"e por vezes as noites duram meses
e por vezes os meses oceanos
e por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos
e por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
e por vezes fingimos que lembramos
e por vezes lembramos
que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
e por vezes sorrimos ou choramos
e por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos"
David Mourão-Ferreira, “Matura Idade, 1973.”
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eu dinossauro - naej pala & fernando schubach |
eu dinossauro
devoro arte
e o medo
e o mito
que me invade
da palavra
me engulo
me ocupo
dos lugares
me desencontro
me perco
às cegas
me pare
me espere
da angústia
me iguale
me dispa
me responda
se até onde
vou
vale
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eu fui cortado em pedaços grosseiros
fatiado nas
pegadas do cão
e outras obscenidades
incomunicáveis
as facas golpeando
e ninguém apareceu
nem deus
aqui e agora eu estava escapando da lâmina
mas não deu
na dificuldade de escapar dos acentos
as vírgulas me pegaram
fui assaltado
rasgado
e violentado
sem ter culpa de nada
essa vida me rasga
em cada ponto final
e eu vou fazer o que?
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e que mal há
em ficar-se
deitado
na tarde
quieto
num dia primeiro
de maio
meu trabalho
é o deslumbramento
estou tentando
desligar
o relógio
do acaso do tempo
entre as coisas
confusas
quero que me esqueçam
agora
lá fora
ou dentro
o medo
o escuro
a falta de letra
a causa
o efeito
o poema perdido
o lugar cansado
meu lugar nem nunca
foi no passado
mas às vezes é difícil
entender
que tudo é uma questão
de vento
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a gente
vira
fênix
quando não tem
pra onde
ir
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indicando
o inverso
do amanhã
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...sofreu o cão que o diabo amassou
— com Magda Isabel Nascimento.
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com os meus olhos de personagem
passei hoje por um abraço
que ficou
preso aqui
a melhor cadeia
dos abraços
é a lembrança
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a felicidade é um estado de foda-se
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inquilino
é tudo aquilo
que não assino
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eu engulo
angústia
feito dinossauro
e as coisas
que não
consigo digerir
eu cuspo
— com Fernando Schubach
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tem um grito aí sobrando
para me emprestar?
meus gritos são verões
eu de garganta inverno
invoco outonos
e a chuvarada
que me aguarde
na próxima primavera
— com Fernando Schubach em Instituto Tomie Ohtake
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...vezes que
preparo as coisas
como se elas nunca
fossem acontecer
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ainda não consegui
essa coisa isolada
ainda não consegui
essa coisa de único
quando a arte é tanta que
extravasa
a arte pelos poros
únicos
eu tenho lido
eu tenho livros
e me entendo
único
deveras arte
ensino pouco
domaisqueaprendo
eu sei quando faço
aconteço
breve
ali quando faço
poesia
quando como faço
as coisas do meu jeito
o jeito certo
que não é o erro
o jeito
que a poesia me cabe
sempre cabe perfeitamente
até onde a raiva me comove
ou consome
e eu faço o que eu sinto
e sinto muito
muitíssimo
por todos que não entendem
que o que faço
não passa em branco
nem passa em nuvens
ou elogios
o que eu faço
do jeito que faço
não é sempre o certo
mas o meu preço
eu pago
e prego:
mesmo errado
do meu jeito
sempre acerto
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nas torres do desejo permanente
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contar não mata
saudade
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meia laranja
meio amargo
meio seco
meio árido
meio
um meio de se livrar
meio azedo
meio ácido
meio básico
meio químico
meio físico
todo sarcástico
meio começo
meio a meio
fim
do fio
meio fio
todo
cortado
metade
doce
metade
sim
metade
boa
metade
ruim
os intrometidos
não
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toda comédia deriva do medo
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sem tom
nem som
cortada
voz
oculto
em meu nome
cego
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eu
árvore
por dentro
um ramo
de loucura
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