quinta-feira, 7 de julho de 2016

das apresentações...

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"tudo está sempre em estado de coincidência, 
incidindo ao mesmo tempo. 
para que se torne uma espécie de milagre, 
basta que alguém as reúna numa história. 
as coincidências são o amor de alguém por uma narração."

Noemi Jaffe
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in blood - Julio Carvalho
























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um poema é simples quando é verdade
quando a palavra atravessa algum órgão vital
assim como a palavra invade a tela
e escrevo
esta mão não é minha
em pensamento
uma árvore esconde o sol
ou nuvem
minha mãe morreu entre os destroços de
uma doença
incurável
o maior desespero do mundo
é a esperança
pessoas querem amar mas não sabem cultivar flores
tento a todo custo 
cultivar flores e pessoas
então eu leio
e escrevo poemas
para destrancar o meu íntimo
e me atrapalho quando encontro as pedras
e todas as palavras
todas
estão agora num coração fechado
destranco a porta
espero
que em cada dia
um pensamento
venha a ser
descoberto
sabendo
e que toda
esperança 
e recomeço 
é resistência
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"As minhas coisas são muito diretas e muito francas. 
eu nunca tomei nota de nada, mais vivi intensamente. 
E essas coisas que vivi, que eu conto, 
não precisavam ter sido anotadas 
porque me marcaram profundamente. 
E quando começo a escrever 
me desligo do presente e volto a dar gargalhadas. 
Eu chego a ver as cores, um detalhe assim que havia descoberto. 
Tudo volta."

- Zélia Gattai, em "As Memórias tchecas de Zélia Gattai". 
[entrevista concedida a Albenísio Fonseca]. in: blog de albenisio, 19.5.2008.
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mas há algo que me preocupa: 
os homens já não têm tempo
de ter tempo
nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje
e é preciso ter tempo para buscar tempo
mesmo na poesia se requer
tempo
esperar a palavra 
até aquela que surge do nada
e realizar
o poema
e outra coisa
não há que ter medo do silêncio:
o medo dos homens 
ao silêncio me dá medo
todo silêncio ensina o essencial 
a não ser que sejam silêncios 
despertos
daqueles escritos
daqueles poéticos 
mas que só vem depois de um tempo
um silêncio atrás do outro
é que compõem a poesia 
mas é muito mais importante cometer erros 
do que tentar entender tudo
mesmo que seja 
desde o início e de uma vez só
é dramático ter claro 
no início da construção 
poética 
o que você tem que fazer 
e o que não
o erro 
é o ponto de partida 
da criação
se temos medo de cometer erros
com as palavras
nunca podemos assumir os grandes desafios
os riscos
construir grandes poemas
aí então as palavras se tornam
um vão 
um vácuo de indiferença 
que nunca vai fazer sentido
e o sentido da poesia
é fazer sentir
e que o erro retornará? 
é possível
é possível
sempre existem alguns sinais
mas ser poeta hoje em dia 
não é fácil
nem ser pessoa
nem ser único 
a dignidade humana 
consiste em ter segredos 
é o segredo que nos torna fortes
quando li Antígona
entendi
quando ela disse:
“posso estar errada
mas continuo sendo eu”
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eu tenho uma saúde
incerta
mas entendo bem 
como ela funciona
estou no difícil controle 
da vida sobre a vida
as coisas internas
me preenchem
às vezes com medo
outras vezes 
esperança 
outras vezes 
desespero
outras vezes
sorte
a poesia me ajuda 
a concentrar
a me renovar
e carregar 
dentro de mim
muitas palavras
toda minha salvação 
carrego 
dentro de mim 
muita poesia 
como dizer
as outras vidas 
da minha vida
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no ombro do poeta
a palavra deposita 
para sempre 
uma ave 
uma flor
uma luz inesperada 
ele não faz de pedra 
nossas casas
faz de asas
no coração da
gente sofrida
fez aterrissar uma tarde 
uma nave estelar
e linda
como ainda há de ser a vida
com seu traço futuro 
sem medo
a poesia nos ensina que o sonho é popular
nos ensina a sonhar
mesmo se lidamos 
com a matéria dura
o ferro o cimento a fome
da humana arquitetura
nos ensina a viver
no que ele transfigura
no açúcar da pedra
colhendo esperança 
no açúcar da pedra
no sonho do novo
na argila da aurora
na pluma da neve
na alvura do ovo
o poeta nos ensina
que a beleza é leve
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o meu cerne 
são 
as palavras
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algumas vezes
o silêncio 
pode nos salvar 
de algumas emoções 
inconstantes
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coxia

