"a minha poesia sou eu
... não, Poesia:
não te escondas nas grutas de meu ser,
não fujas à Vida.
quebra as grades invisíveis da minha prisão,
abre de par em par as portas do meu ser
— sai...
sai para a luta (a vida é luta)
os homens lá fora chamam por ti,
e tu, Poesia és também um Homem.
ama as Poesias de todo o Mundo,
— ama os Homens
solta teus poemas para todas as raças,
para todas as coisas.
confunde-te comigo...
vai, Poesia:
toma os meus braços para abraçares o Mundo,
dá-me os teus braços para que abrace a Vida.
a minha Poesia sou eu."
- Amílcar Cabral, em "revista Seara Nova". 1946.
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Foto de Natalia Barros in #movimenta2 |
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dieta
no meio da noite
leite quente
sanduíche
frio
e uma
fome
de
tudo
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"no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra"
estranhos aos meus olhos
ser apenas uma pedra
no meio do caminho
no caminho doloroso das coisas
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escrevo um poema
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outra vez a lenda das ruas
o ar débil perturbava
os segredos
os desafios
os medos
os sentidos
nasce primeiro
a forma suprema
da inocência
segundo
veio a felicidade de contar
a vontade de algum desejo
todas as luzes iluminavam a
sombra dos músculos
as mãos querem salvar o amor
em ruínas
breve sede masculina
os beijos em lábios de transição
desenham um grafite
em uma rua silenciosa
o exercício da eternidade
atropela as paredes
nos caminhos
interrompidos
todo grafite é um poema II
que silêncio requintado
desenhado à mão livre
em absoluta linha de tinta
teria convergido
para a noite ?
ou estaria tornando-se
impróprio
para a absorção visual
do dia?
de entre
as linhas de tinta
ressentia-se
a matéria
infinita
enorme instante iluminado
o homem
terminou o desenho
na segunda noite
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para Nanete
cantam os poemas que dormem
com a brisa da rua
falam tão bem das espadas que dissecam a noite
e tão felizmente versificados
os meus versos são línguas do ar
estendem-se no meio da cidade
vigiam os acontecimentos
os meus versos são esses tapetes
de flores de outono
pintadas com a luz da manhã
são
janelas do campo que crescem
em meus olhos
e na minha língua ansiosa são o lugar
onde agarro as palavras
nesses dias de cansaço do ar
vem sugar os dias do homem
atirando um incêndio ao ar
os meus versos são línguas do ar
sobre esses tapetes
levados
pelo
vento
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chegando
sempre
durante a noite
são cidades com pessoas
semeiam flores junto ao cimento
efêmero
e são cidades
com pessoas sempre vindo
tudo se despede da chama
aproximam-se
os meus
edifícios
da árvore do aço
e os homens calçam sapatos
e as cadeiras dos bares
se afastam
e os meus edifícios de ferro
trazem mais edifícios
e mais pessoas
eu vi um sonho em meus edifícios
não vi pessoas
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posso reanimar palavras
extintas
mas não os corpos
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olhar de novo para o sol?
correr o perigo de ferir os olhos
a mão que tateia ao relevo do tempo
canta com as luzes que dançam
da música as sílabas fazem
imenso poema não anunciado
na noite de ontem no centro
com medo
das pessoas entre dois carros
estava um verde incêndio
em pleno farol
anunciando a grande avenida
onde as pessoas procuravam
saber se não seria útil
manter o olhar para a luz
estática
era a festa
que se transformava
em pressa
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é a promessa do poema
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o sentido do regresso
é a alma do barco
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entretanto
quando diz meu nomea palavra
do meu banal apelido
ao meu ouvido
o sussurrante som de cada sílaba
na pauta dos seus lábios
ultrapassa uma sinfonia
um universo imenso
de milhares eus
entretanto
a minha língua inativa
limitava-se
a brilhar entre
suas palavras
o beijo
já vinha
pronto
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não quero
nem flor nascida
no mato do desespero
nem rio correndo
para o mar do desespero
nem comida temperada
no fogo vivo do desespero
nem mesmo poesia forjada
na dor rubra do desespero
nem nada!
