença das palavras, como o perfume das flores é mais intenso.
no meu ramo, nada pode ser deixado ao acaso, o risco é grande demais.
trabalhar sozinho é uma temeridade. quando projeto um novo poema,
conto sempre com um cúmplice confiável, escrupuloso, infalível,
o único no qual acredito tanto quanto em mim mesmo: minha emoção.
dou a ela livre curso pelos caminhos das palavras e sigo-a até onde ela decidir me levar.
se um poema não a interessa, decerto tampouco interessa a mim:
o acordo entre nós é perfeito.
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eu tenho uma verdade enorme encravada dentro de mim
e ela não sai de teimosia
esse é o problema das verdades
tem que passar por diversas mentiras
para amadurecer
e escapar
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eu ando
escondido
de incertezas
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minha vida é esse ferimento no pé
que não cicatriza
vermelho intenso
prurido aquoso
que incomoda
sob um band aid
a vida escassa
e marca
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e uma tristeza intensamente minha
trafega na solidão do meu corpo
enquanto o estado das coisas
é violência e alvoroço
nesses cardumes exilados
em enxurradas sólidas
que não percebem
a solidão alheia
carregada de peixe
lama e chuva
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uma vida mineiramente amarga e transparente
de escrita difícil e coração fácil
das coisas ausentes e das coisas presentes
paulatinamente
grandicidade
sampa
calcificado
por aqui
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tenho culpa
se o reencontro comigo
foi adiado?
sou de tantos desejos urgentes
que nem tenho tempo pra mim
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entre todos os espantalhos
espalhados no céu:
nuvens
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não procure na minha boca sua palavra
quando estou conversando com meus naufrágios internos
sob a manga das palavras
nada se perde em dobra alguma
no vinco do lado da boca
a saliva tem a cor do esquecimento
a palavra dada é a fala recém perdida
que enche várias cabeças por semana
sempre brancas com aceno de despedida
durante todo o tempo que bate o sangue nos relógios
os que falam não sabem
e nem se dão conta disso
que cada palavra acontece
entre sempre e nunca
depois da fala
todo corpo é silencioso
e passa a escutar as distâncias
lendo por dentro dos olhos a palavra vencida
a palavra encoberta pela dúvida
da fala
dentro da boca
escondida
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o barulho
da construção
me desconstrói
o ruído
é um incômodo
lento
consumindo
o corpo
por dentro
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"pensas que me acusas?"
você e suas medusas
não me cobram
mais
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porque o amor não está nem aí para a fechadura