quarta-feira, 13 de julho de 2016

dos ventos...

.
"de noite
ando de mãos dadas com a ventania
às primeiras luzes do amanhecer
as minhas mãos e a ventania
desaparecem"

Antonio Lizárraga
.
































de tarde era assim
corria 
fugia
fingia
fúria
infinitamente indefinido
de manhã cedo
um estranho
pois havia me esquecido
na chuva da noite anterior
mas lembro das solas dos sapatos
batendo rude contra as poças
o rosto escondido 
numa gola alta
de lã
o rosto era quadrado
labiríntico
a barba falha
fortes os dentes
os óculos redondos
lembro do suor
do cheiro de terra molhada
das nódoas
fumaça e ranço
vasos com flores de plástico 
na beira da estrada
mãos de corrida
atleta, talvez
essas coisas que contecem a qualquer um
quando são pegos de surpresa
beber desse momento
a única prova que resistiria
ao tempo
senão seria faca
caco
frasco
o que não é frágil
o que não é fútil
não meu amigo
o entardecer foi assim
difícil e frágil
casco
estrábico
sol 
asco
maço
sem
cigarro
fiquei sem fogo
fraco
em um pôr
de
sol/
idão
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um céu
só para os ausentes
e uma mínima noite
que de cada objeto parte
um objeto do tempo
pendurado
num momento
da ideia
de
um 
lugar
fora
das ideias
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respeito a palavra
recito o silêncio
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"A pátria da criação está situada no futuro, 
é de lá que procede o vento
que nos mandam os deuses do verbo."

Vielimir Khliébnikov

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poesia
para escrever
e acalmar
o
tempo
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o pensamento é leve
o peso
a ele
é o
que
se
deve
pesável
pensavel
uma mosca
pesa
até 
na China
depende
pra onde
o pensamento
se inclina
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texturas 
para
um
poeta
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a página 
se contorce
quando

poema
sofre
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poesia
é
um
reflexo
infinito
entre
aspas
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deslampagar
para
ver
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raios de fato
hato
falo
raro
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I
se você escreve
romances
corre o risco
de ficar rico
se você escreve
poesia 
corre o risco
de ficar
nu

II
a poesia 
é o nu
em pelo
o apelo
da palavra
quando
falta
algum
corpo

III
só é 
enfraquecido
o corpo 
isolado
um corpo
espalhado 
ganha vida
mesmo
ilhado
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"O amor saiu completamente de moda. 
Os poetas o mataram. 
Escreveram tanto a respeito dele, 
que ninguém mais acredita em suas palavras 
– o que não me surpreende. 
O amor verdadeiro sofre e cala."

Oscar Wilde
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hoje acordei Bukowski:
engarrafado 
hoje acordei Pessoa:
cheio de gentes
por dentro 
hoje acordei Drummond:
ensimesmado
com
as coisas 
do mundo
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"Não há mais sublime sedução 
do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, 
os objectos em sua função, 
sejam eles
A boca, os olhos, 
ou os lábios. 
Treinar-se a respirar
Florescentemente. 
Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas 
com um suspiro próprio. 
Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. 
Pegar então num
Objecto contundente 
e amaciá-lo com a cor. 
Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. 
Conter. 
Arrancar ao meu sexo 
de ler a palavra
Que te quer. 
Soprá-la para dentro de ti 
- até que a dor alegre recomece."

Maria Gabriela Llansol
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não criar
expectativas
é uma forma
de se defender
de um final
feliz
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posso variar
do belo 
ao sádico:
sou 
prático
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quando jovem
só gostava
de poesia
pelas bordas
agora
devora 
todas
devota
todas
ao
incêndio 
das
palavras
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a lua
na verdade
não entende nada de
romances
só acontece refletir
o sol talvez sim
porque
brilha
sem
mentir
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status

uma flor
morre fóssil 
dentro de um livro
marcando uma página 
com um poema
histérico
essa lembrança 
foi encontrada 
num dia frio
onde as coisas
desaconteceram
o cheiro da flor
era acre
como o lugar
do
fim
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esterilidade
cauteriza e coagula
nestas vírgulas
um impossível 
poema
nada fecunda a palavra
imóvel 
acontecem
fusões 
orgasmos
disparates 
mas o feto
palavra
aborta
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claro
eu
não 
poesia
eu sim
palavra
eu não 
faço sentido
algum
eu sim
desfaço 
separadamente 
os fiapos
da minha lucidez
encontro nas linhas
total insanidade:
está feito
o poema!
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pela boca
sou alvo do meu corpo
nu
um fim de estômago 
um c*
de malhas 
de farpas 
de nervos 
alvo de tudo
que me arrebate
do meu repertório 
de ataques
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bloqueio sentimental
teias de aranha
uma lagartixa morta
chinelo jogado
de qualquer jeito
no chão 
espaços borrados
martelos e pesos
fluidos
de nada
portas fechadas 
a sete vezes sete chaves
a espinha dorsal reta
os olhos mentem
da superfície 
ver o fundo
fácil 
mas as pessoas
rasas
não 
mergulham

