sexta-feira, 1 de maio de 2015

dos documentos...

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"escrever é uma farsa. 
todos sabem e assumem seus papéis, como tem que ser. 
desconfiei disso ao desabar pra dentro de um livro de Clarice Lispector 
e me deparar com uma vírgula, antes de qualquer palavra. 
como assim? 
a história começou, antes que eu abrisse o livro? 
ninguém me esperou? 
depois entendi que era uma quebra fundamental na minha inocência de leitora. 
tudo já estava acontecendo, antes de se revelar. 
claro, claríssimo, Clarice? 
mas houve ainda o golpe fatal. 
na última página do mesmo livro, depois da última palavra, lá estavam eles, dois pontos! 
mas o começo me ensinou a aceitar o fim. 
eis a minha participação. 
o deleite daquela leitura, enquanto ela durou, contida entre pontuações, que indicavam continuidade e nunca conclusão, me levou por caminhos que aceito e procuro."

Zélia Duncan
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Atlas - Galeria Vermelho







































documentos para estar vivo

acordar
andar
ver
atravessar
apaixonar
comprar
poder
desiludir
ter
manter
perder
rir
encantar
chorar 
doer
espantar
amar
sofrer
adoentar
cuidar
sarar
resistir
cobrar
pensar
mentir
trocar
vestir
trocar
aprender
arrepender 
livrar
encontrar
separar
lutar
desesperar
voltar
reaprender
a amar
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antes o sol

não tenho essa coisa
não tenho isso não
às vezes me faltam delicadezas
talvez os olhos
me incomodem
então
estremeço
e desalinho
levemente
as costuras
um pânico
desesperado
colorido
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e os meus sapatos merecem atitudes?
aquela sujeira no canto da parede?
meu ombro 
meu desalinho
meu  cansaço
merecem atitudes?
todo poeta que se preza
inventa seu próprio tempo
eu descanso
e por acaso
o tempo
fica
lento
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a vida
perca
per
capita
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esta é a minha maneira de ser brutal
com a aspereza
de quem caminha
pelas ruas
mascando lascas
não preciso dar explicações
com palavras de madeira
porque sou impuro
e espontâneo
igual fera

adaptado de Claudio Daniel
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cada flor que não cheire

alheio
e bem próximo
busco a dor que me corrige
na tarde
em um a um 
quaisquer perigos
que reduzo em flor para meu uso
particular
estranho
no grotesco
a impossibilidade de me deter
me consola
ajusto os pés que me levam ímpar
calejado
de  punho em riste

adaptado de Max Martins 
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