um dia
- e nem demorou muito -
eu vi brotar sementes
no coração do seu fruto.
e o fruto foi ganhando corpo.
e, de inquieto, caiu no solo.
e, de maduro, caiu no seu colo.
bendito fruto caído no seu ventre!
que se fez árvore e se encheu de flores,
coroou-se não de espinhos.
e sim de águas,
banhou-se em vinhos.
bem no meio dos seus segredos!
na mata mais verde se desfolhou.
da mata mais virgem se desfrutou!
a árvore que eu vi
cresceu em você
sem medo.
para Nalu adaptado de Raquel Scarpelli
.
como de fato
não existe Godot
ninguém mais
espera por ele
sonolentos
os que esperam
dormem
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não sou herói
numa época carente de heróis
apenas quero ser poeta
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faço-me destemido
prendendo a respiração
mas há um mistério
que não se pode esconder
o medo incita o futuro
e também o passado
no salto esqueço tudo
na vida apago
muros de concreto
enquanto me torno
um aposento simples
uma lâmpada
um colchão
e um poema
a vida passa pelas palavras
e a gente nem percebe
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a poesia
num sussuro
disse o meu nome
desde então
nunca mais
escapei dela
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mosca
e poesia
voam
e pousam onde
bem querem
por isso
a curta vida
da mosca
é tão
poética
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o principio não tem nome
o dia atualiza a agenda
uma palavra me atravessa
insinuando um poema
mas me causa vertigens
ao distinguir as digitais
da luz
então não me lembro
do que seria escrito
e ansioso
tremo de raiva
das coisas que não se recuperam
das feridas da memória
aprendo a esperar a volta
do poema
mesmo que seja outro
até mesmo incompleto
como um estranho
que parte
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o livro da vida
abre-se na página
deste instante
tem muito sol e muita luz
lá fora
algum calor que deve mais tarde
me espantar para sombras
mais tranquilas
eu gero um segredo
dentro do meu olhar
golpeio o dia
e coincidentemente
até num cego
me amparo
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até ataques líricos
de ódio
são poemas
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um vão é visível
em toda parte
entre meus olhos
e a cidade
as paredes incompletas
eu reconstruo ao meu modo:
a memória
é bem esperta
não me entenderia
por inteiro
se eu não tivesse a palavra:
tudo o que atravessa
esses vãos
torna-se
linguagem
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o vento ao ouvido diz: abril
e mais um tempo
que dizem horas
de mais um modo de dizer
adeus
à outro ano que se comemora
a idade é sempre mais um susto
mas as ideias continuam novas
até a escrita
deste poema
escapo de escrever
a idade traz coisas
impacientes
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o trovão
anúncio de tempestade
aguarda a força dos ventos
até que se acalmem
os ânimos
enquanto isso
sob a chuva
me torno mínimo
seguindo meu caminho
e na ansiedade
os ânimos
intactos
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este poema pesado
como âncora
afunda nas palavras
quando atirado ao mar
mas as palavras flutuam
não se prendem ao fundo
e súbito decolam pela manhã
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para Izabel
vá até a praia
e observe
o que seus mares te dizem
de longe talvez algum barco
de longe talvez até me reconheça
na ilha mais distante
do porto em diante
não seria eu nem a ilha
mas uma vontade de saudade
sua
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há sempre um espelho neste
momento
e ele conduz para a porta
de outro rosto que não
reconheço
a porta abre-se para dentro
um outro olhar
acontece
e elevo-me
para outro lugar
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volto com a tempestade
e envelheço de acordo
com alguma rosa dos ventos
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Yu Xiang |
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eu me preparo
para deixar de herança
o oceano
dentro de mim
são águas longas
e com tal intensidade
em ondas
os barcos não navegam
como querem
as praias são bancos de mármore
a dureza das coisas da água
provoca um embate na arrebentação
minha herança é esse mar revolto
dentro dele só os mais dedicados
marinheiros se saem bem
na beira mar um coração
de poeta
aguarda
an
coragens
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encontros furtivos
sob um céu estrelado
aparecem
vezenquando
nuvens no susto
dos amantes desavisados
uma ave num relógio
antigo
salta
para espantar
as horas
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Zai jian *
encontros
significam
mais que adeuses
as mãos
se colocam
tímidas
no abraço
consentido
da volta
*em chinês é adeus
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minha vida
faísca
mínima como um grão
um mínimo
pedaço de vidro
reflexo
de asas revoltas
insisto em planar
em direção
à tempestade
só assim aprendo
a voar
.......................
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