"entre estes meus amigos através
de cujos corações arde o horizonte e a ponte
da qual o seu sorriso era um dos arcos
abriram-se saudades."
Julio Carvalho - Adaptado de Luis Miguel Nava
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o eu é onírico
o outro
é químico
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cobras se acomodam
águias esperam a hora de atacar
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ergo esse respingo de vinho
à vossa saúde
ergo essa parte de vosso corpo
e bebo-lhe a lágrima
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memorial da entrega
pontos entre pontes
de exclamação
quem tem um caminho reto
não se mete em atalhos
(exceto eu)
de teimoso tenho a vida
repleta de descaminhos
e poesia
e lágrimas
e todos os meus silêncios
são catalogados
como abusos
e dobras de pele
que com o passar dos anos
começaram a habitar
meus espelhos
e desordenadamente
vivo
amparando
reflexos
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de tanto ficar sozinho
dispensou as palavras
- agora orquestra
o silêncio
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mantenha a luz própria
mesmo que a
eletri
cidade
seja
estática
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no desprezo
a palavra mais
comentada
é o silêncio
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mudar o endereço de gente é fácil
mudar o jeito de gente não
dar livramento de corpo
e limpeza de alma
é coisa muito impossível
a não ser que se mude o chão
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o amor é cego
e tem vezes
que não me vê
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lá na porta de casa
o amor é mudo
nada entende
aqueles portões
de ferro
nem um grito
por isso
é feito
silêncio
só responde
forjado
a fogo
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para ter sentimento
é preciso ter estômago e engolir pregos
correr o risco
de desentender
todos os gostos
e do amargo
aprender
a tirar
espinhos
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uma dor é uma pura pergunta
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fazer um dicionário de poesia
para pessoas que dizem absurdos
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já reparou que nenhum som é tão forte
quanto um relógio no escuro?
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a vida é uma sucessão
de enterrar e desenterrar
coisas
como um infinito
que existe na água
corrente
e sua necessidade
de encontrar
o tamanho adequado
a cada tipo
de solidão
enterrar à lápis
desenterrar
com uma tinta
possível
de se escrever
sobre o branco do dia
com a ponta negra
da noite
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queria um coração
com seguro
contra incêndios
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quero o amor como consequência
e que seja visto antes mesmo
de chegar
bem perto
quero amor como sementes
como nuvens
cada temporal
como um pequeno ensaio
do fim do mundo
quero amor como um sentimento
que engole todos os outros
quero o amor como a primeira pele
e a segunda
como alma
inaugurada
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a verdade me serve
até a hora
que vou ao banheiro
- e não tem volta
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as rugas
são as cicatrizes aparentes
nos espelhos
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o amor é cego
e tem vezes
que não me vê
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tem o olho maior que a barriga
e às vezes vomita ilusões
e sonhos de toda uma vida
a base de olhares
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antes que seja tarde
olhar-se
bem de perto
até que as veias
respondam ao sangue
e o corpo volte
à vida
responder à vida
ainda que ela não seja
uma
eternidade
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o amor
vive suspenso por um fio
a solidão
por um hiato
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o rosto
é o espelho do corpo
a alma não tem outro reflexo
e quando o corpo decai
reflete
displicentemente
na cara
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retratos falhados
de rostos cansados
e pedras
pensadas em si
como primeira obrigação
de todo dia:
ressuscitar
a noite adquiriu um hábito
de deixar os óculos
debaixo do ventilador
esperando
o vento limpar
o olhar na manhã seguinte
e sempre
salta por cima dos medos
sem atravessá-los
- só medos impossíveis são
agarrados à unha e dentes
entrega os minutos enterrados
nas pálpebras do tempo
talvez esperando que um dia
deem frutos
fez do coração um mapa
porque sempre se perde
em toda paixão absurda:
a única coisa que aprendeu
foi sobre
distâncias
e saudades
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meus temperos
são amargos
e entre aspas
porque o veneno
ruim
fica longe
das almas
com
gosto
bom
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alguns capítulos incompletos
onde não cito
ninguém famoso
onde não existem
cotações
nem pretendo oferecer
profecias
na poesia
não existe lugar
vulgar
eu sempre entendo as palavras
com olhar
enviesado
de caçador
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Marin Sorescu |
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