quinta-feira, 2 de outubro de 2014

dos princípios...

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“Levanto-me.
Vou supor-me a resistir. 
Lentamente (sem) fugir”
Eduardo White
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no princípio *

houve luz bastante para o espírito
mover-se livremente à flor do sol
oculto em pleno dia
no princípio
houve silêncio até para escutar-se
o germinar de uma alegria
abraçada ao calor do meio-dia
e havia, no princípio
tão vegetal quietude, tão severa
que se estendia a queda de cada lágrima
das frontes dos heróis de cada dia
havia então mais luz em nossa via
menos intensidade na farsa da agonia
mais êxtase no mito da alegria
agora alado galopando em céus irados
por cima de qualquer muro de crença
por cima de qualquer fosso de sexo
revisitado de longe 
percebo que
o mundo que venci deu-me um amor
amor feito de insulto e pranto e riso
amor que forçou as portas dos infernos
amor que galgou o cume ao paraíso
amor que dorme e treme
que desperta
e torna contra mim
e me devora
minha ruína em cantos de vitória
e depois disso
que faço deste dia
que me acontece
agora?
pegá-lo pela cauda, antes da hora
um vermelho antes de roubar a minha festa
ou colocá-lo em música
em palavra
poesia
ou gravá-lo na pedra
depois da chuva
que o sol lavra?
difícil é guardá-lo em mim
que um dia assim
tremenda noite
jogado na cama
desfeito
escravo desse fato
que me fugiu
por mim 
por minha voz 
poesia 
que vai se envolver
entre aurora
e meio-dia 
um homem e sua hora
e a sua vida toda linguagem
frase perfeita sempre
talvez verso
geralmente sem qualquer adjetivo
coluna sem ornamento
geralmente partida
vida toda linguagem
há entretanto um verbo
um verbo sempre
e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período
talvez verso
talvez interjeição
verso, verso, inverso, inverno
vida toda linguagem
leite jorrado em fonte adolescente
sêmen de homens maduros
verbo, verbo, verso, inverso, inverno
vida toda linguagem
bem o conhecem velhos que repetem
contra as mesmas situações
imagens em espelhos repetidos
que lhes estrelam trajetórias confusas
vida toda linguagem 
                                    como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
                      amar, fazer, destruir
julgar esses nomes
homem, homem e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada
vida toda linguagem
vida sempre perfeita
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem
nos terraços do inverno
                                                              contra a chuva
essa garoa
tenta fazê-la eterna 
como se lhe faltasse
outra, imortal relaxe
à vida que é perfeita
                  língua
                        eterna
beijo
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*baseado em vários poemas de Mário Faustino
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