domingo, 13 de março de 2016

dos presságios...


"para um desejo basta o seu peito
para que sejam livres as suas asas
da sua boca chegará até o céu
o que escondido está em sua alma
você traz a ilusão de cada dia
chega como orvalho nas pétalas das flores
e nas manhãs 
sua ausência amontoa horizontes
eternamente em fuga
irmão das ondas
conduzindo maremotos
no peito
já disse que o seu canto 
era o do vento
como cantam os mastros e os pinheiros
você é como eles 
quieto e taciturno
entristece rapidamente 
como uma viagem
sem rumo
acolhedor como uma antiga lenda
abriga ecos e vozes nostálgicas
desperta 
alguma vez com elas 
que emigram e fogem
são esses pássaros dormindo 
em sua alma"

“Vinte poemas de amor y una canción desesperada” 
(adaptado de Pablo Neruda)
.
Foto de Rick Barneschi

































não leve tudo ao pé das asas
não leve tudo ao pé da letra
não deixe a palavra ser seu rumo
não deixe tudo só no céu
assim na terra como no ninho
a palavra tem asa
e funciona melhor
solta
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"Entre o verbo
e o silêncio
a incisão
profunda.
Sem anestesia."

Domício Proença Filho - O Poema

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há tanta filosofia na língua
que nem tantos falantes podem imaginar
difícil pensar em coisas permanentes
a vida transitória
onde
é difícil entender que carregamos coisas
títulos e nomes
para a vida toda
mesmo quando não os queremos mais
há ainda aquelas velhas palavras
que arrastam seus sacos de bagagem
e que são quase impossíveis de serem explicadas
sem uma vistoria nas memórias que elas levam
existem aquelas palavras como
amor
paixão
saudade
carinho
cafuné
que não precisam de muita explicação
essas são facilmente entendidas
quando sentidas
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"O que eu sou não lhe diz respeito, em parte nenhuma lhe toca. Nasci para poucos e morro por quase ninguém. Contradigo-me em passos de dança invisíveis, enlaçando pernas e prendendo bocas, querendo muito e gostando tão pouco. Não é insatisfação ou sofrimento, é só um tudo ao mesmo tempo agora que não respeita amor de menos, não aceita um gostar pouquinho e querer às vezes. Uma intensidade que não se conforma com noites únicas de começo, meio e fim. Se estou aqui é pela música, pela companhia, pra me perder. Jamais pra desperdiçar uma noite com quem não sabe conversar.
Não me pergunte o que eu faço da vida, isso é banal, é triste, é comum. Queira saber o que me faz feliz, meu ponto fraco pras cócegas. Não pergunte o que me dá dinheiro, porque este é o menor dos meus sucessos. Esqueça meu nome verdadeiro, se eu venho sempre aqui, se estou gostando da música. Agir sem naturalidade é o seu maior fracasso.
Se é mesmo importante que eu responda as perguntas que tanto desprezo, se definir o que sou vai te fazer mais feliz, se quer mesmo saber de mim, comece pelas entrelinhas. Pelo não dito. Pelo movimento dos cílios e as pupilas dilatadas, os olhos nervosos que não se fixam, o modo de apoiar o peso do corpo em uma das pernas e me preocupar com o cabelo. Olhe para as mãos que não sabem repousar e a voz que desafina. Por favor, sou tão ridiculamente fácil de decifrar e ainda insistem em seguir pelo caminho errado. Exponho-me tanto e ainda querem uma cartilha.
E fazem isso porque amam de relance, querem no momento e só por desafio. Porque têm preguiça ou medo de cumplicidade e acreditam perder a noite se optarem por se apaixonar pelo próprio ego. Porque perdem oportunidades de se calarem quando é papel dos olhos falar.
É por isso que eu estou sozinha nesse mundo de luzes e pessoas. É por isso que eu saio de casa e minha roupa não precisa agradar ninguém além de mim. Porque não deixo o calor da minha rotina pra ser prenda em vitrine.
O que eu sou não lhe diz respeito, em parte nenhuma lhe toca. Mas se quiser mesmo saber de mim, experimente não me perguntar. E talvez assim desperte minha vontade de contar."

Verônica Heiss
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dar a flor
e ter seu pólen
mordida
saliva
sopro
crescer orvalho
e ter seu rosto
meu extremo oposto
alívio
por dentro cálice
quase flor
me separo
pétala
sem ousar
passando portas
como se fossem flores
acalmando
almas
até a raiz
até a razão se esgotar
meu peito sem espinhos
um fruto oco a te buscar
pelo mato adentro
sem entender chuva
ou mato
ou árvore que for
não sei se me desfolho
ou me transformo
em puro amor
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deixa eu te contar
que aqui no cais
o que sufoca é ar
me ensina a respirar
que eu já não sinto nada
além de
ar
viu
te vejo por aí
mas segue o norte que é mais seguro
pequena assim não dá
transporta mas não deixo de exportar
vai
que falta chuva aqui
e esse azul não vai te fazer bem

(poema incidental)

pra que você me trouxe aqui pra dentro desse quarto
era capaz de atravessar a cidade de bicicleta só pra te ver dançar
vamos sair
vamos andar no jardim
é terrível a existência de duas retas paralelas
porque elas nunca se cruzam
tão triste quando isso termina
doce
insone
.....
- ainda te escuto folhear os últimos poemas
com a metade de um sorriso
- é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço
- por favor, diz que a culpa é deles e não minha
- o quadro verde ainda tá de cabeça pra baixo
e você nem percebeu
- tente comer torradas com manteiga e tomar um café morno
às dez horas de um sábado e sentindo saudade
- eu inventaria nomes
mas só sei inventar letras
- a gente é feito de matéria escorregadia
azeite
manteiga
geléia
espanto
.......
um dois pausa
quatro pausa
respira
três quatro
engasga

seca - marujos caramujos

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sonhei com minha mãe
na beira da praia
e ela sorria
e me deixou sair
dançando pela cidade
acordei leve
minha mãe
tinha um sorriso
lindo
enquanto
eu
dançava
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e eu vou viver 
enquanto houver um vestígio 
dos poemas que fiz

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