.
"e tenho só este sol
que me queima a língua;
e tenho só esta sede inflamável
misturada ao sangue
.............
estou contaminado de esquinas"
.............
Salgado Maranhão
- "Viajor"
In "Chão de mitos"
.
..............................................................
todo poema
precisa de ponte pronta
para atravessar
nem que seja hífen
- travessão
pra aguentar
o disco-poema
nem tem mais vinil
suficiente
tem que ser
ponte de safena
digital
..............................................................
memória dos dentes
enfeitiçados
na boca
bruxismo
não por feitiçaria
mas por nervosismo
esses buracos
tem a profundidade
das perdas
e o corpo pede
resgate
..............................................................
labirintimidades
que desconheço
só descubro
lambendo
..............................................................
desamor:
tu és um céu que não chove
e eu aqui embaixo
terra seca
esperando
raios
que te carreguem
..............................................................
amor geográfico
ao cabo
de toda boa esperança
vai-se o amor
porque vezes
acontece
amor
curva de rio
ou amor
curva de mar
enrosca
ou incomoda
até chegar
lá
..............................................................
o que você espera de outra pessoa?
cumplicidade e/ou alento
bom sexo nas horas práticas e
bom senso nas horas vagas
..............................................................
o amor
é essa serpente
que a maçã
impossibilitou:
eva
vítima
da culpa do fruto
adão
pobre coitado
de tesão
mordeu
a parte que era a casca
vermelha
do desejo
..............................................................
somos
esses pequenos
rumos
(e átomos)
sem nenhum
atalho
..............................................................
a farpa de madeira
o arame farpado
a planta espinhenta
era a frente da casa
e sempre a cadeira
de plástico na porta
de entrada
aquela coisa kitsch
montava a paisagem
estranha na frente
da casa
de paredes
cor
de
rosa
e chapiscos de pedras
pequenas
que se dê um tombo
ralava o joelho
e das escadas escapou
um triciclo antigo
e essa marca na cabeça
lembrando
a pancada
e algum desarranjo
arrastado até hoje
beirando as escadas
..............................................................
a noite se desdiz
e se estende
e me dissolve
então eu me distraio
interditado
travado com as reticências
das palavras
pontos a observar
numa costura amarga
numa pele frágil
à luz de lâmpada de neon
azul
azul
azul
a linha azul sem rumo
o prumo da pele procurando
o encaixe
quer ficar só
quer fixar só
entre a cama e a parede
e uma sede estranha
de companhia
sem a mínima vontade de
compartilhar
um beijo de cinema
que fosse
é essa coisa da noite
que não é tão ruim
não é não
ela acaba quando amanhece
tem dias que me parecem
exatamente essas noites
que nunca me inspiram
nem deixam saudades
que é retalho de cortina
que não cobre janela
..............................................................
ter todos os poros nas mãos
e não saber porque
contém tanto
sangue
e vinte dedos equilibrados
na corda bamba
dos dias
365 esperanças
e algumas datas de férias
feriados prolongados e domingos
de beira
beirando solidão misturada
com poesia
deixando os dias menos
calados
onde poemas são essas bocas
e linguas das mais distantes
babel dissonante entre aspas
e os meses de trinta
trinta e um dias a mais
para aumentar as contas
na vida contada em minúsculas horas
e esses anos distantes
plantados
no futuro
que a Terra seja fértil
..............................................................
..............................................................
um sabre
para extirpar
esse continente
emocional
que habita
em
mim
..............................................................
dizem 50
mas sou metade ou menos
não me acostumo
a ser um velho em formação
o espírito reclama
com propriedade
porque a curiosidade
essa eterna criança
que mora
dentro/fora
e me agita
com seus muitos olhos
arregalados
não me deixa esquecer
que essa alma
que contém esse corpo
nunca tem calma
porque
nova ou velha
reclama
da vida
que tem
veio/foi/vai
ser
..............................................................
me incomoda
não ver
a dor
a pílula
no pequeno
quarto
de paredes sujas
se dizem sujas
mas mal as vejo
incomoda
a sujeira e dor
que não alcanço
mais ainda
a que não vejo
..............................................................
lâmina e pétala
corta-enfeita
sem o corte
a flor
imóvel
..............................................................
a lama com que me sujo
e safo
pertence a esse mundo
sórdido
que não participo ou lido
mas leio e sinto e me deparo
com telas que insistem
no mal
novela crime violência
que são coisas populares
entram avançam nos lares
como objetos vulgares
de adoração perene
até onde se sabe
isso é a rotina do povo
que além de oprimido
pobre
tem a informação
vestida
com os olhos
da ignorância
..............................................................
a relva
é a renda da manhã
e o orvalho
pra quem se lembra
é o caminho de mesa
do
sol
..............................................................
eu me desconheço
vezes em que não me ouço
sou legenda
de filme
mudo
..............................................................
o poema é a ereção da palavra
..............................................................
a fome está na mesa
ela está no meio de nós
a fome é a sobra do homem
aquele coitado
que nem fala
de tanto sono
porque o sono
espanta
fome
como analgésico
espanta
dor
a fome é a boca do inferno
vazia
só o pecado da carne assando
ou o churrasco grelhado
ou asas paradas de frango
até mesmo salada
resolvem
a fome acaba
muitas vezes na porta
do
céu
num prato
à luz de velas
na última ceia
..............................................................
um bom
dia
atravessado
pela
sombra
.
quinquagésimo quinto mínimo
Há 13 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário