"A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, o baralho e o tabuleiro,
Um livro e entre suas folhas a esvaecida
violeta, monumento de uma tarde
Memorável, decerto, e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais e atlas, taças, cravos,
Servem-nos como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Nós já esquecidos, e durarão mais;
Sem nem saber que partimos, jamais."
As Coisas - Jorge Luis Borges
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Foto de Cláudio Cirino |
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tocar
o inverso
é refazer
o
poema
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metade de mim
é o que você
está vendo
a outra metade
vou ficar
te devendo
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"Contento-me em ser uma pessoa não resolvida,
porque acho que das minhas imperfeições,
ainda sairão coisas interessantes"
Hector Babenco
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nenhum astrônomo
sabe realmente
o que acontece
pelas noites
insistem em descobrir
mas só os que entendem
de carícias
sabem o que os espera
suas peles
tem a destreza de penetrar
noite adentro
entrar nos sonhos
e produzir galáxias
entre os cabelos
e as mãos
entrelaçadas
de uma tal forma
que nada se limita
só aos olhos
evitando as catástrofes
dos sonhos
astrônomos
insistem em saber
o que é noite
entre as caricias
dos enamorados
que a esperam
junto a um auto retrato da lua
côncava
enquanto
entre os corpos
nenhum sussuro
capta essa luz
como as sombras
que estampam
um poema
diriam os astrônomos
incautos:
- ora direi verei estrelas
mas não captam
a intensidade
desses vestígios
de prazer
e mistério
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delírio
é quando
num pequeno
quarto
você se encontra
despido
e imagina
a vida
como se ela fosse
breve
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aldeia
sinta-se em casa
ninguém te espera
só algumas casas
e uma noite
de estrelas
cadentes
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amantes não se partem
se fazem
amantes
não ficam
amantes são pedaços
de almas
que acontecem gêmeas
num curto espaço
de tempo
amantes não se fazem
acontecem sozinhos
em lugares fechados
amantes deliram
entre o amor
e o instante
amantes só ficam
num momento breve
nus
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outra vez
em minha casa
de portas fechadas
uma parte clara desse
inverno
ele mesmo
me esperando
e eu dando as costas
como se nada conhecesse
como esse meu ritmo
quebrado
pelas palavras
de todos
quebrado
vejo bem pouco
com o frio nos olhos
como quem olha e alcança
quebrado
uma margem inesperada
com plantas altas que atiram
sementes altas
amarelas altas
em altas dunas
caem suavemente
em uma praia
deserta
qualquer
como um sussuro
que brota
trocado
entre
dois
amantes
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"falsos presidentes
falsos profetas
falsos gurus
falsos reis
verdadeiro é o não"
Leonardo Chioda
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rachado
não
é
roubado
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uma flor não é a flor
não é uma flor qualquer
azul?
pode ser
para combinar com o azul de qualquer mar
ou do céu
para ser livre como todos os ideais de vida
sem criar raízes
flores azuis com asas
livre como não sou
livre como não sei o que é ser livre
mas imagino
tento
tanto
uma flor qualquer
azul
livre
com asas
ser
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a ver navios
o amor é um relógio
com olhos de ouro
os ponteiros
sempre atrasados
corações são excitáveis demais
faz frio aqui
aprendo a paz dos relógios
deitado aqui sozinho
em silêncio
enquanto a luz se espalha
nessas paredes brancas
nesta cama
nestas mãos
o relógio ecoa
seus minutos e segundos
calados
não tenho nada a ver com as explosões
mas aguento
as minhas
principalmente
a falta de paciência
dos meus ponteiros
dei meu nome
à várias coisas
roupas, figuras
paredes e conceitos
minha história ao
Tempo e meu corpo
aos dias seguidos
de espera
minha cabeça apoiada
entre o travesseiro
e o frio escondido
lá fora
cubro um olho
e o relógio me olha
melhor que eu mesmo
mas as pálpebras continuam
abertas
os olhos dourados do tempo
teimam em engolir as horas
as pessoas não se cansam
de fazer barulho lá fora
eu faço dos olhos meu silêncio
ignoro
passam como ponteiros
só marcando seus ritmos
com seus passos
relógios humanos
fazendo coisas com as mãos
uma igual a outra
ponteiros brancos
em movimento
as mãos marcam as horas
por isso é impossível dizer
quantas mãos são
quantos ponteiros passam
por essas mãos invisíveis?
faço do meu repouso
pedra
como peixe cuidando da água
silenciosamente
nado
alisando o Tempo com carinho
me acalmo meditando
perdido em mim
ligeiramente cansado
dessa bagagem toda
viajar pelo tempo
exige cuidado
os ponteiros tem pontas
lembrem-se
como um estojo de mãos atadas
meus olhos fisgam minha pele
um olho escorre sozinho
lágrima de Tempo
deixei coisas escaparem
navios perdidos em alto mar
teimosamente se desprendendo
dos lugares
não interessa ao Tempo
a terra firme
nem
meu nome e endereço
o Tempo lava
minhas associações amorosas
enquanto
calmo e espirrando as horas
me aqueço sob o cobertor
o frio é a causa
vejo meus livros
o armário e as roupas penduradas
atrás da porta
os navios continuam lá
o Tempo submerge e some
e volta até cobrir minha cabeça
não me absolvo
nunca fui muito de purezas
os olhos me dizem isso
os ponteiros do Tempo
me atravessaram
por isso vejo menos
essa quantidade de barcos
e mãos
a maioria completamente
vazias
e eu querendo abraços
para ter tanta liberdade
sem ter nem ideia
desse Tempo imenso que entorpece
pessoas, mãos, relógios
e signos
a luz azul ao fundo
me lembra
o mar
coisas que me ocupam
muito sutis
embora sinta seus pesos
me distraio
entre o olho do relógio
e o fluido azul da luz
brincar e descansar
com frio e os espirros
que agora cessam
meu nariz eclode respirando mal
o Tempo me deu um tempo
só as mãos lá fora
continuam
eu aqui
parado
como um país distante
sem
nome
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eles são possíveis |
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meu coração
errei
(é
rei)
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estamos aquí
e não estamos
existe algo nas
gentes
que sempre está
em outro lugar
entre o antes e o depois
viver
é estar em ambas
as partes
buscando
às cegas
o lugar onde não estamos
quando estas partes
se encontram
a surpresa nos encontra
golpeando as portas
de um enigma
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"el río quieto.
un barco navegando
sobre mis sueños"
Lia Miersch
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explicadas
tais
asas.
não o anjo em mim
mas o voar
em
si
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são muitas
as
coisas
que se apressam
ou se expressam
num ponto
final
.
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