quinta-feira, 7 de abril de 2016

dos embarques...

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um dia
- e nem demorou muito -
eu vi brotar sementes
no coração do seu fruto.
e o fruto foi ganhando corpo.
e, de inquieto, caiu no solo.
e, de maduro, caiu no seu colo.
bendito fruto caído no seu ventre!
que se fez árvore e se encheu de flores,
coroou-se não de espinhos.
e sim de águas,
banhou-se em vinhos.
bem no meio dos seus segredos!
na mata mais verde se desfolhou.
da mata mais virgem se desfrutou!
a árvore que eu vi 
cresceu em você
sem medo.

para Nalu adaptado de Raquel Scarpelli
.



























como de fato
não existe Godot
ninguém mais 
espera por ele
sonolentos
os que esperam 
dormem
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não sou herói 
numa época carente de heróis 
apenas quero ser poeta
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faço-me destemido
prendendo a respiração 
mas há um mistério 
que não se pode esconder
o medo incita o futuro
e também o passado
no salto esqueço tudo
na vida apago
muros de concreto
enquanto me torno
um aposento simples
uma lâmpada 
um colchão 
e um poema
a vida passa pelas palavras 
e a gente nem percebe
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a poesia
num sussuro
disse o meu nome
desde então 
nunca mais 
escapei dela
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mosca 
e poesia
voam
e pousam onde 
bem querem
por isso 
a curta vida
da mosca
é tão 
poética
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o principio não tem nome
o dia atualiza a agenda
uma palavra me atravessa
insinuando um poema
mas me causa vertigens
ao distinguir as digitais
da luz
então não me lembro
do que seria escrito
e ansioso
tremo de raiva 
das coisas que não se recuperam 
das feridas da memória 
aprendo a esperar a volta
do poema
mesmo que seja outro
até mesmo incompleto
como um estranho
que parte
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o livro da vida
abre-se na página 
deste instante 
tem muito sol e muita luz
lá fora
algum calor que deve mais tarde
me espantar para sombras
mais tranquilas
eu gero um segredo
dentro do meu olhar
golpeio o dia
e coincidentemente
até num cego
me amparo
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até ataques líricos 
de ódio 
são poemas
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um vão é visível 
em toda parte
entre meus olhos 
e a cidade
as paredes incompletas
eu reconstruo ao meu modo: 
a memória 
é bem esperta
não me entenderia
por inteiro
se eu não tivesse a palavra:

tudo o que atravessa
esses vãos 
torna-se
linguagem
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o vento ao ouvido diz: abril
e mais um tempo
que dizem horas
de mais um modo de dizer
adeus
à outro ano que se comemora
a idade é sempre mais um susto
mas as ideias continuam novas
até a escrita
deste poema
escapo de escrever 
a idade traz coisas
impacientes
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o trovão
anúncio de tempestade
aguarda a força dos ventos
até que se acalmem 
os ânimos 
enquanto isso
sob a chuva
me torno mínimo 
seguindo meu caminho
e na ansiedade 
os ânimos 
intactos
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este poema pesado 
como âncora 
afunda nas palavras
quando atirado ao mar
mas as palavras flutuam 
não se prendem ao fundo
e súbito decolam pela manhã
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para Izabel

vá até a praia
e observe
o que seus mares te dizem
de longe talvez algum barco
de longe talvez até me reconheça 
na ilha mais distante 
do porto em diante
não seria eu nem a ilha
mas uma vontade de saudade
sua
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há sempre um espelho neste 
momento 
e ele conduz para a porta 
de outro rosto que não 
reconheço 
a porta abre-se para dentro 
um outro olhar 
acontece
e elevo-me
para outro lugar
..........................................................

volto com a tempestade 
e envelheço de acordo 
com alguma rosa dos ventos
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Yu Xiang






















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eu me preparo
para deixar de herança 
o oceano
dentro de mim
são águas longas
e com tal intensidade
em ondas
os barcos não navegam
como querem
as praias são bancos de mármore 
a dureza das coisas da água 
provoca um embate na arrebentação 
minha herança é esse mar revolto
dentro dele só os mais dedicados
marinheiros se saem bem
na beira mar um coração 
de poeta
aguarda 
an
coragens
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encontros furtivos 
sob um céu estrelado
aparecem
vezenquando 
nuvens no susto 
dos amantes desavisados
uma ave num relógio 
antigo
salta
para espantar
as horas
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Zai jian * 

encontros
significam 
mais que adeuses
as mãos 
se colocam
tímidas 
no abraço 
consentido
da volta

*em chinês é  adeus
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minha vida 
faísca 
mínima como um grão 
um mínimo
pedaço de vidro 
reflexo 
de asas revoltas 
insisto em planar
em direção 
à tempestade
só assim aprendo
a voar
.......................


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