sexta-feira, 29 de maio de 2015

das duplicidades...

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"O difícil é encontrar de fato o seu lugar e restabelecer a comunicação consigo mesmo. O todo está em certa floculação das coisas, no agrupamento de toda essa pedraria mental em torno de um ponto que falta justamente encontrar.
E eu, eis o que penso do pensamento: A INSPIRAÇÃO CERTAMENTE EXISTE. E há um ponto fosforescente onde toda a realidade se reencontra, porém mudada, metamorfoseada - e pelo quê? - um ponto de mágica utilização das coisas. E eu creio nos aerólitos mentais, em cosmogonias individuais.
Toda a escritura é uma porcaria. As pessoas que saem do vago para tentar precisar seja o que for do que se passa em seu pensamento são porcos.
Todo o mundo literário é porco, e especialmente o desse tempo. Todos aqueles que têm pontos de referência no espírito, quero dizer, de um certo lado da cabeça, em bem localizados embasamentos de seus cérebros, todos aqueles que são mestres em sua língua, todos aqueles para quem as palavras tem um sentido, todos aqueles para quem existem altitudes na alma, e correntes de pensamento, aqueles que são o espírito da época, e que nomearam essas correntes de pensamento, eu penso em suas tarefas precisas, e nesse rangido de autómato que espalha aos quatro ventos seu espírito, - são porcos.
Aqueles para quem certas palavras têm sentido, e certas maneiras de ser, aqueles que mantêm tão bem os modos afectados, aqueles para quem os sentimentos têm classes e que discutem sobre um grau qualquer de suas hilariantes classificações, aqueles que crêem ainda em "termos", aqueles que remoem ideologias que ganham espaço na época, aqueles cujas mulheres falam tão bem e também e que falam das correntes da época, aqueles que crêem ainda numa orientação do espírito, aqueles que seguem caminhos, que agitam nomes, que fazem bradar as páginas dos livros - são os piores porcos.
Você é bem gratuito, moço! Não, eu penso em críticos barbudos.
Eu já lhes disse: nada de obras, nada de língua, nada de palavra, nada de espírito, nada. Nada, excepto um belo Pesa-nervos.
Uma espécie de estação incompreensível e bem no meio de tudo no espírito. E não esperem que eu lhes nomeie esse tudo, que eu lhes diga em quantas partes ele se divide, que eu lhes diga seu peso, que eu ande, que eu me ponha a discutir sobre esse tudo, e que, discutindo, eu me perca e me ponha assim, sem perceber, a PENSAR - e que ele se ilumine, que ele viva, que ele se enfeite de uma multidão de palavras, todas bem cobertas de sentido, todas diversas, e capazes de expor muito bem todas as atitudes, todas as nuanças de um pensamento muito sensível e penetrante.
Ah, esses estados que nunca são nomeados, essas situações eminentes da alma, ah, esses intervalos de espírito, ah, esses minúsculos malogros que são o pão de cada dia de minhas horas, ah, esse povo formigante de dados - são sempre as mesmas palavras que me servem e na verdade eu não pareço mexer muito em meu pensamento, mas eu mexo nele muito mais do que vocês na realidade, barbas de asnos, porcos pertinentes, mestres do falso verbo, arranjadores de retratos, folhetinistas, rasteiros, ervateiros, entomologistas, praga de minha língua.
Eu lhes disse que não tenho mais minha língua, mas isto não é razão para que vocês persistam, para que vocês se obstinem na língua.
Vamos, eu serei compreendido dentro de dez anos pelas pessoas que farão o que vocês fazem hoje. Então meus géiseres serão conhecidos, meus gelos serão vistos, o modo de desnaturar meus venenos estará aprendido, meus jogos d'alma estarão descobertos. Então meus cabelos estarão sepultos na cal, todas minhas veias mentais, então se perceberá meu bestiário e minha mística terá se tornado um chapéu. Então ver-se-á fumegar as junturas das pedras, e arborescentes buquês de olhos mentais se cristalizarão em glossários, então verse-ão cair aerólitos de pedra, então ver-se-ão cordas, então se compreenderá a geometria sem espaços, e se aprenderá o que é a configuração do espírito, e se compreenderá como eu perdi o espírito.
Então se compreenderá por que meu espírito não está aí, então ver-se-ão todas as línguas estancar, todos os espíritos secar, todas as línguas encorrear, as figuras humanas se achatarão, se desinflarão, como que aspiradas por ventosas secantes, e essa lubrificante membrana continuará a flutuar no ar, esta membrana lubrificante e cáustica, esta membrana
de duas espessuras, de múltiplos graus, de um infinito de lagartos, esta melancólica e vítrea membrana, mas tão sensível, tão pertinente também, tão capaz de se multiplicar, de se desdobrar, de se voltar com seu espelhamento de lagartos, de sentidos, de estupefacientes, de irrigações penetrantes e virosas, então tudo isto será considerado certo, eu não terei mais necessidade de falar."
Antonin Artaud
.










