para Ricardo Monastero

amigo

cheguei em casa e fui fumar um cigarro
lá fora
no quintal
não é um hábito muito saudável 
eu sei
diriam os politicamente corretos
que faz mal e etc
mas é onde eu penso melhor
sobre as coisas
e em cada tragada me sinto menos sozinho
e os pensamentos
inclusive a poesia
me acontecem entre os espaços
entre os brancos
da fumaça
como se preenchesse o tempo vazio
entre esses brancos
com poesia
e depois do que eu vi
eu chorei
chorar em segredo é melhor
porque certas emoções
não são dignas
de serem colocadas pra fora
de qualquer maneira
em qualquer lugar
(aqui fora venta um pouco)
e também tem o fogo do isqueiro
que me faz lembrar do que eu disse
sobre explosões
e as coisas que incendeiam
porque eu sou feito de tantos incêndios
que me perco dentro deles
e me vieram ideias
dentro dos sonhos
tanto
os realizados 
quanto os abandonados
e os acontecimentos e as relações
que existem 
e da forma como as coisas
acontecem
e nos motivos
porque 
de forma distraída
conhecemos as pessoas
incen
diariamente
acredito em incêndios
e em silêncios
e nos sonhos que nos socorrem
e nos sonhos que aproximam as pessoas
aqui dentro do quarto 
desliguei o ventilador
mas continuo ouvindo
o barulho da vizinhança e de gente falando lá fora
mas a ideia dos sons que senti
(porque pouco vejo)
me fizeram entender um pouco mais 
sobre o abandono
dessas pessoas
dos personagens
que
estranhamente me açoitaram
um punhal sem dó
me atravessou
insolentemente
eu tremi pelo que assisti
eu temi pelo que assisti
pelos meus abandonos 
e pelos outros abandonos 
dos sonhos
de outros
eu tento entender porque
as coisas
de tão reais e duras
nos fazem abandonar certas outras coisas
como uma moléstia contagiosa
a frieza do mundo
rouba
tenta
mata
quase o tempo todo
todos os sonhos
você se salva
pelo palco
eu 
pela poesia
eu vi do lado de fora o seu sonho vivo
vindo
você está lendo o meu sonho
pelo lado de dentro
vivo
e a verdade é que
nunca escrevi nada 
nunca assim
para ninguém
só consigo dividir as coisas com os outros
que tem os sonhos na mesma altura dos meus
mesmo que doam
mesmo que se doem
dói muito mais não dividir sonhos
na sua história eu vi 
outra vez
como eu vejo quase todos os dias
como os sonhos mais inocentes
podem ser destruídos
ou pela selvageria humana
ou pela falta de cuidado
ou medo
ou as estranhezas
que as pessoas trazem 
por dentro
escrevo aqui dentro do meu quarto
escuro
porque não enxergo muito bem
mas o fato de não ver muito bem
me dá o direito de sentir muito mais
eu absorvi a inocência e a dor de cada personagem
eu absorvo
e revido contra a crueldade
que neste caso
com delicadeza
até o mais cruel dos atos
pode ser uma forma de amor
ou amizade
tem coisas que querem 
transformar o impensável
num ato de crueldade
e as pessoas mais sensatas
ou mais sensíveis
conseguem escapar delas
é um ato humano reverso 
ao da dor
possuir a arte
e se salvar
através dela

obrigado pelo presente
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talvez eu seja um engano
talvez eu não seja 
tão bom com as palavras
talvez a poesia apenas me suporte
algumas vezes
não as tenho nas mãos
me escorrem
mas todo afeto sincero me salva 
toda arte é um presente compartilhado
agora durmo 
para desfrutar dos sonhos
meus
e de tantos
outros