só a vontade de um uivo
agudo
na lua cheia da minha terra
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dou-me de graça por conta disso
mas se é para me vender
vendo-me
mas vendo-me muito caro"
José Craveirinha
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a solidão
tem até nome
já uma pessoa
onde
existe um eu
prático
um outro eu
dramático
e um meu outro eu
que chora tudo
pelos três
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o fogo
queimando
no meio da praça
parece um
pedaço de guerra
a lua
o suor amadurecendo os ruas
as pessoas
se aquecendo
se esquecendo
no isolamento
da face
um
colar aquoso
se desfia
o fogo apaga
quando
eu
voltar
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sei
aqui
que depois
descobri
que a pele transpira
até uma lâmpada acende
e que no inverno
dos mortos
os meus dentes batem de frio
obviamente então
a metamorfose dos mundos
tem de
acontecer
a clareza dos vivos
é não perceberem
a velocidade
quando uma lâmpada
se
apaga
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aqueles raros dias
de colheita de amor
o tédio recomeçou
e começa a tomar conta
de várias lembranças
e eu
como um semeador
separo pensamentos
como antigamentes
se separava
o feijão na peneira
a falta
as vontades
as verdades secretas
e as absolutas
separar
cuidadosamente
na memória
o que me incomoda
na realidade
é uma forma
de fazer as dores
ficarem longe
dos
bons
pensamentos
protegendo
o corpo
como se
fosse
uma interna
luta
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sobre a cidade
e uma saudade cresce
no nome das coisas
e de hora em hora
de minuto a minuto
cresce
cresce devagarinho
a semente na rua escura
e a vida
na próxima esquina
curva-se
mais à surpresa
de algum
possível
encontro
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vem de alguém
como o longínquo
hábito das estrelas
que nos seus luminares
já não existem
mas continuam puras
enquanto
espero
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um só olho
esquerdo
ou apenas
a intolerável
dor
de um
ardente fio de névoa
descendo pelo meu
rosto?
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ao ridículo de não escrevê-los."
Wislawa Szymborska
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de quando jovem
cafezais
montanhas e montanhas
de terra vermelha
do barro molhado
de antigamente
há o sabor amargo
sem açúcar
como foi
minha infância
era pouco doce
mas haviam cheiros
o limoeiro do quintal
as redes e o muro alto
o barranco com um balanço
que eu me perdia de vista
no horizonte
atrás do muro
que era atravessado
pelas alturas
misturo-me
com o ar e as terras antigas
e o vermelho-chão
do café que pisei
secando ao sol
e de memórias antigas
e boas
pouquíssimas
bem poucas
da dureza das faltas
que até hoje
doem no peito
e desse pouco estar
em alguns lugares felizes
esfumaçados
pelo cinza da torrefação
e pelo cheiro
de café
que invadia o meu
quarto
pelas
manhãs
o meu corpo se recorda
ainda atravessado
e um pouco
triste
mas
hoje o café é preto
e doce
nunca mais amargo
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fico deitado
em nada
e o nada comparece
do nada
de repente
do nada uma palavra
que se aperta
entre as têmporas
e insiste
o nada existe
para ser preenchido
eu me irrito
arranco o nada
dentre os olhos
- vem aqui palavra
deixa de ser solta no nada!
mesmo com pouco
o nada extraído
com todas as forças
das têmporas
entre os olhos
eu uso
retribuo
e misturo
repentindo
até o nada
ser alguma coisa
um ser vivo
com pernas
para ter significado
porque o nada
amarrado
incomoda
então para o incômodo
do nada
cirurgia
com
poesia
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eu sinto qualquer coisa que fere
que tortura e machuca
coisa estranha
- talvez seja ilusão
coisa estranha
que tenho não sei onde
que faz sangrar meu corpo
que faz sangrar também
outros corpos
sem
querer
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um tanto de nada
algum além
e busco incessantemente
algum encontro
mas os fios das nuvens
que passam
palavrões exilados
leve-os para longe
não quero esses seres
leve-os para longe
muito mais longe
quero ir num abraço
para onde
não sei
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palavras velhas
inventarei as minhas
e serei um pedaço de palavra"
João Maimona
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é para
apressados
e
desconhecidos
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da criatividade
é o bom senso..."
Pablo Picasso
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"vai pela sombra"
porque nunca dizem
"vai pelo sol"?
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e costura
sem palavras
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em sonhos
todos somos saturados
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dias de nuvens
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é seu caso
de tudo
há casos
e acasos
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