sexta-feira, 10 de outubro de 2014

do esquerdo...

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"dizia eu comigo: eu vejo o mundo. 
mas o mundo todo era inalcançável pelo meu olhar, 
e eu via apenas partes do mundo. 
e eu chamava tudo o que via de partes do mundo. 
e eu observava as propriedades dessas partes e, 
observando as propriedades dessas partes, eu fazia ciência. 
eu entendia que existem propriedades inteligentes 
nas partes e propriedades não inteligentes nessas mesmas partes. 
eu as separei e dei nome a elas. 
e, dependendo de suas propriedades, 
as partes do mundo eram inteligentes e não inteligentes.
e havia ainda partes que sabiam pensar. 
e essas partes olhavam para as outras partes e para mim. 
e todas as partes eram parecidas umas com as outras, e eu era parecido com elas. 
e com essas partes do mundo eu conversava."
Daniil Kharms
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esquerdo

começarei com algo simples
algo que tenha visto inúmeras vezes
uma árvore por exemplo
por ser algo estático
carros são mais difíceis
sombras em alta velocidade
costumo me ater mais aos ruídos
ou a uma árvore por exemplo
algum lugar no campo que me lembre
a casca
as rachaduras na casca
os nós 
ou como queira chamá-los
coisas menores são mais fáceis de visualizar
um cachorro
um animal pequeno
lugares são mais complicados
é mais fácil se os vi antes de acontecer
a casa em onde eu moro
alguns restaurantes próximos
o shopping próximo à avenida
tenho que usar as lembranças e ter cuidado para não tropeçar
fica um pouco difícil quando é um lugar novo
por isso não me afasto muito quando não conheço
é um processo lento de reconhecimento
como se escaneasse a área pedaço por pedaço
para montar e reconhecer o todo
e começar a associar
mas muitas lembranças não são exatas
e já perdi a conta de quantas vezes quase fui atropelado
não por falta de atenção
e sim pelo excesso de sombras
afinal ninguém pode lembrar de uma cidade inteira
que sofre mudanças o tempo todo
não de todos os detalhes
dizem que minha capacidade de visualizar 
as coisas vai melhorar
que o cérebro vai desinchar e que isso leva tempo
e que posso acelerar o processo
tenho tentado acupuntura
e forço os olhos todos os dias 
num mecanismo de preservação
às vezes pergunto a alguém se eu vi direito
se eu estou indo na direção certa
tenho problemas de localização espacial
e antes de entrar em pânico 
eu paro e pergunto
se aquela rua é nesta ou naquela direção
e antes de sair eu verifico no Google a direção 
e o trajeto a seguir
mas não é tão importante o que é real
enquanto posso visualizar claramente
enquanto isso
eu vivo
em sombras
e lembranças
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amores menores

amar é uma perturbação
e deveria explicar só
o que é possível
a paixão é a farsa
dos corações
menores
dos amores enganados
dos desiludidos
a paixão é um nó
existencial
o amor é o nó desfeito
arrumado em uma
trama
perfeita
paixão é fábula
amor é crônica
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