quinta-feira, 9 de junho de 2016

das topografias...

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"Quais as razões da poesia -
as razões para escrever poemas,
e para ler poemas?
A resposta da física seria: 
uma compulsão tremenda de 
superar uma inércia tremenda."

(Laura Riding, "Preface", The poems)
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Foto de Marcelo Denny



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o poema perfeito

ainda hoje procuro o poema perfeito
procuro-o nos rios
nas águas cristalinas

até no suor das tempestades
nas nuvens espessas
procuro o poema perfeito

até na voz do povo
no murmúrio de todas as gentes
procuro o poema perfeito

até no sorriso dos amantes
e no grito timpânico
das máquinas
procuro o poema perfeito

na coragem do corajoso
no sol que ilumina os dias
e no choro da criança
procuro o poema perfeito

ainda hoje o procuro
no voo livre dos pássaros
 e na garganta da sede
o poema perfeito

Adaptado de  Antonio Ventura

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fica
para
quando
eu
começar 
a entender
com
plena
mente
o corpo
do 
outro
-
completamente
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preste atenção
em tudo
o que é
natural
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pedaço de nuvem
pedaço
pedaço
pedaço
pedaço
pedaço
pedaço
pedaço
do fim do dia
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"Para trás!
Sou pedra. 
.......Você tem de rasgar sua carne para escavar meu peito.
Sou tempestade. 
.......Ninguém relaxa comigo.
Sou montanha. 
.......Moureje até o topo, e vire um solitário.
Sou gelo. 
.......Você tem que congelar para que eu derreta.
Sou mar. 
.......Não vou devolver você.
Se isto o assusta, 
Para trás! Para trás!
Ainda que, se você for meu amigo, 
Não lhe serei nada disso."

Para Um Quase Amigo - Laura Riding
tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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distância 
lá de fora
do que a cabeça 
concebe
aqui dentro
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a vontade
constante
de fazer poesia
pode ser de uma 
presença 
além de mim
mesmo
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não-poema

o
nada
feito
fica
não 
escrito
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I
durante a noite
eu fico escalando
o escuro
e procurando estrelas
as estrelas se juntam
na frente da casa 
e saio lá fora
ainda no escuro
procurando alguma
cadente
não ando descalço 
nessas horas
a frente da casa 
está cheia de estilhaços

II
minha alma
não sabe contar histórias 
e não conhece verdade
alguma
minha alma só sabe
chorar mais do que rir
e torcer as mãos 
minha alma não se lembra
de muitas coisas
e nem gosta de assumir
grandes responsabilidades
minha alma não sabe ponderar
nem confirmar
minha alma 
são essas estrelas
cadentes
estilhaços
na frente 
da casa

III
e eu tenho luas
escuras
sob
os
olhos
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sou um homem já maduro
mas ninguém me conhece
meus amigos 
tem imagem falsa de mim
não sou dócil 
já pesei a docilidade 
com minhas garras de águia 
e conheço-a bem
então componho poemas
e cada poema
é um pedaço dilacerado
de outro poema
não um poema
e sim marcas
de garra

preciso
senão eu surto
num voo
cego
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topografia 
de uma 
saudade:

queria
desbatizar o mundo
sacrificar o nome das coisas
para ganhar sua presença 
de volta 
criar uma outra palavra
muito maior que a falta 
uma palavra:
esse corpo em direção a tudo
uma palavra:
meus olhos de novo 
abertos
aí então 
recriar 
a possibilidade 
da sua
presença
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"aprendo
a tática
dos gravetos
me aninho
em labirintos
e territórios alheios
se perco
quebro inflamo
ou falo sozinho..."

Marcus Groza
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poética

crescer
na
palavra
incendiar-se
na 
liberdade
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carências

construídos
dias perfeitos
dobre a abundância 
desse sol de hoje
e sobre as palavras em silêncio 
a dura solidão de um corpo
e de algum outro corpo
numa mesma solidão 
fizemos crescer esse silêncio 
na sede de nossos sonhos
e ganhamos algum
amor
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um poema à deriva
inclinado a decidir 
entre
a ausência do autor 
e o museu da distância 
quantas histórias detonando
o universo do infinito
enquanto todo o resto
espera
eu crio o possível 
o impossível é o passo 
do desespero pausado

- obra estética 
ao invés de obra poética -

uma canção de mim
do ar que brota
dentro do silêncio 
que não conhece
a solidão nua
das pedras
a sensação do que se foi
sem nem ter ido
o que se foi
é o vento da memória 
com os ouvidos
a atravessar
o tempo
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a metade da realidade
adota o seu rebanho 
a outra metade
devora
mas nem tanta informação 
ou tanta rebeldia
a incomodam
só o peso da sua matéria importa
assim tem sido 
desde a criação
a realidade acontece
sem nenhum
credo
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mas tenho medo de ser um fracassado
noite passada alguém me chamou de poeta

mas o que é um poeta?
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