Julio Carvalho e Ricardo Monastero
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nome
texto
digito
em 
primeiro
plano
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imagem gerada pelo facebook















‪#‎palavrasconcretas‬

hoje
penso
que tudo
e toda
coisa
é feita de restos
e de silêncio 
alguém 
que se entrega
na medida 
da solidão 
da tristeza
e da morte
nenhum mundo
tem um outro deus
e nem sempre
existe tempo
para o coração 
quero um incêndio 
onde deveria ter o medo 
outras vezes
agora
algumas coisas do corpo
ainda gosto 
e no centro de tudo
qualquer música 
enquanto 
danço 
transformar a pele
no encontro da solidão 
com a poesia 
quando algo
pouco pode
entender 
o silêncio 
na sua medida 
as coisas ainda
a vida transforma
em outras 
horas
agora 
assim
a solidão 
e a morte
carregam
a palavra 
em medida 
alguma
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olhos
poesia
amor
são estes
meus maiores
desejos
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não sei
para Fernando Figueiredo

não sei quem eu sou 
não sei
não sei
não sei
eu sei quem eu sou
eu sei
eu sei
eu sei
eu sei onde estou 
não sei como estou
não sei
não sei
não sei
eu sou o sal 
eu fui o sol 
eu sei quem eu sal
da lágrima 
etc
e tal
não sei se restou 
não sei
não sei
não sei
o peso dos outros 
no meu pescoço
seduzido pelo brilho
louco por tudo
e muito
nada simples
nada pouco
olhos de paixão 
pedaços de couro
vivo
em carne 
e poço 
brilhos para todos os lados
não paro de pensar nas luzes
já faz uns dez anos
ou mais
ou mais
muito mais 
dançando 
dançando 
dançando 
fumaça nos olhos
gelo
e
seco
adoro DJs
adoro DJs
adoro
adoro
adoro
vou para a música 
danço
danço
danço
toda
minha loucura 
tem trilha sonora
minha casa é aberta
música 
janela
janela
janela
terraço 
do alto
visual
escafandro
escapando
danço
danço
danço
tatuagens para todos
champanhe, vodka e couro
cortes, luzes, fumaça, espelhos
danço
danço
danço
a noite é sempre a primeira
caída por mim
no lago do peito
secreta solidão
eu vejo lugares
pessoas que freqüentei
cenas que vi
80
90
2000
músicas que já ouvi
filmes que já filmei
apareça qualquer hora agora
é tudo memória 
no meu coração
eu sei quem não sou
eu sei quem eu sou
eu sou o som 
eu sou o sal 
de cada música 
Jamaica, Nova York
Londres, Pequin
Paris, Tókio, Antuérpia
Viena, Benicassin
Bogotá, Cidade do Cabo
Perú, Bagdá, Berlin
é logo ali
apareça qualquer hora agora
e toque no meu coração
eu sei quem eu sou
eu sei quem não sou
basta haver música 
em 
mim
que
eu sei
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deixa eu pensar
feito eu
feito ácido 
acetilsalicílico
serpenteando
dissolvendo
pelo corpo
coágulos
de medo
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a mim

você precisa parar de cair 
assim 
por tudo
tanto 
descubra seu corpo 
fale com seus deuses 
acredite 
desvie seus olhos 
não leve todas as bocas a sério 
pare de machucar seus joelhos
tanto
fale com seu corpo 
descubra seus deuses
você tem que parar de cair 
do alto de qualquer 
encanto
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