quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

dos arquivos...

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"entre estes meus amigos através
de cujos corações arde o horizonte e a ponte
da qual o seu sorriso era um dos arcos
abriram-se saudades."
Julio Carvalho - Adaptado de Luis Miguel Nava
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o eu é onírico 
o outro
é químico
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cobras se acomodam
águias esperam a hora de atacar
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ergo esse respingo de vinho
à vossa saúde 
ergo essa parte de vosso corpo
e bebo-lhe a lágrima
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memorial da entrega

pontos entre pontes
de exclamação 
quem tem um caminho reto
não se mete em atalhos
(exceto eu)
de teimoso tenho a vida
repleta de descaminhos
e poesia
e lágrimas 
e todos os meus silêncios 
são catalogados 
como abusos 
e dobras de pele
que com o passar dos anos
começaram a habitar
meus espelhos
e desordenadamente
vivo
amparando
reflexos
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de tanto ficar sozinho
dispensou as palavras
- agora orquestra
o silêncio
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mantenha a luz própria 
mesmo que a 
eletri
cidade
seja
estática
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no desprezo
a palavra mais 
comentada
é o silêncio
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mudar o endereço de gente é fácil 
mudar o jeito de gente não 
dar livramento de corpo
e limpeza de alma
é coisa muito impossível 
a não ser que se mude o chão
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o amor é cego
e tem vezes
que não me vê
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lá na porta de casa
o amor é mudo
nada entende 
aqueles portões 
de ferro
nem um grito
por isso 
é feito
silêncio 
só responde
forjado
a fogo
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para ter sentimento 
é preciso ter estômago e engolir pregos 
correr o risco
de desentender 
todos os gostos 
e do amargo
aprender 
a tirar
espinhos
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uma dor é uma pura pergunta
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fazer um dicionário de poesia
para pessoas que dizem absurdos
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já reparou que nenhum som é tão forte 
quanto um relógio no escuro?
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a vida é uma sucessão 
de enterrar e desenterrar 
coisas 
como um infinito
que existe na água 
corrente
e sua necessidade 
de encontrar 
o tamanho adequado 
a cada tipo
de solidão 
enterrar à lápis 
desenterrar
com uma tinta
possível 
de se escrever 
sobre o branco do dia
com a ponta negra
da noite
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queria um coração 
com seguro 
contra incêndios
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quero o amor como consequência 
e que seja visto antes mesmo
de chegar
bem perto
quero amor como sementes 
como nuvens
cada temporal
como um pequeno ensaio 
do fim do mundo
quero amor como um sentimento 
que engole todos os outros
quero o amor como a primeira pele
e a segunda
como alma
inaugurada
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a verdade me serve 
até a hora 
que vou ao banheiro
- e não tem volta
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as rugas 
são as cicatrizes aparentes 
nos espelhos
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o amor é cego
e tem vezes
que não me vê
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tem o olho maior que a barriga 
e às vezes vomita ilusões
e sonhos de toda uma vida
a base de olhares
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antes que seja tarde
olhar-se
bem de perto 
até que as veias
respondam ao sangue
e o corpo volte
à vida
responder à vida
ainda que ela não seja
uma
eternidade
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o amor 
vive suspenso por um fio
a solidão 
por um hiato
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o rosto
é o espelho do corpo 
a alma não tem outro reflexo
e quando o corpo decai
reflete
displicentemente
na cara
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retratos falhados
de rostos cansados
e pedras
pensadas em si
como primeira obrigação 
de todo dia:
ressuscitar
a noite adquiriu um hábito 
de deixar os óculos 
debaixo do ventilador
esperando
o vento limpar
o olhar na manhã seguinte
e sempre
salta por cima dos medos 
sem atravessá-los
- só medos impossíveis são 
agarrados à unha e dentes
entrega os minutos enterrados 
nas pálpebras do tempo
talvez esperando que um dia
deem frutos
fez do coração um mapa
porque sempre se perde
em toda paixão absurda:
a única coisa que aprendeu 
foi sobre 
distâncias 
e saudades
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meus temperos
são amargos
e entre aspas
porque o veneno
ruim
fica longe
das almas
com 
gosto
bom
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alguns capítulos incompletos 
onde não cito
ninguém famoso
onde não existem
cotações 
nem pretendo oferecer
profecias
na poesia
não existe lugar
vulgar
eu sempre entendo as palavras
com olhar
enviesado 
de caçador
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Marin Sorescu











































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