quinta-feira, 27 de março de 2014

das anatomias...

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"Corpo, lembra não só quanto foste amado,
não somente os leitos em que deitaste,
mas também aqueles desejos que por ti 
brilhavam nos olhos claramente,
e que tremiam na voz – e que algum
obstáculo fortuito frustrou. 
Agora que tudo já está no passado,
parece, quase, que àqueles desejos também
tu te entregaste – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que te contemplavam;
como tremiam na voz, por ti, lembra, corpo."
Lembra, corpo - Constantinos Caváfis
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poeta respire agora* 
porque talvez seja uma das últimas coisas 
que você possa fazer por si mesmo

poeta respire agora 
porque há um fogo dentro de você 
que precisa de oxigênio para queimar
e se você ficar sem fôlego 
você vai correr contra o tempo

poeta respire agora 
porque uma vez que o pulmão se encher
você tem que segurar o ar para gritar 
inspirar e levar a voz para o céu
você tem que usar o fluxo de sua própria voz
poeta 
tem que respirar agora 
porque depois de cuspir 
você não precisará mais do ar
você estará agitando rimas 
e respirando poesia 
poeta

poeta respire agora 
para nunca mais esquecer a respiração
que você tem
através das passagens de ar 
pela sua garganta
e as alegrias intensas 
pelas cordas vocais
coisas que acontecem
quando você escreve versos
o verso é seu pecado 
é o seu salvador 
é sua música 
é a sua vida
e suas palavras são como maravilhas 
acompanhadas por pianos, flautas e violinos
palavras de você homem 
palavras de você mulher
e esse casamento de palavras 
orbita em torno de seu amor 
entre pessoas, metrôs e carros
mantendo o tempo vivo
nas batidas do seu coração 

poeta respire agora 
porque você tem sempre algo a dizer
porque a paz pode depender do seu próximo poema
porque você respira
e esse ar ajuda seu cérebro 
a dizer ao seu coração 
para manter a sua força
durante o próximo ciclo
e que o sangue possa conter os seus lábios
e formar uma última palavra
a próxima palavra
essa palavra que precisa atingir
até as pessoas mais difíceis
porque todos nós somos feitos dos mesmos elementos
e todos nós respiramos o mesmo ar
assim celebramos nossas várias formas de existir
as várias personalidades
as várias sexualidades 
pela persistência 
pela resistência
de se manter vivo
cada vez que você retoma o fôlego
poeta
o universo ressoa com batidas ondulantes
aterrissagens e anjos e serafins
tempestades são cuspidas
estrelas são supernovas
e você respira com tremores no peito
mesmo quando toda a esperança parece perdida
os sons pela sua garganta vibram
como esperanças e estrelas
como "eu ainda estou aqui"
ou um "oi" ou "hey"
faremos anjos dos nossos bares
cantores dos nossos vagabundos
perspectivas dos nossos exilados
e um infinito de nossas somas 
nós somos os filhos das empatias
e das doenças das favelas
curamos como o sol
como batidas rítmicas
nos retiramos dessa apatia
e por vezes
quando preciso
desistimos de algumas coisas

poeta respire agora 
porque uma vez que você começar o seu poema
você pode morrer por trás de qualquer palavra
e a morte pode ser o fôlego
mais imortal da poesia
assim a respiração é sempre
nossa salvação
eterna

poetas respirem mais uma vez comigo agora:

isso é um poema
que todos nós
escrevemos

*Adaptado de Adam Gottlieb

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