sábado, 24 de janeiro de 2015

dos desvarios...

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"EMPREGADA: Madame, é Madame de Perleminouse.
MADAME:  Ah! que cacho! Faça-a engordar!
EMPREGADA: A senhora condessa de Perleminouse.
MADAME: Ah! Querida, queridinha pelúcia! 
Há Quanto tempero, há quantas pedrinhas eu não tinha o doceiro de te açucarar!
CONDESSA: Nem queiras saber, querida! Eu andei tão envidraçada! 
Meus três filisteuzinhos tiveram limonada, um depois do outro. 
Passei todo o começo do corsário chocando moinhos, 
correndo do rufião para o tamborete, 
passei noites controlando os carburadores, 
distribuindo alicates e pororocas. Enfim, não tive um só minueto livre!
MADAME: Pobrezinha! E eu que nem descongelava de nada!
CONDESSA: Melhor assim! Bem que merecias descampar, 
depois das borrachas que queimastes! Imagina! 
Desde o fez de Paio até meados do Fuzil ninguém mais te viu, 
nem no Water-proof, nem nos entremeios da Pinta da Boa-Crista: 
Devias estar mesmo muito congestionada!
MADAME: É verdade... Ah! que solvente! Não posso nem molhar nisso sem escurecer...
CONDESSA: Então, nada de cocadas?
MADAME: Nada.
CONDESSA: Nem um biscoitinho?
MADAME: Nenhum! Ele nem se dignou a se remexer, 
desde a pia em que gargarejou!
CONDESSA: Que sacristão! Devias ter-lhe raspado umas brasas!
MADAME: Foi o que fiz: raspei-lhe quatro, cinco, seis, talvez, 
em poucos holandeses; ele nunca castigou...
CONDESSA: Ah! Coitadinho do meu chazinho de melissa... 
Se eu fosse tu, arranjaria outro elefante!
MADAME: Impossível! Vê-se logo que não o aqueces! 
Ele me carabina completamente! Sou sua mosca, sua luvinha, seu bem-te-vi! 
Ele é meu bambu, meu trombone de vara. 
Sem ele não posso nem espremer nem latir; jamais o fecharei! 
Mas que revoada que sou! Não queres flutuar alguma coisa? 
Uma bolha de zulu, dois dedos de víspora?
CONDESSA: Obrigada, com muito esplendor.
MADAME: Mary!... Mary!... Oh! essa calçada! 
É turca como uma porca! Com licença, preciso ir à magistratura, 
esconder esse chinelo. Solto dentro de um minueto (sai)."

Uma peça por Outra - Jean Tardieu
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photo by Marian GrrltsMarian Grrlts



































S.O.S.
Julio Carvalho & Cristiane Amatucci

salve-se quem puderes
e quem quereres
e afogue-se quem não suportar
e flutue quem aguentar
e navegue quem amar
se bem que amar
está mais
para um estado de voar
voar sem sair do lugar
coisa para poucos
comparável
aos loucos
mas porque navegar
para sempre
se não se pode amar?
porque
é preciso um porto
uma chegada
um lugar pra ficar
um colo
um respiro
da loucura
que ausente
me dispo
o absurdo
é o nu
da palavra poética
o lugar é nulo
o mar é o verdadeiro sentido
em terra
só sobrevive
o fim
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des_vários
Julio Carvalho & Cristiane Amatucci

existe em poucos
um desvio
primordial
poéticamente
absurdo
os outros
são um tanto cegos
a sensibilidade
é uma escuridão opcional
a sensibilidade
é a permissão
de ver
com os olhos vendados
e os pés fora do chão
como um astronauta
ou um submarino:
perde-se o ar
perde-se o mar
mas a terra
sempre à vista
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é tanto tempo
e as histórias vão e voltam
e se confundem:
a memória
é o próprio
círculo
humano
infinitamente
reconstruído
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se não há fim
não há tempo
não existe marcação de tempo
estamos átomos
todos
presos na ausência de tempo
atônitos
numa condição 
de eterna
espera
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