cortada a pele
até sangrar
e o que saiu de dentro dela
é aço
aço da ação sanguínea
da contradição
entre dois espelhos
que todo mundo
pode 
poucos são
essa pele que flutua
mais que o próprio coração
não sente mais tanto
quando o preço de ocasião
é amor sem condição
é medo sem confissão
é a mais pura aflição
que abate
todo corpo pele arte
é o aço
que falta
quando é muito
o açoite
quando a noite
parte
o corpo
até o meio
dia
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o ser
brutalmente intenso
assassinado
pelo duplo
na frente 
do espelho





















minha referência 
é todo corrimão 
e este gosto 
vermelho na boca
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todo homem
deveria ser
o que 
desaparece
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a natureza
[morta]
das coisas
a natureza
[morna]
das coisas
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eu 
gostava mais
quando 
eu 
era aleatório
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essas palavras
fricciono-as até o fogo 
e mais nada
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mesmo que eu pouse
em céu aberto
nunca vou entender 
o tamanho
dos incêndios 
e a leveza
de cada pena
uma
a uma
que formam
essas asas
que me escoram
na terra


































numa rua cercada de pedras
pétalas minerais 
num jardim
de puro
lirismo

o que fazer com o alfabeto 
numa rua cercada de pedras? 
um poema concreto?
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moinho ao sol

pelo poder 
de arrebentar
uma palavra 
contra outra
produzindo 
um grito
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estes parênteses 
guardam segredos
(segredos)
entre
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sementes 
futuras flores
nestes charcos
buscando
violentamente 
luz
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que palavra é essa 
pendurada
no fim do poema?
diz que é ponto
mas não acredito 
um mito
essa história 
de fim

































ainda
vou te contar 
o que é 
ecoar
calado
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espere um pouco
abrindo a boca
escapou
um louco
-
desses tantos
dentro
de 
mim
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imagine
algum lugar
dentro de você mesmo
sem susto
- difícil
o susto é a arte
da criação
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quero uma manhã 
que se abra
com chave de sol
e noites
fechadas
a sete claves
embriagadas
de 
lua
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sempre 
no fundo do poço 
um balde flutua
ou será 
reflexo
da lua?
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passei dos cinquenta
ainda insistente 
como qualquer dor
ando ausente
não me interessam
os costumes
as coisas pequenas de fora 
se não posso o que preciso
deixo esgotar 
sozinho
e vou embora
mesmo que não veja
me sobra
pensamento
agora ando 
amanhã cedo
(e em absolutamente)
todas as manhãs 
parto






vim ao mundo
com a missão 
de ser produto
mas quero a soma
dos zeros
quero 
nada
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se você
não souber
olhar o mar
não queira
que ele te transmita
o que é o mar
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cátedra
o mestre 
mostrou 
que sabe
e desaprendeu
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a trajetória 
da pedra é pesada
a não ser que a pedra vire
palavra
e jogada na água 
vire um
verso
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"uns imitam por incapacidade. 
outros para ensaiar asas.
estes saberão um dia voar."
Mário de Andrade a Luís da Câmara Cascudo

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rapaz do meu lado 
veja bem o que aconteceu 
eu não sei o seu nome
nem você o meu
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dias do
avesso
da 
asa
.

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