eu
escafandro
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enfim
um dia alguém morreu
nos meus poemas 
doce
diluído
como quem decifra um mistério
engraçado 
porque
agora ainda há pouco 
estava vivo!
mas será que foi
sério?
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"No princípio quando o mundo era novo 
havia um grande número de pensamentos, 
mas não aquilo que se chama uma verdade. 
O homem fez ele próprio as verdades 
e cada verdade era um composto 
de um grande número de pensamentos vagos. 
As verdades estavam por todo o mundo e todas elas eram bonitas.
O velho tinha enumerado centenas de verdades no seu livro. 
Não vou tentar contá-las todas. 
Havia a verdade da virgindade e a verdade da paixão, 
a verdade da riqueza e da pobreza, da frugalidade e da prodigalidade, 
da atenção e do abandono. 
Eram centenas e centenas, as verdades, e todas elas eram bonitas.
E então vieram as pessoas. 
Cada uma delas assim que aparecia agarrava uma das verdades 
e algumas que eram mais fortes apoderavam-se de uma dúzia delas.
Foram as verdades que tornaram as pessoas grotescas. 
O velho tinha uma teoria bastante elaborada a tal propósito. 
Era ideia dele que no momento em que uma pessoa 
tomava uma das verdades para si própria, 
chamando-lhe a sua verdade, e se esforçava por conduzir 
a sua vida de acordo com essa verdade, 
a pessoa tornava-se grotesca 
e a verdade que abraçava tornava-se numa mentira."

- Sherwood Anderson, em "Winesburg, Ohio". [tradução José Lima; 
posfácio de John Updike]. Lisboa: Ahab Edições, 2011, p. 23-24.
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ainda tenho dúvidas
sobre se realmente arde
em mim a chama do espírito 
e sonho com o dia 
em que uma nova 
e doce corrente de força 
chegue até mim 
e minha alma 
como um vendaval
e meu corpo trema
ante o outro
manifestado
em fogo
sou frágil 
na verdade
e isto nunca me acontecerá 
na realidade
reflito desalentadamente
e então um sorriso lento
tenta me trazer certa
calmaria
na vontade
acho que desempenho 
apenas
pacientemente
as minhas funções
ao menos
filosoficamente
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"A transição para a condição de adulto 
ocorre quando pensamos pela primeira vez no passado."

- Sherwood Anderson, em "Winesburg, Ohio". [tradução José Lima; 
posfácio de John Updike]. Lisboa: Ahab Edições, 2011.
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pequeno stress diário

amigos sem segredos 
amigos com segredos
conflitos
e curiosidades
onde estão os anjos
agora?
queria todos por aqui
para reclamar
(se é que existem)
da falta de pudor
a que se permitem
deixar acontecer
tais barbaridades 
tanto aos amigos
que falam
tanto aos amigos
e seus 
delicados
silêncios
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palavra é bicho solto 
que não quero domesticar
mas
quem sabe
chegar perto o bastante 
para deixá-la
numa liberdade 
tão grande
para poder 
contar histórias 
para todo
mundo
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a vida é sempre quase
a vida é sempre quando
um entretanto 
entre cada ato
a vida é um fato
imediato 
um medo
ou coragem
tem gente que aguenta
o tranco
de nunca encontrar
ou se demorar muito
a vida é sempre quase
quando
não 
se
age
ou
quando não se encontra
a vida
não vem
pronta
nem vem ao caso:
fazer nossa parte 
nesse mundo 
não vale nada
tudo o que se deve
fazer
é arte
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eu não sei o que vim fazer 
no mundo
sozinho
vendo tanta gente pelas ruas
acontecendo 
enquanto 
muitas outras coisas
acontecem 
eu não sei o que vim fazer 
no mundo
esperando 
enquanto espero
as coisas acontecem
por mim
eu não sei o que vim fazer
eu sei o que não fazer
do mundo 
enquanto as pessoas
não aparecem
e nada acontece
eu não sei o que vim fazer
eu sei o que posso fazer 
sozinho
eu só aconteço
escrevendo
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mas a poesia em mim 
é uma coisa imensa
que não cabe numa teoria
numa linha
num dogma 
nem mesmo no desespero inteiro 
de eu 
poeta
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